Textos de Fernanda Young

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Para quem me odeia

Eu te amo. E não seria metade do que sou sem você, juro.
É seu ódio profundo que me dá forças para continuar em frente, exatamente da minha maneira.
Prometa que nunca vai deixar de me odiar ou não sei se a vida continuaria tendo sentido para mim.
Eu vagaria pelas ruas insegura, sem saber o que fiz de tão errado.
Se alguém como você não me odeia, é porque, no mínimo, não estou me expressando direito.
Sei que você vive falando de mim por aí sempre que tem oportunidade, e esse tipo de propaganda boca a boca não tem preço.
Ainda mais quando é enfática como a sua - todos ficam interessados em conhecer uma pessoa que é assim, tão o oposto de você.
E convenhamos: não existe elogio maior do que ser odiado pelos odientos, pelos mais odiosos motivos.
Então, ser execrada por você funciona como um desses exames médicos mais graves, em que "negativo" significa o melhor resultado possível.
Olha, a minha gratidão não tem limites, pois sei que você poderia muito bem estar fazendo outras coisas em vez de me odiar - cuidando da sua própria vida, dedicando-se mais ao seu trabalho, estudando um pouco.
Mas não: você prefere gastar seu precioso tempo me detestando.
Não sei nem se sou merecedora de tamanha consideração.
Bom, como você deve ter percebido, esta é uma carta de amor.
E, já que toda boa carta de amor termina cheia de promessas, eis as minhas:
Prometo nunca te decepcionar fazendo algo de que você goste. Ao contrário, estou caprichando para realizar coisas que deverão te deixar ainda mais nervoso comigo.
Prometo não mudar, principalmente nos detalhes que você mais detesta. Sem esquecer de sempre tentar descobrir novos jeitos de te deixar irritado.
Prometo jamais te responder à altura quando você for, eventualmente, grosseiro comigo, ao verbalizar tão imenso ódio. Pois sei que isso te faria ficar feliz com uma atitude minha, sendo uma ameaça para o sentimento tão puro que você me dedica.
Prometo, por último, que, se algum dia, numa dessas voltas que a vida dá, você deixar de me odiar sem motivo, mesmo assim continuarei te amando. Porque eu não sou daquelas que esquece de quem contribuiu para seu sucesso.
Pena que você não esteja me vendo neste momento, inclusive, pois veria o meu sincero sorrisinho agradecido - e me odiaria ainda mais.

Com amor, da sua eterna.

A verdade é que me enchi, De você, de nós, da nossa situação sem pé nem cabeça. Não tem sentido continuarmos dessa maneira. Eu, nessa constante agonia o tempo todo imaginando como você vai estar. E você, numas horas doce, noutras me tratando como lixo. Não sou lixo. Tampouco quero a doçura dos culpados, artificial como aspartame.
Fico pensando como chegamos a esse ponto. Não quero mais descobrir coisas sobre você, por piores ou melhores que possam ser.
Assim, chega. Chega de brigas, de berros, de chutes nos móveis. Chega de climas, de choros, de silêncios abismais. Para quê, me diz? O que, afinal, eu ganho com isso? A companhia de uma pessoa amarga, que já nem quer mais estar ali, ao meu lado, mas em outro lugar?
Sinceramente, abro mão. Vou atrás de um outro jeito de viver a minha vida, já que em qualquer situação diferente estarei lucrando.
Bom é isso, se agora isso ainda me causa alguma tristeza, tudo bem. Não se expurga um câncer sem matar células inocentes...

Sabe qual é meu sonho secreto? Que um dia você perceba que poderia ter aproveitado melhor a minha companhia.
Que um dia imagine o quanto teria sido ótimo estar ao meu lado, mesmo quando eu estava gripada. No entanto, sei que você está a cada dia que passa mais fugidio. E eu me limito a me surpreender com as circunstâncias da vida.
Que me levaram a viver esse papel: o da mulher que quer mais um pouquinho. Constrange-me existir esse personagem Chico Buarque, dolorida, bonita, sendo assim, meio tonta, meio insistente, até meio chata. Nunca precisei aborrecer ninguém antes, então atuo por instinto, cansando-me facilmente. E que fique claro que não é por estar você dessa forma, tão esquivo, que o desejo tanto. Desejo-o porque desejo. Estúpida. Latina. Bethânia. Ainda creio que você, quando eu menos esperar, possa me chegar com um verso em atitude.

Para a Tristeza

Companheira, sei que você vai chorar quando ler esta carta. Vai ser difícil para mim, pois me acostumei à sua presença, porém não vejo mais motivos para continuarmos juntas.
Perdi anos de minha vida ao seu lado, tristeza, acreditando que o amor não existe e o mundo não tem jeito. Você é péssima conselheira.
Chegou a hora de dar chance à alegria, que há muito tem mostrado interesse em passar um tempo comigo.
Desde criança, abro mão de muita coisa por você. Festas a que não fui porque você não me deixou ir, paisagens lindas nas quais não reparei porque você exigiu de mim total atenção.
Quero de volta meus discos de dance music, que você tirou da prateleira. E minhas roupas estampadas, que sumiram do meu armário depois que você se instalou aqui.
Quero ver a vida por outros olhos, que não os seus. Quero beber por outros motivos, que não afogar você dentro de mim.

Como disse Lulu hojê de manhã no carro a caminho do trabalho: Não te quero mal, apenas não te quero mais.

Votos de submissão

Caso você queira posso passar seu terno, aquele que você não usa por estar amarrotado.
Costuro as suas meias para o longo inverno...
Use capa de chuva, não quero ter você molhado.
Se de noite fizer aquele tão esperado frio poderei cobrir-lhe com o meu corpo inteiro.
E verás como minha a minha pele de algodão macio, agora quente, será fresca quando janeiro.
Nos meses de outono eu varro a sua varanda, para deitarmos debaixo de todos os planetas.
O meu cheiro te acolherá com toques de lavanda - Em mim há outras mulheres e algumas ninfetas - Depois plantarei para ti margaridas da primavera e aí no meu corpo somente você e leves vestidos, para serem tirados pelo total desejo de quimera.
Os meus desejos irei ver nos teus olhos refletidos.
Mas quando for a hora de me calar e ir embora sei que, sofrendo, deixarei você longe de mim.
Não me envergonharia de pedir ao seu amor esmola, mas não quero que o meu verão resseque o seu jardim.
(Nem vou deixar - mesmo querendo - nenhuma fotografia.
Só o frio, os planetas, as ninfetas e toda a minha poesia).

Foram muitos dias nessa tortura, então entenda que percorri todas as rotas de fuga. Cheguei a procurar notícias suas pelos jornais, pois só um obituário justificaria tamanha demora em uma ligação.
Enfim, por muito mais tempo do que desejaria, mantive na ponta da língua tudo o que eu devia te dizer, e tudo o que você merecia ouvir, e tudo. Mas você não ligou.
Mando esta carta, portanto, sem esperar resposta. Nem sequer espero mais por nada, em coisa alguma, nesta vida, pra ser sincera. No que se refere a você, especialmente, porque o vazio do seu sumiço já me preenche; tenho nele um conforto que motivos não me trarão.
Não me responda, então, mesmo que deseje. Não quero um retorno; quis, um dia, uma ida. Que não aconteceu, assim deixemos para lá.
Estaria, entretanto, mentindo se não dissesse que, aqui dentro, ainda me corrói uma pequena curiosidade. Pois não é todo dia que uma pessoa não vai e não liga, é? As pessoas guardam esses grandes vacilos para momentos especiais, não guardam?
Então, eis a minha única curiosidade: você às vezes pensa nisso, como eu penso? Com um suave aperto no coração? Ou será que você foi apenas um idiota que esquecei de ir?

Eu gosto de carinho violento. De falar. De estar certa.
De quem entende o que eu digo. De quem escuta o que eu penso.
Da minha prole. Dos meus discos. Dos meus livros.
Dos meus cachorros. Dos Stones. Do Rock Natural.
Da minha solidãozinha. Dos meus blues. Do meu sofá vermelho.
Da minha casa. Do meu umbigo. De unhas cor de carmim.
De homem que sabe ser homem. De noites em claro e dias em branco. De chuva e de sol.
Eu guardo as minhas rejeições em vidrinhos rotulados com o nome deles.
Eu sou mole demais por dentro para deixar todo mundo ver.
Eu deixo para quem eu acho que pode comigo.
Ninguém sabe.
Mas eu tenho coração de moça.

Oi, tudo bom? Infelizmente, esta carta não é de quem você esperava. Mas, como eu sei direitinho como você se sente, talvez traga boas notícias. Olha, desculpa minha sinceridade, mas a vida é muito curta para ficar aguardando pelos outros. Se quem você aguarda realmente se importasse com você, já teria dado algum sinal de vida. Parta para outra.
Já reparou numa certa pessoa que você conhece e tem uma quedinha por você? Não posso dizer quem é, mas pode ser alguém que trabalha do seu lado ou que mora perto da sua casa ou que frequenta um mesmo lugar. Sei que se trata de uma pessoa bem legal, vale a pena procurar saber quem é. Fique de olho, tem um monte de gente reparando em suas qualidades. Aposto que, se você olhar em volta, neste instante, tem alguém olhando disfarçadamente para você. Pode não ser o seu tipo, mas já é uma dose de auto-estima, substância da qual você carece.
A verdade é que, enquanto você estiver assim, nessa interminável agonia, esperando notícias que nunca chegam, vai deixar passar várias possibilidades interessantes ao seu redor. Claro, ninguém se compara a quem você aguarda, mas quem você aguarda não está disponível no momento. Poderá, inclusive, nunca estar, apesar de tudo o que foi dito naquele dia. Pessoas que somem não são confiáveis. E, mesmo que você tenha certeza absoluta de que não se trata de desprezo, que deve ter acontecido alguma coisa, que esse sumiço tem alguma explicação, não adianta nada você ficar aí esperando. Corroer-se de ansiedade não vai apressar a resolução do problema, seja ele qual for. Então, desencana. Dá uma esquecida desse assunto, tenta focar as energias naquilo que depende da sua vontade.
Caso seja necessário, para tirar de vez essa história da cabeça, mande você uma carta esculambando e colocando um ponto final na questão. O fato é que não dá para você continuar assim, desse jeito. Está todo mundo comentando. Ninguém tem coragem de dizer isso para você, mas todos concordam comigo. Já chega. Além, do mais, se for para ser, será. Um dia, quando você menos espera, pinta um reencontro, sei lá. Mas até esse possível reencontro fica mais difícil se você não se abrir de novo para o lado inesperado da vida.E, cá entre nós, se a pessoa que você aguarda é quem eu estou pensando, também não é nenhuma belezura assim. Você arruma coisa melhor. Mande notícias, ficarei aguardando.

Não posso mais roer os nervos enquanto as horas passam e você não aparece. Preciso me poupar. Não pretendo mais sofrer, depois, quando você sumir de vez. Sofrer por amor é pura vaidade. Vou olhar para retratos meus e, de novo, sentirei orgulho de mim. Fotos minhas antes de você. Quando eu ainda não tinha provado desse seu veneno vicioso. Da saliva que se fez heroína. Do cheiro que se fez lança-perfume. Deveria ter uma tabela antipaixão como as que fizeram para os tabagistas. Marcaríamos um xis nas vezes em que pensássemos no outro. Assumindo assim nossa fraqueza. Contando as horas em que fôssemos capazes de esquecer. Poucas, no meu caso, já que tudo me lembra você. E de noite as coisas pioram. Mas quero, e posso, vencer essa semana. Sobreviver à abstinência de você por sete dias. Ao éter da mentira, que deixou-nos malucas e cegas. Estávamos correndo descalças entre os destroços da cidade grande. Seremos crianças? Seremos julgadas como adultas. Sendo a culpa toda sua, que acreditou no ar que respirava. No sujo. Na inveja. Perdemos tudo na paisagem desolada dessa cidade. Cidade feia. E, no feio, nos perdemos. Ou me perdi. Sozinha. Para depois ficar aqui, sentada no meio-fio.

Eu? Eu não sou somente boa. Sou uma pessoa muito bonita. Generosa e linda – e quem aguentar, aguentou. Como prêmio, terá meu amor. Saberá da minha verdade. Dará boas gargalhadas. Mas terá que suportar uma boa dose daquilo que sinto. Pois, apesar de tudo ser diversão, nada é simples. Nada é pouco quando o mundo é o meu.
No meu mundo, eu não sei onde andam aqueles, “os melhores”, que bebem bons vinhos e saboreiam trufas. Queria saber se eles sentem, vagamente, pode ser vagamente mesmo, uma pontinha de nojo, ou de tristeza, porque vivem intensamente a baboseira dos vinhos e trufas, sem pensar em mim, nem querer estar comigo, nem com qualquer outra pessoa que não entenda picas de vinhos e tenha mais o que fazer do que pagar fortunas por lascas de fungo.

Sou cheia de manias. Tenho carências insolúveis. Sou teimosa. Hipocondríaca. Raivosa, quando sinto-me atacada. Não como cebola. Só ando no banco da frente dos carros. Mas não imponho a minha pessoa a ninguém. Não imploro afeto. Não sou indiscreta nas minhas relações. Tenho poucos amigos, porque acho mais inteligente ser seletivo a respeito daqueles que você escolhe para contar os seus segredos. Então, se sou chata, não incomodo ninguém que não queira ser incomodado. Chateio só aqueles que não me acham uma chata, por isso me querem ao seu lado. Acho sim, que, às vezes, dou trabalho. Mas é como ter um Rolls Royce: se você não quiser ter que pagar o preço da manutenção, mude para um Passat.

Estar bem e feliz é uma questão de escolha e não de sorte ou mero acaso. É estar perto das pessoas que amamos, que nos fazem bem e que nos querem bem. É saber evitar tudo aquilo que nos incomoda ou faz mal, não hesitando em usar o bom senso, a maturidade obtida com experiências passadas ou mesmo nossa sensibilidade para isso. É distanciar-se de falsidade, inveja e mentiras. Evitar sentimentos corrosivos como o rancor, a raiva, e as mágoas que nos tiram noites de sono e em nada afetam as pessoas responsáveis por causá-los. É valorizar as palavras verdadeiras e os sentimentos sinceros que a nós são destinados. E saber ignorar, de forma mais fina e elegante possível, aqueles que dizem as coisas da boca para fora ou cujas palavras e caráter nunca valeram um milésimo do tempo que você perdeu ao escutá-las.

Eu devo reconhecer que ninguém me conhece. Não realmente. Os que mais sabem não sabem da metade. Não deixo todos os segredos escaparem de mim, não mesmo. Uma delicadeza com os outros, eu diria, pois não quero assustar as pessoas com meu passado. Em especial aquelas que continuaram gostando de mim após o pouco que souberam. Mesmo porque aquela, que fez aquilo, nao está mais aqui. Eu sou literalmente outra.

A verdade é que, enquanto você estiver assim, nessa interminável agonia, esperando notícias que nunca chegam, vai deixar passar várias possibilidades interessantes ao seu redor. Claro, ninguém se compara a quem você aguarda, mas quem você aguarda não está disponível no momento. Poderá, inclusive, nunca estar, apesar de tudo o que foi dito naquele dia. Pessoas que somem não são confiáveis.

Oi, eu estou bem aqui na sua frente, mas você insiste em não me ver. Tudo bem, opção sua, cada um enxerga o que quer. O problema é quando você, sem ter idéia de como sou, resolve dar a sua visão sobre mim. Talvez você não se enxergue também, antes de mais nada – e assim me tire por parecida contigo. Errando completamente. Para começar, eu faço questão de ver as pessoas ao meu redor, e isso faz toda a diferença do mundo. Percebo que todos têm algo de especial, estando aí a graça. Percebo belezas que não são minhas, estando aí o prazer. Percebo inclusive você, parado bem na minha frente, desviando seu olhar para lá e para cá, nervoso com a minha presença, estando aí o ridículo.

Queria apenas pedir um favor antes que você rasgue este resto do que tivemos. Se algum dia, tendo bebido demais, sei lá, você acabar pensando tolices parecidas com estas, escreva também uma carta. Mesmo sem jamais saber o que você irá dizer, sei que ela fará de mim menos ridícula. Neste amor e, por isso, em todo o resto. Pois adoraria que você fosse capaz de tanto - escrever uma carta é um ato de desmedida coragem. E eu ficaria, enfim, feliz comigo, por tê-lo amado. Um homem assim, capaz de escrever bobagens amorosas. Então é isso - como sou insuportavelmente romântica, meu Deus. Termino aqui essa história, de minha parte, contando que estas palavras façam jus ao fim do amor que senti. E deixando este testamento de dor, onde me reconheço fraca e irremediável. Porque ainda gostaria de poder acreditar que você nadaria de volta para mim.

Ora, tristeza, tente ao menos ser mais leve. Quero de volta meus discos de dance music, que você tirou da prateleira. E minhas roupas estampadas, que sumiram do meu armário depois que você se instalou aqui. Por favor, não tente entrar em contato comigo com as velhas razões de sempre. Não é a fria lógica dos seus argumentos que irá guiar meu coração daqui por diante. Quero ver a vida por outros olhos, que não os seus. Quero beber por outros motivos, que não afogar você dentro de mim. Cansei da sua falta de senso de humor, do seu excesso de zelo. Vá resolver suas carências em outro endereço.

Odeio sonhar por causa disso: nós vemos como estamos internamente. Não dá para disfarçar diante de um sonho. Através das nuanças dos delírios sem nexo, revelamos uma radiografia das nossas partes internas, implacável, em que cada mancha, mesmo após mil lavagens, pode ser detectada, gritante, no lençol que encobre as nossas verdades.

Tantas pessoas novas. Indo. Vindo. Tenho só um mundo pela frente. E olhe pra ele. Olhe o mundo! É tão pequeno diante de tudo o que sinto. Sofrer dói. Dói e não é pouco. Mas faz um bem danado depois que passa. Descobri, ou melhor, aceitei: eu nunca vou esquecer o amor da minha vida. Nunca. Mas agora, com sua licença. Não dá mais para ocupar o mesmo espaço. Meu tempo não se mede em relógios. E a vida lá fora, me chama!

À bunda

Olha, desta vez você passou das medidas. Só não boto você para fora, agora, porque é a sua cara dar escândalo.

Estou cheia de você atrás de mim o tempo todo. Fica se fazendo de fofa, enquanto, pelas minhas costas, chama a atenção de todo mundo para meus defeitos.
Você está redondamente enganada se pensa que eu vou me rebaixar ao seu nível – o que vem de baixo não me atinge. Mas faço questão de desancar essa sua pose empinada.
Por que nunca encara as coisas de frente?
Fica parecendo que tem algo a esconder. Por acaso, faz alguma coisa que ninguém pode saber?

Você é, e sempre foi, um peso na minha existência – cada papel que me fez passar... Diz-se sensível e profunda, mas está sempre voltada para aquilo que já aconteceu. Tenho vergonha de apresentar você às pessoas, sabia?
Por que você nunca encara as coisas de frente, bunda? Fica parecendo que, no fundo, tem algo a esconder. Por acaso, faz alguma coisa que ninguém pode saber? O que há por trás de todo esse silêncio?
Você diz que está dividida e que eu preciso ver os dois lados da questão. Ora, seja mais firme, deixe de balançar nas suas posições.
Longe de mim querer me meter na sua vida privada, mas a impressão que dá é que você não se enxerga. Porque está longe de ter nascido virada para a lua e costuma se comportar como se fosse o centro das atenções.
Bunda, você mora de fundos, num lugar abafado. Nunca sai para dar uma volta, nunca toma um sol, nunca respira um ar puro. Vive enfurnada, sem o mínimo contato com a natureza. O máximo que se permite é aparecer numa praia de vez em quando, toda branquela.
Não é de admirar que esteja sempre por baixo. Tentei levar você para fazer ginástica, querendo deixar você mais para cima, mas fingiu que não escutou.
Saiba que você não é mais aquela, diria até que anda meio caída. E vai ter que rebolar para mexer comigo, de novo, da maneira que mexia.
Lembro do tempo em que eu, desbundada, sonhava em ter um pouquinho mais de você. Agora, acho que o que temos já está de bom tamanho. E, pensando bem, é melhor pararmos por aqui antes que uma de nós acabe machucada.
Sei que qualquer coisinha deixa você balançada, então não vou expor suas duas faces em público. Mas fique sabendo que, se você aparecer, constrangendo-me diante de outras pessoas, levarei seu caso ao doutor Albuquerque.
Lamento, isso dói mais em mim do que em você, mas você merece o chute que estou lhe dando. Duplamente decepcionada,

De que vale tudo isso? Quanto vale a minha vida? Já conheço os passos dessa estrada e sei que não vai dar em nada. Rigel está de novo em prantos. E ele tem todo o direito de chorar. Ele tem todo o direito do mundo de bater com a cabeça na parede. Quanta dor um homem suporta? Quanto um coração aguenta de sofrimento? Dá para morrer de amor? (...)
Você sabe o que é perder? Sabe. Não há quem não saiba o que é perder. Depositar tanto sonho em algo. Sonhar é tão trabalhoso. Imaginar um mundo de felicidades sem fim. Lotado de paixão e sensualidade. Passear com seu grande amor. O amor de sua vida para sempre. E esse amor vai ser para sempre lindo e charmoso. Irá dizer coisas espirituosas para você no balcão de um bar cool. E quando chover de repente, e você pensar em correr, o amor de sua vida – que é lindo, culto, corajoso – dirá que quem corre da chuva é rato e que nós somos homens, somos fortes e invencíveis. O amor entupindo as veias de fé e imortalidade. Nós já nos conhecemos desde outra encarnação e vamos nos amar para toda a vida celestial e eterna. Uma eternidade sem fim. Não, não há morte. Ficaremos para sempre juntos. (...) E não há paisagem que seja mais linda do que o rosto do seu amor. Não há pôr-do-sol que valha desviar seu olhar do dela. Eu te amo. Eu também te amo. Eu te amo mais. Impossível. Eu te amo o mundo. Eu te amo o universo. Te amo tudo aquilo que não conhecemos. E eu te amo antes que tudo o que nós não conhecemos existisse. Eu te amo. Eu te amo. Eu te amo mais do que a mim.
Já conheço os passos dessa estrada... E, mesmo assim, estarei sempre pronto para esquecer aqueles que me levaram a um abismo. E mais uma vez amarei. E mais uma vez direi que nunca amei tanto em toda a minha vida. Direi. "Vou colecionar mais um soneto, outro retrato em branco e preto a maltratar meu coração".
Rigel chora. É um marmanjo chorando sozinho, sem conseguir tomar banho. Não! Preciso reagir. O que eu tenho, afinal? Saudades. Eu tenho saudades.