Um café amargo numa xícara branca... Junior Mendes

Um café amargo numa xícara branca esfria sobre a escrivaninha. O corpo em estado de adormecimento escreve no ar
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Tenho me deixado cruzar, atravessar pelos fluxos da paixão. Meadas de força que invadem, rasgam o corpo. Cortado em vários pedaços, inebriado por tudo que parte, divide, estilhaça, sigo. O que escrevo? Um borrão, um esboço, um emaranhado de riscos entrecruzados que preenchem o espaço sem tempo.

A paixão por toda espécie de coisas lateja em mim. Minha fala se caracteriza por um timbre rouco, um som grave, uma vós áspera, roufenha – isto não é importante. Paixão: palavras, imagens, dentes; barba, sono, sonho, fantasia; tenho inventado o meu próprio mundo fantástico no qual os desejos mais submersos emergem.

Estou apaixonado por certo sorriso proibido, encantado pelos sons dos pássaros e pela confluência das águas que correm sem imediatismo: não há urgência no seu percurso. As horas como um longo tapete vermelho se estendem – recolho os olhos. Tenho dado lugar cotidianamente para as utopias, tenho vivido lugares fora de todos os lugares. Por vezes encontro-me nos desencontros. Sinto saudade da sensação dos olhos molhados, derretendo como um sorvete salobro sobre a pele do rosto, sobre a maciez dos lábios que esqueceram o gosto do beijo