EU ÁFRICA Acorrentado pela... Cássio Jônatas

EU ÁFRICA

Acorrentado pela escravidão...
Tenho marcas, sou marco,
Na face trago traços,
Sofrido negro afro.

Acorrentado pela escravidão...
Refém do fenótipo, nasci no cortiço,
A dor me traga, é tanto sacrifício,
Nada me revigora, resta-me o vício.

Acorrentado pela escravidão...
Agonizando eu sigo ermo,
E sinto a falsa liberdade num terno,
Preso no aflitivo quilombo hodierno.

Acorrentado pela escravidão...
Minhas ideias: estanques,
A morte: um baque,
Então suspiro ao som dos atabaques.

Acorrentado pela escravidão...
Venho do Saara, aro a seara,
E enquanto a ferida não sara,
Jogo minha capoeira odara.

Acorrentado pela escravidão...
Com açoite, os senhores tolhem,
E enquanto a dor não aboli,
Meu ópio é o folclore.

Acorrentado pela escravidão...
Minha sina é rastejar,
Na lavoura a dançar,
Dois pra lá, dois pra cá.

Acorrentado pela escravidão...
Conquisto a alforria,
Viro escravo da alegria,
Minha prisão: a fantasia.

Acorrentado pela escravidão...
Perdido, mergulho em teu mar,
Afogo-me em teu branco olhar,
E encontro-me em tua íris negra.

Acorrentado pela escravidão...
Tenho meus desejos cerceados,
Tenho o meu samba censurado,
Mas não calo: sangro os meus versos calejados.