Aí um dia, depois de viver e reviver o... Bia Antunes

Aí um dia, depois de viver e reviver o inferno em suas várias faces e sorrisos traiçoeiros - sem pudor algum ou qualquer salvação - acordei no paraíso. Despertei com o doce som da chuva tocando a vidraça; os braços dele me envolviam com ternura, e a temperatura de seu corpo era quente. O peito desnudo agora se fazia abrigo, e seu coração era meu lar. Ele, que havia me presenteado com seu sorriso pacífico, tinha nos lábios o bálsamo que me curava as dores e feridas da alma, e no cheiro inebriante que lhe saltava a pele canelada e invadia o ambiente, eu encontrei a calma que tanto ansiei. As camadas silenciosas que tentavam se impetrar na passagem de meus dias foram quebradas no rompante timbre de sua voz, ainda rouca e muito gentil, e mesmo no abismo mudo dentre as bases estruturais do quarto, uma música suave passou a me acompanhar. Não me contive e cantarolei baixinho, quase sussurrando e, apesar de ainda observá-lo esperando que tivesse voltando a dormir, ele sorriu. E, ainda que existisse algo mais para ser dito, nossos lábios apenas se encontraram. Outro suspiro e um carinho azedo; gentilezas compreendidas em trocas de olhares e dedos cruzados. Se alguém me concedesse três míseros desejos naquele momento, é certo que eu os utilizaria com ele: Que seja, que permaneça, e que nunca se finde. Aquele era apenas o início de um dia realmente memorável. Como eu disse, o dia em que eu, simplesmente, acordei no paraíso.