⁠Meu eterno problema com palavras se... Luciana Ferreira

⁠Meu eterno problema com palavras se tem agravado. Penso nas palavras como se elas tivessem vida, como se fossem pessoas. Algumas palavras são casadas. A palavr... Frase de Luciana Ferreira.

⁠Meu eterno problema com palavras se tem agravado.
Penso nas palavras como se elas tivessem vida, como se fossem pessoas.
Algumas palavras são casadas. A palavra caudaloso, por exemplo, tem união estável com a palavra rio. Não lembro de ter visto caudaloso andando por aí acompanhada de outra pessoa. O mesmo vale para frondosa, que está sempre com a árvore.
Outra coisa horrível é a solidão do Perdidamente... Coitado! É um advérbio que só adverbia o adjetivo apaixonado.
Nada é ledo a não ser o engano, assim como nada é crasso a não ser o erro.
Isso não te parece triste? Eu imagino como as palavras sentem-se sozinhas.
Algumas palavras dependem de outras. Talvez por amor, afinidade, carência, preguiça ou outros sentimentos menos nobres.
A palavra engano, por exemplo, acho que só está com ledo por pena. Ela sabe que ledo, essa palavra velha, não iria encontrar mais nada a essa altura do campeonato. Por isso, por caridade, resolveu dar-lhe o ombro e oferecer ajuda.
Esse é o problema do casamento entre as palavras. Tem sempre uma palavra que ama mais. A palavra árvore anda com várias palavras além de frondosa. O casamento é aberto, mas para um lado só. Frondosa não encontra ninguém que a ame, mas árvore tem tantas companhias alegres e fieis. A palavra rio também sai com várias outras palavras: grande, comprido, branco, vermelho.
E o pobre do caudaloso fica lá, sozinho, em casa, esperando o rio chegar, e a comida esfriando no prato.
Porque ninguém, a não ser o rio, chega para fazer companhia ao caudaloso.
Imagino o dia em que o caudaloso canse de ser maltratado e resolva sair com outras palavras. Que esbarre com aquele abraço e o abrace de volta. Quem sabe aconteça o dia em que o abraço caudaloso dê tão certo que fique comum em nossos diálogos e que sejam almas perdidamente inseparáveis. Talvez pra isso sirva a poesia, mas talvez seja apenas mais uma loucura de quem vê vida em todas as coisas. Pois há verdadeiramente vida, em todas as coisas. E as palavras tem mais vida e mais atitude do que conseguimos imaginar.