Fase Ruim Fase Boa Fernando Pessoa
Só quero ir indo junto com as coisas, ir sendo junto com elas, ao mesmo tempo, até um lugar que não sei onde fica.
Bom ir, bom voltar, bom saber que aquelas pessoas boas continuam lá, outras também, outras não mais.
Estou me transformando aos poucos num ser humano meio viciado em solidão. E que só sabe escrever. Não sei mais falar, abraçar, dar beijos, dizer coisas aparentemente simples como “eu gosto de você”. Gosto de mim. Acho que é o destino dos escritores. E tenho pensado que, mais do que qualquer outra coisa, sou um escritor. Uma pessoa que escreve sobre a vida – como quem olha de uma janela – mas não consegue vivê-la.
Depois das nossas brigas, compreendi uma porção de coisas. Compreendi, por exemplo, que eu estava mitificando e mistificando você; que estava também me anulando perto de você; que estava aceitando tudo o que vinha de você somente por achar você bacana.
Era isso — aquela outra vida, inesperadamente misturada à minha, olhando a minha opaca vida com os mesmos olhos atentos com que eu a olhava: uma pequena epifania.
Eu não entendo porque as pessoas se empenham tanto em iludir os outros pra usar e depois simplesmente jogar fora. Vamos poupar energia e sofrimento. Parem de falsas expectativas, por favor.
Pensei em fazer um pedido, era meu aniversário. Mas não tinha nada para pedir. As coisas vivas, pensei, as coisas vivas não precisam pedir.
Não nego nada do que fiz, também não tenho arrependimentos ou mágoas: eu não poderia ter agido de outra maneira.
Fiquei ali sentado, ouvindo. Dulce cantava novamente aquelas canções desconhecidas. Além da lua, as estrelas e coisas assim, do espaço sobre nossas cabeças, percebi que falavam também de seres da terra, escondidos entre as árvores, na fundura das grutas, nas curvas dos caminhos.
Ela disse:
- Força e fé, repete comigo: dai-me força e dai-me fé, dai-me luz.
Eu pedi:
- Força e fé. Dai-me força, dai-me fé e dai-me luz.
Dulce perguntou se eu queria cantar junto com ela. Disse que não, eu preferia ficar ouvindo. Eu não sabia cantar, expliquei. No mesmo momento, sem ouvir o que ela dizia, e talvez não dissesse nada, apenas cantasse, uma estrela cadente riscou o céu. Pensei em fazer um pedido, era meu aniversário. Mas não tinha nada para pedir. As coisas vivas, pensei, as coisas vivas não precisam pedir.
