A gente se pega deixando aquela... Clara Furtado

A gente se pega deixando aquela lágrima, teimosa que só ela, escorrer. E ela desliza às vezes sem nenhum grande motivo aparente, vezes por nada, vezes por todas as pequenas razões que aparecem, dia após dia, das profundezas das nossas desilusões e tristezas ou da superfície das nossas conquistas e alegrias, e tantas são. Ela passa pelo rosto, faceira e desobediente ou apenas amiga, tentando escapar fielmente só para aliviar o fardo e a pressão do abrigo onde se achava, causando a ligeira sensação, na constância finita da vida, de que, se não esvaziar, haverá, a qualquer momento, uma explosão delas.

Ela, que em medidas dosadas é sempre necessária e conveniente, mesmo que, contraditoriamente, no pensamento, dispensável. E, mesmo que passemos o dia inteiro fortes como rocha, duros na queda como todo mundo se mostra ou tenta, batalhando bravamente, lá estamos nós, no fim da noite, noite sim, noite não, felizmente rendidos a ela, frágeis mas com jeito de quem é vitorioso por ter na cabeça, além das preocupações do ser humano, tão humano, a famosa sensação da missão cumprida, mesmo que isso tudo se misture com uma nítida impressão que a nossa pilha diária acabou e é nessa hora, então, que entendemos que mesmo que esta seja símbolo universal de tristeza, assume, bravamente e com igual excelência, o papel de guerreira de uma fortaleza, reestruturando, refazendo e limpando a bagunça, sempre que a vida pede. E, assim, ela se faz tão protagonista nas vidas como o mais belo dos sorrisos, mesmo que muitas vezes também, antagonista, fazendo a sua presença em muitas cenas ser completamente normal e realmente, é, discreta e ou escandalosamente.

E, vez ou outra, eu me rendo, sem medo e certa de que, do jeito certo, nada ela tem a ver com fraqueza, mas com a condição de ser humano, feliz e muito forte que sou, embora ali, frágil, porque mais feliz e forte, ainda, saio e cada vez mais refeita, serena e pronta, pois nela, a única dose exagerada é uma grande e incalculável pitada de Fé.