⁠A essência da desorientação... Maurício Junior

⁠A essência da desorientação existencial… Na tessitura da existência humana, emerge um fenômeno inquietante: a tendência contemporânea de conferir ao comum a ro... Frase de Maurício Junior.

⁠A essência da desorientação existencial…

Na tessitura da existência humana, emerge um fenômeno inquietante: a tendência contemporânea de conferir ao comum a roupagem de doença. Aquilo que outrora seria compreendido como parte intrínseca da travessia existencial, ou mesmo como fruto de uma desorientação passageira, transfigura-se, em nosso tempo, em patologia psíquica. Não se trata, na maioria das ocorrências, de uma verdadeira fissura no ânimo, tampouco de uma suspensão irrevogável da vontade ou de um abismo ontológico que reclame intervenção urgente. O que se descortina, em sua essência, é a ausência de um eixo, uma errância sem método, desprovida de norte e rigor.

Contudo, ao elevar essa desorientação ao estatuto de desordem, instaura-se, de forma paradoxal, o privilégio de abdicar da responsabilidade sobre si mesmo. Ao invés de confrontar a inércia, acolhe-se a segurança ilusória do diagnóstico, que não apenas nomeia, mas legitima a fuga do peso da autodeterminação. O desconforto, que é parte inalienável da condição humana, dissolve-se em uma nomenclatura clínica que o aliena de sua substância vivida. O medo converte-se em exaustão, a dúvida em labirinto identitário, enquanto a linguagem da morbidez substitui a sinceridade da reflexão. Vemo-nos, assim, diante de vidas que, mais do que padecimentos genuínos, carecem de direção e disciplina.

É incontestável que os sofrimentos psíquicos reais exigem cuidado, compaixão e tratamento. No entanto, o uso indiscriminado da linguagem diagnóstica banalizou o peso do sofrimento autêntico, fazendo do efêmero uma entidade nosológica. O que antes demandava esforço e perseverança tornou-se um apelo por amparo irrestrito, descuidando-se da relevância da autonomia e da ação consciente. "Trauma" converte-se em álibi para a ausência de responsabilidade; "ansiedade" transforma-se em desculpa para a procrastinação; "crise existencial" reduz-se a uma caricatura de profundidade, um verniz filosófico para esconder a renúncia ao movimento. É mais fácil declarar-se enfermo do que admitir o temor de agir.

Dizer "não consigo" tornou-se mais aceitável do que confessar "não quero". A exigência foi reclassificada como violência, o desafio como um gatilho intolerável. A cultura da fragilidade e da aversão ao desconforto parece esquecer que é justamente no embate com o incômodo que o indivíduo se forja. Não se trata aqui de repudiar a empatia, mas de reivindicar uma lucidez que diferencie a dor legítima da abdicação disfarçada. A verdadeira patologia clama por cura; a indolência, por superação; a ausência de disciplina, por aprendizado. Esquivar-se do esforço não é um destino inexorável do humano, mas uma escolha – uma escolha que, em última instância, revela não o peso da condição, mas a recusa de enfrentá-la.