Restos de uma vida Tiraste-me do ventre... Valdeci Santos

Restos de uma vida


Tiraste-me do ventre materno, me prometestes uma vida e amor eterno.
Disse-me que eu seria um guerreiro, que deveria lutar e que eu seria seu herdeiro.
Aceitei ainda sob a inocência de um menino; e feliz, me expus ao destino.
Sabia que seria difícil pra mim, que não poderia desistir, e deveria seguir até o fim.
Mas, não imaginei assim minha vida, batalhas tão intensas, desconexas e sofridas.
Impuseste-me a desigualdades, ignorância recorrente e a longas tempestades.
E quando eu não pude suportar, submeteu-me as leis dos homens e me deixastes condenar.
Sob os apupos da multidão, com uma cruz sobre os ombros, me arrastastes pelo chão.
Atiraram-me pedras, cuspiram-me na face e arrancaram-me os cabelos com as mãos.
Ainda assim, não contente, dilacerastes todo o meu corpo com vergalhos e correntes.
E agora, já no fim do caminho, na cabeça, cravam- me uma coroa de espinhos.
Vertem-me as lágrimas do desgosto e o sangue ainda quente me escorre pelo rosto.
Não entendo porque deve ser assim, porque pessoas comuns zombam e riem de mim.
Por fim, cravam o meu corpo no madeiro elevando-o ao céu. Na sede, sinto o amargor do fel.
À minha volta, não vejo arrependimento, apraziam com as lágrimas e com meu sofrimento.
Aqui me tem sido tudo muito sofrido, a meu ver, uma vida de amarguras, triste e sem sentido.
Sinto não haver mais jeito. Agora, como ultimo feito, hão de cravar-me uma espada no peito.
Sem nada mais que lhe apraz, na cruz apenas um corpo inerte; devo menear a cabeça para trás.
Este será o meu ultimo sinal; findaram-se aqui os meus dias, tua luta terá chegado ao final.
Na soberba, sentiras um vazio, tênue tempestade, uma brisa leve e o gemer de um vento frio.
Terás tido todo o meu ser, exposto as tuas vontades, objeto único de sofrimento ao seu bel prazer.
Terei sido sob as leis dos homens, humilhado, morto e crucificado, porém tudo terá sido consumado.
Tu terás conquistado a minha morte; como ultimo pedido, não me abandone a própria sorte.
Quando virdes minha alma a vagar e sem saber para onde vai, terás arrancado a minha vida.
Então, apossa-te tu dos restos de mim, enxuga-me as feridas e devolva-me para o meu pai.

Abraços fraternos
Valdeci Santos em: Pinçados a mão- versos, reflexões e poesias.