Como minhas incessantes viagens ao... Eduardo Galeano

Como minhas incessantes viagens ao banheiro entre cerveja e cerveja me davam vergonha, resolvi dizer que o caminho da cerveja conduz ao banheiro da mesma forma que o caminho do tabaco leva ao cinzeiro, e me senti muito arguto.

(A última cerveja de Caldwell, p. 204)

Chorar

Foi na selva, na Amazônia equatoriana. Os índios shuar estavam chorando a avó moribunda. Choravam sentados, na margem de sua agonia. Uma pessoa, vinda de outros mundos, perguntou:
— Por que choram na frente dela, se ela ainda esta viva?
E os que choravam responderam:
— Para que ela saiba que gostamos muito dela.

p. 214


Dizem as paredes/5

Na faculdade de Ciências Econômicas, em Montevidéu:

A droga provoca amnésia e outras coisas que esqueci.

Em Santiago do Chile, nas margens do rio Mapocho:

Bem-aventurados os bêbados, porque eles verão Deus duas vezes.

Em Buenos Aires, no bairro de Flores:

Uma namorada sem tetas é, mais que namorada, um amigo.

p. 216

Eu, mutilado capilar

Os barbeiros me humilham cobrando meia tarifa. Faz uns vinte anos que o espelho delatou os primeiros clarões debaixo da melena frondosa. Hoje o luminoso reflexo de minha calva em vitrines e janelas e janelinhas me provoca estremecimentos de horror.
Cada fio de cabelo que perco, cada um dos últimos cabelos, é um companheiro que tomba, e que antes de tombar teve nome ou pelo menos número.
A frase de um amigo piedoso me consola:
— Se o cabelo fosse importante, estaria dentro da cabeça, e não fora.
Também me consolo comprovando que em todos esses anos caíram muitos de meus cabelos mas nenhuma de minhas idéias, o que acaba sendo uma alegria quando a gente pensa em todos esses arrependidos que andam por ai.

p. 220