Filhos Martha Medeiros
O malfeito, se bem feito, é ao malfeitor um grande benfeito. Se mal feito o malfeito, bem feito para ele!
DESUMANO HUMANO
É deprimente pensarmos na semelhança
entre a mente humana de agora
e a mitológica Caixa de Pandora (na verdade um jarro).
Na perseverança do homem
o jarro já se via derramado
e apenas a esperança
nele ainda contida
segurava-se em cada lado.
A boca do homem
é a boca do jarro
e delas saíram
todos os tipos de escarro.
A crítica humana
quase sempre anestesiada
é demasiada desumana.
Com pouco tato
destruímos a firmeza moral de um bom caráter
por um único ato.
A hombridade
que leva anos para formar-se e consolidar-se
desfaz-se de imediato
aos olhos do humano nato.
Temos o julgamento e a condenação prontos
antes mesmo do fato
e tampouco nos pautamos
pelo sensato.
Basta uma pequena e infeliz ação
para devolvermos em pesada e desproporcional reação.
Não foi assim que Newton
o gênio
não obstante humano
nos ensinou.
PELA VIDA
caminhava pela via
mas não via o que passava
e passava muito tempo
que não via o que havia
A CULPA
ah, a culpa humana
tão ferrenha quanto insana
a mais cruel das punições
a inviolável das prisões
assola o hospedeiro
e corrói o corpo inteiro
te leva ao fundo do teu poço
te afoga no raso, e arrasa teu fosso
sem remissão, a loucura é o vil destino
a absolvição existe, não é um desatino
mas não queremos aceitar a culpa
quando menos dolorosa é a desculpa
e assim vivemos
uma vida que não vemos
vazios de quaisquer culpas
num eterno cio por estúpidas desculpas
SILÊNCIO DENSO
o silêncio é denso
quando não existe argumento
tão triste quanto tenso
ainda resiste um sentimento
BESTA
A besta corre
O besta não pensa
A besta atira
Os bestas correm, não pensam ou atiram. Às vezes, fazem tudo ao mesmo tempo.
MULHER
Em recônditos pensamentos,
tu, mulher, ocultas teu pranto.
Expressão sublime e perene,
teu ser esvai-se em momentos.
Encerrada no mais belo manto,
tu és única, tu és encanto
LÁBIOS DE CARMIM
Tosco e demente, sou enrosco.
Fora da mente, um pobre indigente.
Sei que não sou ninguém,
talvez um alguém diferente.
Mas nada salva este grande desencanto,
nem mesmo o mais puro santo,
tampouco algum sacrossanto.
No entanto, quero seu encanto.
Desejo seu ser inteiro,
e ser inteiro só para você.
Mas sou e mais estou aos pedaços.
Não tenho como dar-lhe uns abraços.
Pela vida, esburacado como queijos,
nem mesmo esses posso tê-los.
Não tenho como dar-lhe belos beijos.
E de nada adianta esta reles esperança,
que maltrata, atormenta e nada alcança.
Entrego-me ao esperado e triste fim,
sem beijar seus doces lábios de carmim.
MORTAS OUTRAS
o vento balança verdes folhas
que, vivas, mantêm-se atadas
ao lado
de mortas outras
próximas entre si
porém distantes
