Fernando Pessoa Desanimo
Por razões que desconheço, nossas aproximações foram sempre pela metade. Interrompidas. Um passo para a frente e cem para trás. Retrocessos. Descaminhos. E me pergunto se, quem sabe um dia, na hora certa, nosso encontro pode acontecer inteiro.
Trago lágrimas, sorrisos, histórias, abraços... Trago momentos felizes, momentos de decepção. Carrego pessoas, amores e desamores, amigos e inimigos, desafetos, paixões... Não sou um livro aberto, mas também não tão fechado que você não consiga abrir, basta ter jeito, saber tocar as páginas, uma a uma, e descobrirá de que papel é feito cada uma delas.
Porque quando fecho os olhos, é você quem eu vejo; aos lados, em cima, embaixo, por fora e por dentro de mim. Dilacerando felicidades de mentira, desconstruindo tudo o que planejei, abrindo todas as janelas para um mundo deserto. É você quem sorri, morde o lábio, fala grosso, conta histórias, me tira do sério, faz ares de palhaço, pinta segredos, ilumina o corredor por onde passo todos os dias.
Talvez eu seja apenas mais um talvez, tentando ser certeza. Tentando ser para sempre, e parando sempre pela metade.
Então, que seja doce. Repito todas as manhãs, ao abrir as janelas para deixar entrar o sol ou o cinza dos dias, bem assim, que seja doce. Quando há sol, e esse sol bate na minha cara amassada do sono ou da insônia, contemplando as partículas de poeira soltas no ar, feito um pequeno universo; repito sete vezes para dar sorte: que seja doce que seja doce que seja doce e assim por diante. Mas, se alguém me perguntasse o que deverá ser doce, talvez não saiba responder. Tudo é tão vago como se fosse nada.
Trata-se de uma decepção diferente: não penso obsessivamente, não tenho vontade nenhuma de ligar nem de escrever cartas, não tenho ódio nem vontade de chorar. Em compensação também não tenho vontade de mais nada.
O pior é que depois de todas as encenações, todos os choros, os apelos calados, os desejos feitos na tentativa de obter algum êxito… você cansa. Acostuma-se. Ele vai e resolve aparecer, assim do nada, com palavras que ele sabe que de algum modo mexe com os meus sentimentos.
A verdade é que ainda hesito em dar um nome àquilo que ficou, depois de tudo. Porque alguma coisa ficou.
Sabe, para mim a vida é um punhado de lantejoulas e purpurina que o vento sopra. Daqui a pouco tudo vai ser passado mesmo - deixa o vento soprar, let it be, fique pelo menos com o gostinho de ter brilhado um pouco...
Mas dá um frio na barriga, um tremor, um medo de depender de alguém, de sofrer, de escolher errado, de lutar por algo que não vale a pena. Porque o coração nem sempre é mocinho. Foi por isso que corri, tentei fugir, mas quando tem que ser, não adianta, será.
Um dia você vai encontrar alguém que te lembre todos os dias que a vida é feita para ser vivida.
Alguém que é perfeito de tão imperfeito.
Alguém que não desista de você por mais que você tente afastá-lo.
Naquele dia que você não estiver procurando por ninguém, naquele dia que você não ia sair de casa e acabou colocando a primeira roupa que viu pela frente.
Quando você não estiver procurando, você vai achar aquela pessoa que faz você sentir que poderia parar de procurar.
É verdade, eu o amava. Não com esse amor de carne, de querer tocá-lo e possuí-lo e saber coisas de dentro dele. Era um amor diferente, quase assim feito uma segurança de sabê-lo sempre ali.