Coleção pessoal de umabeatriz
Clube dos Menores Homens que Existem no Mundo
No clube dos menores homens que existem no mundo,
eles se reúnem aos sábados,
e planejam como podem destruir
o coração de mulheres que são mais mulheres do que eles são homens.
Mulheres que são melhores que eles.
Financeiramente, educacionalmente, emocionalmente.
Mulheres que são capazes de amar e se doar por eles.
Mulheres que morreriam por seus pecados.
Mulheres que cruzariam o país por eles.
No clube dos menores homens que existem no mundo,
eles não conseguem cumprir promessas,
não conseguem acordar antes das 10h,
não conseguem ser financeiramente responsáveis,
não conseguem cozinhar, nem comer bem.
Não conseguem.
Não conseguem sequer ter uma ereção.
Eles planejam e vivem crimes após picotar corações de mulheres.
Mas eles não serão condenados por isso.
Eles são tão pequeninos
que, ao serem pegos,
conseguem se esgueirar e sair pelas grades.
São tão pequenos que se escondem nos bueiros.
E as mulheres que matam precisam usar lupas para enxergar suas qualidades.
Precisam se diminuir para caber.
Mas eles são tão pequenos que não aguentam o peso.
Mas as mulheres que eles matam se culpam pelas suas mortes.
Porque elas são tão benevolentes que pensam:
“É só um pequeno homem aprendendo a amar.”
E a partir disso, todos os erros são justificáveis.
Mas as mulheres que eles matam conseguem esquecê-los,
mas nunca perdoá-los.
Porque são tão pequenos,
que cabem em notas de rodapé nas histórias que contaram.
Cabem em caixas de fósforo junto com promessas quebradas.
Cabem em silêncios constrangidos nas rodas de conversa.
Cabem em apelidos ridículos e piadas internas que ninguém mais ousa repetir.
Tão pequenos que, no final,
Só há um aviso velado:
“Cuidado, ali já houve um homem menor que o mínimo aceitável.”
O Menino e o Espelho
Ele olha o reflexo.
O reflexo o olha.
Ele deseja coragem.
Ensaia o discurso.
Decora as palavras.
O espelho o encoraja.
O espelho aprova.
O espelho silencia.
Ele ganha coragem.
Dorme.
Acorda.
Espera.
A oportunidade surge.
Ele vai.
Ele diz que a quer.
Ele a tem.
Ele questiona.
Consome.
Faz feliz.
Machuca.
Descarta.
E volta ao espelho.
Mas o reflexo, agora, o evita.
Porque o espelho sempre soube.
Só que dessa vez,
ele não precisa mais da coragem do espelho.
Descobriu que, para ferir,
não é preciso coragem.
É só não olhar.
É só não voltar.
O espelho ficou vazio.
E o menino, cheio demais para caber nele.
Há uma dor em sentir dor
Por algo que você não buscou.
Por algo que você não escolheu.
Por algo para o qual te convidaram a estar.
Eu aceitei.
Mas eu nunca pedi para estar aqui.
Nunca pedi para estar em lugar nenhum.
Somente aceitei.
E isso não quer dizer
que não amei cada segundo.
Que não me entreguei por inteiro.
Mas não, nunca pedi para estar aqui.
Eu aceitei.
E fiquei.
Até que você, aos poucos,
usou os silêncios,
os intervalos,
os espaços.
Fez acontecer sem aviso.
Sem coragem.
E eu, mais uma vez,
aceitei.
Beatriz
Do latim beatus,
feliz,
aquela que traz felicidade,
aquela que faz os outros felizes.
Ela leva.
Para todos.
Mas quem traz a ela?
Não é sobre quem vai.
É sobre quem permanece.
E quem está?
Ninguém.
Brinquedo na Prateleira
Ele não puxou minha corda
quando me devolveu à prateleira.
me devolveu depois de uma sucessão de pequenos naufrágios.
Ah, você precisava ver
quando ele me escolheu pela primeira vez.
O brilho febril nos olhos,
o desejo tonto,
a vergonha em pedir,
o orgulho pueril de quem compra
o brinquedo mais caro
com o pouco dinheiro que lhe resta.
Ele não puxou minha corda ao me devolver.
Mas puxou ao me tirar da caixa,
ao me apresentar o seu mundo torto,
ao me levar para casa
e me usar como alívio
para os seus dias cinzentos.
Quando ele puxava minha corda,
lá estava eu:
risonha, leve, palhaça,
encantava, distraía, seduzia, amava.
As palavras que escapavam de mim
já não eram gravações de fábrica,
eram preces, eram carne,
eram pedaços do meu peito.
E assim, entre uma brincadeira e outra,
fui deixando de ser boneca,
fui virando companhia.
Mas logo depois da segunda vez,
em que eu brinquei com ele,
veio a troca.
Outro modelo. Outro encanto.
Novidade de prateleira.
Quando eu precisei que ele fosse meu Ken,
não havia mais palavras doces.
Fui esquecida num canto empoeirado
do seu quarto,
da sua mente,
da sua vontade.
Eu, que um dia
iluminei seus olhos e embriaguei seus sentidos,
fui reduzida a objeto obsoleto.
Não mais capaz de entreter,
não mais digna de afeto.
Aliás — digna sim.
Digna da atenção burocrática,
daquela que se dá no fim do dia,
por obrigação,
quando não há mais coração,
quando já se esqueceu o motivo,
quando só resta o hábito.
Ele me devolveu à prateleira
porque eu não era mais útil.
E qual a serventia de um brinquedo quebrado?
Brinquedos não esperam amor de volta.
Servem.
São usados.
E descartados
quando já não entregam resultado.
Havia outra.
Mais próxima, mais promissora, mais acessível.
E o brinquedo que um dia lhe valeu cada centavo,
foi devolvido à estante.
No instante em que eu mais precisei
que ele puxasse minha corda,
brincasse comigo,
me amasse — como um dia fingiu,
ele me largou.
Suja.
Queimada.
Esmagada.
A mercadoria esquecida
na última fileira
da loja de suas memórias.
Existo como sou, isso é o que me basta: se ninguém mais no mundo toma conhecimento, eu me sento contente; e se cada um e todos tomam conhecimento, eu contente me sento. Existe um mundo que toma conhecimento, e este é o maior para mim: o mundo de mim mesmo. Se a mim mesmo eu chegar hoje, daqui a dez mil ou dez milhões de anos, posso alcançá-lo bem disposto ou posso bem disposto esperar mais.
Quando a gente é jovem, alguma esperança existe: talvez, algum dia, alguém me ame. Talvez, algum dia, alguém me entenda. Talvez, algum dia, eu me entenda e eu me ame. Talvez, algum dia, a vida entre nos eixos e comece a fazer algum sentido. Talvez… e esse talvez não chegava nunca. Não, ao menos, da forma que eu queria.
A dor não vai embora porque a gente quer. Ela vai corroendo a gente por dentro, em silêncio, de modo lento, como ferrugem.
Mas quando você está sorumbática, você não enxerga a beleza. Você só enxerga o que é taciturno. Os raios de sol e os sorrisos não lhe alcançam.
Nos seis biomas, tudo é vida
Palco feito por Deus, o Grande Artista
Não é segredo, posso revelar:
Os sabores daqui não estão em qualquer lugar
Cupuaçu, goiaba, caju, pequi e umbu
Poucos provam do baru
Mas todos conhecem o maracujá
Uma das maravilhas que aqui há
Dos frutos tropicais,
nutriram-se figuras nacionais:
Álvares de Azevedo, Iracema,
Frei Caneca e João Ubaldo Ribeiro
Mas para o alimento não findar,
é necessário os biomas preservar
Para que dessa fonte de vida
Todos, um dia, possam se alimentar
Life is something confusing. It takes sadness to know happiness, noise to appreciate silence and absence to value presence.
Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe uma paladar,
Seria mais feliz um momento...
Mas eu que nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural...
Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva...
O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja...
(Do livro O Guardador de Rebanhos Heterônimo de Fernando Pessoa)
Vejo tristeza na beleza. Sinto a melancolia dos momentos alegres. Eu reclamo o direito de ser infeliz.
O fracasso é o destino humano. O fracasso nos ensina que a vida é apenas um rascunho, um ensaio para um show do qual nunca vai participar.