Eu sempre dizia a minha mãe que queria... Jeozadaque Martins

Eu sempre dizia a minha mãe que queria morrer antes dela. Não suportaria a dor de perdê-la. Ela sempre me repreendia, me mandava calar a boca, falava que uma coisa dessas não se dizia, que certas coisas não se diz em voz alta, pois o destino pode acatar nosso pedido. Ela dizia que a ordem natural das coisas era o filho enterrar seus pais, e não o inverso. Mas eu nunca admitia tal ordem.
Hoje pela manhã sai de casa, fui à escola.
Moro numa cidade agitava, muito agitava, os carros zumbem pra lá e para cá. Minha mãe sempre diz para eu ter cuidado ao atravessar o semáforo. E eu sempre tenho.
Mas certas coisas não dependem só de nós. Por mais que tenhamos cuidado, algumas vezes iremos nos machucar. A dor faz parte da vida tão quanto a alegria.

Foi questão de segundos. Um motorista alcoolizado ultrapassou o sinal vermelho e me acertou em cheio. Até a música que eu ouvia pelo fone de ouvido deu sinal a uma melodia triste e nesse instante todas as imagens da minha vida passaram por mim num piscar de olhos.
Ah! Os instantes da vida... Uma hora estamos alegres, fazemos planos para nosso futuro, sonhamos com aquela casa, aquele carro, aquela pessoa... Mas basta o ponteiro do relógio andar apenas um segundo e todo cenário muda. E a gente passa a ver que tolos nós somos. Fazemos planos para o futuro, mas esquecemo-nos de viver o presente.
Tudo isso passou em minha mente em apenas alguns segundos.
Parece que o tempo é diferente para aqueles que sofrem.
Tudo foi ficando em tom avermelhado, em seguida, tudo ficou escuro. Não lembro mais de nada. Só ouvia vozes bem distantes, mas não reconhecia nenhuma, muito menos o que diziam.
Acordei dias depois. Isso foi o que me disseram.
Quando abri meus olhos vi um rosto cansado. Parecia que ele estava ali há dias. Era minha mãe. Seus olhos, embora cansados, transmitiam agora uma alegria imensa. Foi aí que percebi que eu estava ligado a alguns fios. Parecia que a minha situação era séria. Ouvi uns gritos. Era minha mãezinha. Ela não sabia o que fazer: se ficava ao meu lado ou se abria a porta e corria apara chamar o médico. Mas foi o que ela fez: correu em direção à porta e gritou pelo nome de Guilherme. Acho que esse era o nome do doutor que cuidava de mim durante todo esse tempo. Eu estava fraco. Eu sentia isso. Minutos depois minha mãe voltou com um senhor alto, cabelos brancos que transmitiam experiência. Era o doutor.
Sabe a melhora da morte? Acho que foi isso que aconteceu comigo. Acordei apenas para dar a última alegria a minha mãe. Acordei apenas para ver seu último e mais lindo sorriso.
Meus olhos se fecharam lentamente como se eu estivesse assistindo um filme em câmera lenta. Eu só via o teto do hospital, minha mãe gritando, um grito que parecia não ser de felicidade, mas de agonia. Outros médicos apareceram. Um deles pegou com delicadeza nos braços de minha mãe e pediu para que ela saísse. Eles precisavam agir com calma e ter minha mãe ali, aos prantos, só pioraria as coisas. Mesmo contra sua vontade minha amada mãe foi deixando o quarto, enquanto isso meus olhos continuavam se fechando. A última coisa que pude ver e ouvir foi um médico levando minha mãezinha embora enquanto ela dizia desesperadamente: "Eu te amo, filho. Viva!"
Não foi o que aconteceu...
Contra minha vontade acho que não vivi. Apesar de estar contando isso agora, não vivi. Sei disso porque ouvi um equipamento no quarto do hospital gritando um "piiiiii" infinito.
Eu tive que ir embora.
Parece que o destino acatou meu pedido. Me levou embora primeiro que minha mãezinha...
Hoje ela sofre.
Meus Deus! Que tolo eu fui! Não queria sofrer a morte dela, mas a fiz sofrer a minha!
Embora tarde demais, e pela maneira mais triste, aprendi que o amor tem desses inocentes egoísmos.