Cansado. Estou cansado do trânsito, do... Jeferson Luís da S. Abreu

Cansado.

Estou cansado do trânsito, do dinheiro,
Do trabalho e do descanso.
Estou cansado do dormir e acordar,
Do ato de crescer, da finalidade de estudar.

Estou cansado da fumaça, do cigarro,
Do por do sol, do céu nublado,
Do viver e do existir sem causas exatas,
Cansado de não saber o que tenho ou quem sou.

Estou cansado de ser polido, educado,
De ser grosso e estúpido e fazer descaso.
Cansado dos casos e acasos,
Do à vista e do à prazo.

Estou cansado do consumo sem necessidade,
Do comprar por status, para ter conceito.
Cansado de pensar que riqueza define ego,
De não saber o que é um ego ou o que é meu ego.

Estou cansado do tudo industrializado,
Do anel da ciranda que foi quebrado.
Cansado da era da poluição,
Da política e da corrupção.

Cansado do ralar para ter,
Do papo furado de que todo esforço terá reconhecimento (que reconhecimento?).
Cansado do mais e menos,
Das oscilações da vida.

Estou cansado dos impostos pela terra,
Pela água, pelo ar, pelo sol e pela guerra.
Casado de voltar no ontem ou de esperar o amanhã,
Fingindo que não existe um presente entre os dois.

Estou cansado do emprego mal reconhecido,
Do trabalho escravo de um escravo abolido.
Cansado do julgamento que não tem sentido,
De ser acusado e inocentado por um povo sem olhos e ouvidos.

Estou cansado de ser quem querem que eu seja (como se não pudesse ser eu mesmo),
De chorar por seres que não mereçam (há meia dúzia de bons, talvez uma dúzia).
Cansei de escrever a tristeza, a melancolia e o cansaço no poema,
Por isso, ainda que cansado, farei da vida a utopia de um romance no cinema.