Da arte de aceitar Ele não aceitava a... Artur da Távola

Da arte de aceitar
Ele não aceitava a moça. Ela foi, foi, conversou, conversou, rodou, rodou, artimanhou, manhou, arte e manha, miou, afinal rendeu. Criança de emoções superficiais, rápidas, espontâneas e passageiras, ele cedeu. Aceitou-a.
Fiquei pensando em algo tão definido pelos psicólogos e literatos, porém inesgotável e eterno como o tema humano: a necessidade de ser aceito.
Ser aceito não é receber a concordância. É receber até a discordância, mas dentro de um princípio indefinível
e fluídico de acolhimento prévio e gratuito do que se é como pessoa.
Ser aceito é realizar a plenitude dos sentidos do verbo latino Accipio, que deu origem à palavra portuguesa. Accipio quer dizer: tomar para si; receber, acolher; perceber; ouvir, ouvir dizer; saber; compreender; interpretar; sofrer; experimentar; aprovar; aceitar; estar satisfeito com. Tem vários sentidos, tal e qual essa aceitação misteriosa e empática que alguns nos concedem.
Ser aceito é ser percebido antes de ser entendido. É ser acolhido antes de ser querido. É ser recebido antes de ser conhecido. É ser experimentado antes da experiência. É, pois, um estado de compreensão prévia, que abre caminho para uma posterior concordância ou discordância, sem perda do afeto natural por nossa maneira de ser.
Ser aceito implica mecanismos mais sutis e de maior alcance do que os que derivam da razão. Implica intuição; compreensão milagrosa porque antecipatória; conhecimento efetivo e afetivo do universo interior; compreensão pela fraqueza; cuidado com as cicatrizes e nervos expostos, tolerância com delírio, tolices, medos, desordens, vesícula preguiçosa, medo do dentista ou disritmia.
Ser aceito é ser feliz. Raro, pois. Quer fazer alguém feliz? Aceite-a em profundidade. E depois discorde à vontade. Ela aceitará.