Nada ou Tudo Sei Então me deram a... Dalia hewia

Nada ou Tudo Sei

Então me deram a missão: fale por favor sobre as coisas irritantes do Natal.
Eu poderia falar sim, mas já falaram tanto...
Poderia falar por exemplo, das ruas lotadas de pessoas que acham que comprando um belo presente vão apagar todas as atitudes hostis que praticaram durante todo o ano, poderia falar dos parentes que seguem aquele mesmo ritual de visitarem-se e comportarem-se educadamente pra darem a impressão de que famílias são sempre felizes e compostas de seres que se amam ao menos na noite de Natal. Poderia dizer daquela pessoa que te garante que não precisa ajudar em nada na cozinha e que em cima da hora te diz: só deixei uma coisa pra você, fazer as rabanadas! Aí o você em questão fica ali com aquele cheiro de gordura entranhando na pele e nos cabelos e naquele fogão cujo gás resolveu trabalhar na potência mínima de propósito, mas aquele "você" se sente um herói por poder preparar algo que todos possam elogiar naquele bendito Natal. É o tal espírito festivo que baixa em todas as pessoas ao mesmo tempo, se bem que de festivo não tem nada, porque deixa transparecer uma forte melancolia, uma sensação de solidão em meio a multidão dos enganados e enganadores, uma total resignação em aceitar que aquela noite afinal vai passar.
Eu poderia falar das pessoas que não sabem beber e que se tornam inconvenientes perturbando a aparente e santa paz de todos, poderia falar daqueles que passam o dia e a noite soltando fogos e rojões. Esses não sei definir se sentem um prazer mórbido em assustar pessoas e animais ( os de rua, abandonados a própria sorte sofrem mais, mas todos os animais se assustam e sofrem) ou se querem dar a impressão de que alguma guerra foi declarada. Minha opinião é de que se fossem mandados realmente pra uma guerra, perderiam a vontade de provocar qualquer barulho. São pessoas tão sem noção que não devem conseguir suportar seu próprio silêncio. Poderia falar também dos governantes que estão pouco ligando para a data, porque a ambição geral e principal de vender armas (mesmo que milhares ou milhões de vidas inocentes paguem por isso) é mais importante que qualquer festa que eles considerem idiota, é mais importante até que qualquer evento ou sentimento inúteis ( para eles) em qualquer dia ou noite, em qualquer canto do planeta.
Eu no entanto gosto do Natal, sempre gostei. Por isso prefiro falar da alegria que existe, do genuíno sentimento de boa vontade nos lares e nas ruas. Gosto de falar de risadas, de sonoras gargalhadas, de palhaçadas, piadas, brincadeiras entre amigos ou parentes, alguns tímidos e reservados mas que nessas noites de final de ano são capazes de sair de suas conchas pra dar aos outros algo de bom: um elogio, um estímulo, um abraço caloroso, um beijo nas bochechas bem estalado e gostoso. Dizem que parente é serpente, mas parente também sabe ( quando quer) ser gente e gente que ajuda, que dá força, que apóia e que não enche com conselhos chatos ou radicais sobre o que é certo ou errado, mas que esvazia (aquele outro da família que no momento precisa) de preocupações ou confusões.
Eu prefiro falar de luzes, de brilho, de casas ou ruas enfeitadas que tornam pálpaveis a beleza e a arte que fazem parte da vida e merecem ser admiradas, mas que na pressa do cotidiano muitas vezes nem são lembradas. Posso e quero falar de pessoas que nessa época são solidárias a ponto de angariar e distribuir cestas básicas ou brinquedos, de pessoas que são capazes de deixar de lado o egoísmo e praticar a solidariedade com os que ficam gratos com a tal caridade. Posso falar de mesas fartas, de água na boca só de olhar pras delícias do cardápio variado, posso falar da alegria dos chefes de família (sejam homens ou mulheres) ao se sentirem importantes por terem conseguido alimentar tantas pessoas e proporcionarem aquela união ao redor da mesa ou da árvore. Posso lembrar do sentimento de vitória também em famílias que afinal conseguiram, mesmo com pouco, ter seu Natal, seu peru ou seu churrasco e reunir pessoas ou até desconhecidos que foram trazidos por algum familiar e que se sentem felizes apenas por terem a casa cheia, a mente cheia ( de esperanças), mesmo que as carteiras tenham no esforço, ficado vazias. Posso citar as ações sociais de grandes empresas em favor dos menos favorecidos, de todos ou do planeta e que ficam mais evidentes nessa época, como se as grandes ideias e inovações escolhessem o final do ano para brotar na mente de seus funcionários pagos pra isso o ano inteiro. Algumas pessoas fazem balanços, sejam da firma ou da vida ( essa sempre uma empresa em constante progresso e transformação, ou não). Outras odeiam a balança sempre, inclusive nos últimos dias do ano, porque não conseguem seguir em frente com qualquer plano de boa forma. Tem gente que pensa em reforma: da casa, da piscina, da garagem, outros optam por uma viagem, mas todos sem exceção, de alguma forma interagem com esse esforço em fazer um Natal ou um Ano Novo, mesmo que o espírito seja velho e precise de renovação.
Natal deveria ser todo dia, não com a trabalheira e os supremos esforços em se vender uma imagem pessoal ou geral diferente da real. Natal deveria ser todo dia na magia do encontro, na festa da alegria, na união de todos em prol de um bem comum, nas luzes, nas cores, na leveza das brincadeiras, na fantasia que torna mágica e especial qualquer data, como se fosse um carnaval.
Seja em qualquer dia do calendário, até mesmo numa segunda-feira, que todos possam celebrar e se alegrar com qualquer coisa, qualquer besteira.
O que vale sempre não é a intenção, é a ação.
Que o amor seja sempre o nosso norte, que seja sempre forte, que pra ele haja sempre vazão,
porque apesar da contrária aparência,
talvez percebam que essa é a única razão, a causa, o meio e a consequência.
O amor é a chave do nosso mistério ( da existência).