Fase Ruim Fase Boa Fernando Pessoa
Os dragões não querem ser aceitos. Eles fogem do paraíso, esse paraíso que nós, as pessoas banais, inventamos - como eu inventava uma beleza de artifícios para esperá-lo e prendê-lo para sempre junto a mim.
Quando eu escrevo, eu consigo ordenar tudo aquilo que eu penso. Agora, quando eu falo ou quando eu sou, simplesmente, não consigo ordenar nada. Eu sou da maneira mais caótica possível.
Limite Branco
Tem sido tudo muito fácil para mim, fácil demais. Às vezes desejo ardentemente que aconteça urna desgraça, uma catástrofe que me jogue ao nível do chão, para me obrigar a despir as máscaras, o falsos gestos, as falsas palavras. Uma coisa que me torne ínfimo, ainda mais confuso e só do que sou, que me deixe a sós comigo mesmo, nu, na frente de um espelho, a investigar a minha verdadeira condição. Então eu saberia, pela primeira vez eu poderia saber. Então viria a solução final, definitiva. Levantar-me aos poucos, como um pó-de-vento, lentamente crescendo, incorporando outros seres a mim, e girando, girando sempre, tornar-me tormenta, furacão, vendaval, terremoto, cataclismo. Ou me dissolveria em poeira à primeira brisa que soprasse — quem sabe?
...quando voltei percebi que não era mais o mesmo, mais que todos a minha volta ainda pensão que sou...
Lembro que naquela manhã abri os olhos de repente para um teto claro e minha mão tocou um espaço vazio a meu lado sobre a cama, e não encontrando procurou um cigarro no maço sobre a mesa e virou o despertador de frente para a parede e depois buscou um fósforo e uma chama e fumei fumei fumei: os olhos fixos naquele teto claro. Chovia e os jornais alardeavam enchentes. Os carros eram carregados pelas águas, os ônibus caíam das pontes e nas praias o mar explodia alto respingando pessoas amedrontadas. A minha mão direita conduzia espaçadamente um cigarro até minha boca: minha boca sugava uma fumaça áspera para dentro dos pulmões escurecidos: meus pulmões escurecidos lançavam pela boca e pelas narinas um fio de fumaça em direção ao teto claro onde meus olhos permaneciam fixos. E minha mão esquerda tocava uma ausência sobre a cama.
"Os magnetismos das pessoas cruzam- se e descruzam-se, acho, meio que aleatoriamente, por algum tempo, por nenhum tempos por muito tempo. E mais complexo que isso, mas anyway: não deve doer. E não deve porque no fundo não tem importância, como todo o resto. É puro maya, ilusão."
Nada por acaso
Ver o vasto rio do silêncio,
Ler os céus com os cílios,
Ouvir os passos dos ventos,
Falar sem menos labiar,
Muitos menos assoviar,
Nem mesmo gesticular,
Apenas num dia citar,
Noutro nem se quer lembrar...
Ouvir os tintos sonhos que a pele possa querer sentir,
Falar o que apenas o que tem, para mais querer,
O que vou querer deixo a voz do coração dizer,
O que dizer!
É apenas o querer,
Se tudo quero
Para que temer,
Se tudo temo,
Deixo logo a porta bater,
Mesmo estando trancada...
Nada por acaso,
Se ouço descaso,
canso, danço, fico manso,
Sem pensar,
Apenas me movo, me mexo, balanço...