Em 10 de março eu fiz um e-mail e... Arcise Câmara

Em 10 de março eu fiz um e-mail e encaminhei as amigas mais chegadas e o título do e-mail foi: "2012, acaba logo", nesse e-mail eu relatava a dificuldade de enfrentar 4 episódios tristes. Foram 4 situações que tiraram a minha energia, alegria e paz de espírito, adoeci emocionalmente, fiquei sem forças. Ao mesmo tempo me fingia de forte, colocava um sorriso no rosto de "não é nada demais" ou como no outro episódio que eu chorei por dentro para passar tranquilidade e força a quem estava ao meu redor. Eu fiquei arrebentada física e emocionalmente, os poucos amigos souberam de tudo, das histórias que pareciam surreais, vindas em cascata, uma atrás da outra. Naquele dia eu já tinha desistido deste ano, um ano par, historicamente feliz. É lógico que levei um monte de puxão de orelha porque minhas amigas não passam a mão na minha cabeça e internalizei que o ano mal havia começado para tanto pessimismo. Porém a minha filosofia de vida do momento era "Afasta de mim esse cálice". O tempo passou e mais fatos negativos continuaram a acontecer e mesmo que eu aceitasse o sofrimento como vontade divina era tudo sem entendimento de propósito, a única coisa que me consolava era a fodofilosofia que consistia em tentar enxergar que apesar de tudo tinham pessoas em situações muito piores do que a minha. Eu me imaginava na festa de fim de ano, o esperado dia 31/12/2012, à meia-noite, com uma taça de espumante na mão, ao som de fogos de artifícios e eu dizendo em alto e bom som "2012, já vais tarde!". Depois vieram mais frustrações, pequenos percalços multiplicados pela minha sensibilidade e por fim o falecimento do meu amado vô João Assis que estava super bem na sexta até as 18h enganando todo mundo, a 'melhora da morte'. O que mais me chamou a atenção foi o testemunho de vida de pessoas tão próximas-não-parentes, de uma igreja lotada com uma missa particular e de corpo presente. O meu avô era um evangelizador nato, um homem de muita fé, um Mariano de carteirinha, talvez a única herança genética recebida por mim tenha sido a arte de falar só. Tem o ensinamento do terço, do terço não, do Rosário. Tem o ensinamento de rezar antes de comer, o meu avô era incapaz de botar 1 dedo de pão na boca sem agradecer. Eu por várias vezes pegava "no olho" quando eu insistia em tratar meu avô como velho, eu dizia: paizinho, lembra de mim? e ele me dava a ficha completa das minhas peraltices de menina até os dias atuais, ou quando eu falava ALTO, quase GRITANDO, e ele dizia, fala baixo, eu não estou surdo, ou quando eu insistia em ler algo e ele dizia: já li, diga-se de passagem que antes da cegueira irreversível em um olho ele enxergava mais longe e melhor do que eu. Quando eu era adolescente eu tinha um grande orgulho do vovô, o orgulho dele pedalar de bicicleta pra lá e pra cá. No hospital era elogiado por não ter ruga, uma enfermeira brincando ou não, perguntou se o papai era pai dele, porque o meu pai tem mais rugas que o meu avô. Aos 90 anos, meu avô veio com uma novidade, queria casar, viúvo por duas vezes, queria subir ao altar e não queria menina nova não, queria alguém da idade dele, poderia ser 5 anos a mais o 5 anos a menos, mamãe alcoviteira como sempre já arrumou a vizinha de prédio, chegaram até a conversar no dia do meu aniversário mas não passou disso. O meu avô roubava cena onde ia, e assim foi no dia do meu ex-casamento em que ele foi extremamente elogiado pelo padre como exemplo a ser seguido. No caixão estava de terno, com a bata de Ministro da Eucaristia, a medalhinha do Apostolado da Oração e o terço, fisionomia pomposa de homem elegante e parecia estar dormindo.
O meu cálice aquele que eu estava rejeitando, hoje teve um propósito, diante de mais uma dor eu percebi o quanto me curei de mágoas e ressentimentos, diante de mais uma dor nocauteei meu orgulho, pisoteei no meu ego e esmurrei a arrogância. Diante de mais uma dor eu percebi que apesar de sangrando, meu coração estava puro e contraditoriamente limpo. Diante de mais uma dor senti o amor do meu avô por mim, esse amor que ficará para sempre, esse amor que hoje machuca com a saudade, com o choro, com a dor de cabeça, mas que amanhã será apenas amor fortalecido de boas lembranças, esse amor que não tem botão de on e off, que vai eternizar, que vai sempre existir no meu coração. Paizinho eu sempre vou te amar.