Fase Ruim Fase Boa Fernando Pessoa

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Tenho amor a isto, talvez porque não tenha mais nada que amar - ou talvez, também, porque nada valha o amor de uma alma, e, se temos por sentimento que o dar, tanto vale dá-lo ao pequeno aspecto do meu tinteiro como à grande indiferença das estrelas.

A Lua (dizem os ingleses),
É feita de queijo verde.
Por mais que pense mil vezes
Sempre uma idéia se perde.

E era essa, era, era essa,
Que haveria de salvar
Minha alma da dor da pressa
De... não sei se é desejar.

Sim, todos os meus desejos
São de estar sentir pensando...
A Lua (dizem os ingleses)
É azul de quando em quando.

Livros são papéis pintados com tinta

A liberdade é a possibilidade do isolamento. És livre se podes afastar-te dos homens, sem que te obrigue a procurá-los a necessidade de dinheiro, ou a necessidade gregária, ou o amor, ou a glória, ou a curiosidade, que no silêncio e na solidão não podem ter alimento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo. Podes ter todas as grandezas do espírito, todas da alma: és um escravo nobre, ou um servo inteligente: não és livre. E não está contigo a tragédia, porque a tragédia de nasceres assim não é contigo, mas do Destino para si somente. Ai de ti, porém, se a opressão da vida, ela própria, te força a seres escravo. Ai de ti se, tendo nascido liberto, capaz de te bastares e de te separares, a penúria te força a conviveres. Essa, sim, é a tua tragédia, e a que trazes contigo.
Nascer liberto é a maior grandeza do homem, o que faz o ermitão humilde superior aos reis, e aos deuses mesmo, que se bastam pela força, mas não pelo desprezo dela.
A morte é uma libertação porque morrer é não precisar de outrem. O pobre escravo vê-se livre à força dos seus prazeres, das suas mágoas, da sua vida desejada e contínua. Vê-se livre o rei dos seus domínios, que não queria deixar. As que espalharam amor vêem-se livres dos triunfos que adoram. Os que venceram vêem-se livres das vitórias para que a sua vida se fadou.
Por isso a morte enobrece, veste de galas desconhecidas o pobre corpo absurdo. É que ali está um liberto, embora o não quisesse ser. É que ali não está um escravo, embora ele chorando perdesse a servidão. Como um rei cuja maior pompa é o seu nome de rei, e que pode ser risível como homem, mas como rei é superior, assim o morto pode ser disforme, mas é superior, porque a morte o libertou.
Fecho, cansado, as portas das minhas janelas, excluo o mundo e um momento tenho a liberdade. Amanhã voltarei a ser escravo; porém agora, só, sem necessidade de ninguém, receoso apenas que alguma voz ou presença venha interromper-me, tenho a minha pequena liberdade, os meus momentos de excelsis.
Na cadeira, aonde me recosto, esqueço a vida que me oprime. Não me dói senão ter-me doído.

Fernando Pessoa
PESSOA, F. Livro do Desassossego, por Bernardo Soares. Vol. II. Mem Martins: Europa-América, 1986.
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Tão abstrata é a idéia do teu ser que me vem de te olhar, que, ao entreter os meus olhos nos teus, perco-os de vista.

Só de sentir o vento passar, já valeu a pena viver.

Tenho fome da extensão do tempo, e quero ser eu sem condições.

Fernando Pessoa
Livro do desassossego. São Paulo: Principis, 2019.

Não vieste à terra para perguntar
Se Deus, vida ou morte existem ou não.

Pega a ferramenta para trabalhar
Pondo na tarefa cada pulsação.

Ferramenta tens, não procures em vão –
Saúde, fé em ti, arte eficiente,
Capacidade, poder de expressão,
Coração sensível e força da mente.

O próprio sonho me castiga. Adquiri nele tal lucidez que vejo como real cada coisa que sonho.

VIAJAR! PERDER PAÍSES!

Viajar! Perder países!
Ser outro constantemente,
Por a alma não ter raízes
De viver de ver somente!

Não pertencer nem a mim!
Ir em frente, ir a seguir
A ausência de ter um fim,
E a ânsia de o conseguir!

Viajar assim é viagem.
Mas faço-o sem ter de meu
Mais que o sonho da passagem.
O resto é só terra e céu.

Mais vale ser criança que querer compreender o mundo

Atravessa esta paisagem o meu sonho dum porto infinito
E a cor das flores é transparente de as velas de grandes navios
Que largam do cais arrastando nas águas por sombra
Os vultos ao sol daquelas árvores antigas…
O porto que sonho é sombrio e pálido
E esta paisagem é cheia de sol deste lado…
Mas no meu espírito o sol deste dia é porto sombrio
E os navios que saem do porto são estas árvores ao sol…
Liberto em duplo, abandonei-me da paisagem abaixo…
O vulto do cais é a estrada nítida e calma
Que se levanta e se ergue como um muro,
E os navios passam por dentro dos troncos das árvores
Com uma horizontalidade vertical,
E deixam cair amarras na água pelas folhas uma a uma dentro…
Não sei quem me sonho…
Súbito toda a água do mar do porto é transparente
E vejo no fundo, como uma estampa enorme que lá estivesse
desdobrada,
Esta paisagem toda, renque de árvore, estrada a arder em aquele
porto,
E a sombra duma nau mais antiga que o porto que passa
Entre o meu sonho do porto e o meu ver esta paisagem
E chega ao pé de mim, e entra por mim dentro,
E passa para o outro lado da minha alma…

O amor é bom, mas é melhor o sono.

Nunca houve uma guerra boa nem uma paz ruim.

Chama-se perseverança quando é por uma boa causa, obstinação quando é por uma ruim.

Mas eu desconfio que a única pessoa livre, realmente livre, completamente livre, é a que não tem medo do ridículo.

Luis Fernando Verissimo
Orgias. Porto Alegre: L&PM, 1998.

O Luiz Fernando Veríssimo escreveu uma crônica hilariante sobre a Páscoa. Foi um diálogo absurdo entre um menino, seu pai e sua mãe, sobre o sentido dessa festa. A crônica termina com uma observação justíssima do menino. Disse ele: “Eu acho que ao invés de “coelho da Páscoa” deveria ser “galinha da Páscoa…” Pois é claro. Todo mundo sabe que coelhos não botam ovos. E todos sabem que galinhas botam ovos…

Confesso minha ignorância: não sei como é que o coelho entrou nessa estória. Para início de conversa é preciso lembrar que os textos sagrados não fazem referência alguma a esse animalzinho fofo. Quem foi que teve a ideia de torná-lo o personagem mais importante dessa celebração cristã?

Certamente um gozador. E para tornar a estória mais absurda, fizeram com que os coelhos, que não botam ovos, botassem ovos de chocolate… Nos tempos de Jesus Cristo havia chocolate? Acho que não. Galinhas não são seres poéticos. Na poesia elas sempre aparecem como bichos engraçados, cacarejantes, de inteligência curta, cuja única função é botar ovos e serem transformadas em canja. Assim é compreensível que vocês não gostem da ideia de galinhas de Páscoa. Eu também não gosto.
Mas poderia ser “pombas de Páscoa”. Pombas são seres teológicos. Começando com a Arca de Noé. A se acreditar no relato do Antigo Testamento Noé, para se certificar de que o dilúvio acabara, soltou um corvo. Confesso que se eu fosse Noé teria adotado um método mais simples. Teria aberto a janela da arca e esticado o pescoço para fora. Eu veria, então, que a chuva havia terminado e que as plantas já estavam soltando os seus brotos. Será que Noé acreditava que o corvo, depois de voar, voltaria para dar um relatório? Como é que o corvo comunicaria os seus achados? O corvo ingrato não voltou. Desde então eles ficaram aves de má fama, injustamente. Vendo que o corvo não voltava e sem se dar conta do método mais fácil que sugeri, ele soltou uma pomba. Ah! Ave maravilhosa! Voou, viu, apanhou um ramo verde de oliveira, e o trouxe para Noé! É preciso notar que as oliveiras daqueles tempos extraordinários deveriam ser diferentes das oliveiras de agora. As oliveiras de agora certamente estariam mortas, depois de passar tanto tempo debaixo d’água. Oliveiras não são plantas sub-aquáticas. Foi então que, pelo galho de oliveira que a pomba lhe trouxera, Noé ficou sabendo que o dilúvio havia chegado ao fim. Desde então as pombas passaram a ser símbolos teológicos: símbolos de pureza, símbolos de paz. Uma das telas mais comoventes de Picasso é uma menina com uma pombinha nas mãos. De fato as pombas têm um jeitinho de mansidão. O que não acontece com os corvos negros de bico torto. Bom para os corvos, mau para as pombas. As pombas passaram a serem usadas como aves a serem sacrificadas no templo pelas razões mais incríveis. Se não me falha a memória as mulheres, terminado seu período menstrual de impureza, deveriam sacrificar pombas no templo para se purificarem. Pobres pombas! O templo era uma sangueira. Quem quiser saber mais sobre a sangueira do templo que leia o livro de Saramago, “O evangelho segundo Jesus Cristo”. Os corvos, pela esperteza do primeiro corvo que não voltou, ficaram livres desse triste destino. Vem então o Novo Testamento que sacraliza definitivamente as pombas, ao relatar que o Espírito Santo é uma pomba. Sobre isso leia-se o poema de Alberto Caeiro em que ele conta como Jesus voltou à terra, tornado outra vez menino. É lindo.

Brincadeira de lado, o embaraço dos pais e a pergunta do menino revelam a confusão que marca essa festa. Ninguém sabe direito o que é que está sendo celebrado. E, para dizer a verdade, acho que são bem poucos aqueles que fazem alguma celebração. Antigamente semana santa era coisa séria. Lembro-me da procissão do enterro, os panos roxos, a banda de música tocando a marcha fúnebre de Chopin, as matracas, as mulheres mais piedosas carregando pedras na cabeça, como penitência… Isso mesmo: as mulheres carregavam pedras na cabeça. Como é bem sabido, Deus gosta de ver os seus filhos e filhas sofrer. Isso para não dizer da quaresma que a antecede, tempo em que as hostes do mal, demônios de todos os tipos, assombrações, mulas sem cabeça, almas penadas, ficavam soltas e todo mundo tinha medo de sair à noite. Sempre havia alguém que relatava, pela salvação da mãe morta, que havia visto uma mula sem cabeça numa encruzilhada à meia-noite. Meia noite era a hora do medo. E no escuro ouvia-se o zunido sinistro dos berra-bois. Semana Santa era um tempo metafísico, entre o céu e o inferno.

Agora é diferente. Páscoa é domingo, pé de cachimbo, cachimbo é de barro, bate no jarro, jarro é de ouro, bate no touro,touro é valente, chifra a gente, a gente é fraco, cai no buraco, buraco é fundo, acabou-se o mundo… Páscoa é fim de semana santa, feriado de três dias, a praia está esperando, hora de se preparar para a viagem…
Contou-me um sacerdote da Igreja Ortodoxa Russa que lá a Páscoa é uma grande festa. O comunismo não foi capaz de destruir a alma do povo. Pela manhã as pessoas saem pelas ruas e se cumprimentam dizendo: “Cristo ressuscitou!” E o outro responde, com uma risada: “Sim, ele ressuscitou!” ( A obra sinfônica de Rimski-Korsakov “A grande Páscoa russa” é linda”. E agora percebo que faz muito tempo que não a ouço.) . Entre nós, país onde 99% das pessoas acreditam em Deus (acreditam porque acham que, se não acreditarem, é capaz de ele, Deus, enviar algum castigo…), a Páscoa é como uma casca de cigarra presa no tronco de uma árvore. Vazia. Morta. Não tem nada lá dentro. Mas já foi o corpo de um ser vivo que, cansado de ficar preso na casca, criou asas e voou. A Páscoa, com seus ovos de chocolate, é celebração inconsciente de um tempo que não existe mais, tempo em que se acreditava. Os ovos de chocolate, vocês sabem, são tão ocos quanto as cascas de cigarra…

Na tradição cristã mais antiga a semana santa era um teatro, o drama da vida dentro de uma casca de noz. Teologia mínima. Duas cenas apenas. Primeira cena: a morte e o seu horror parecem triunfar. Segunda cena: a vida sai do túmulo de pedra, deixando-o vazio como uma casca de cigarra.

A Adélia diz: “De vez em quando Deus me castiga, me tira a poesia. Olho uma pedra e vejo uma pedra…” Tem gente que ouve o canto das cigarras e ouve apenas o canto das cigarras. Tem gente que fala Páscoa e só vê ovo de chocolate. Pensam na ressurreição como algo aconteceu, faz muito tempo, num lugar distante. ( Impossível. mortos não ressuscitam. ) E pensam em algo que acontecerá de novo num tempo distante, muito longe, no futuro (Impossível. Mortos não ressuscitarão.). Mas a poesia não conhece nem o passado e nem o futuro. O passado sobre que a poesia fala é presente na memória e nos sentimentos. O futuro sobre que a poesia fala é presente na
esperança. Assim os poemas da ressurreição falam sempre do presente. A Morte é agora. Nós somos o túmulo. “Quem anda duzentos metros sem vontade anda seguindo o próprio funeral vestindo a própria mortalha…’ Muita gente morreu e não percebeu. Mas a Ressurreição pode acontecer também agora.

Tenho, no meu escritório, uma tela de Pierro della Francesca ( 1410 – 1492 ) chamada “Ressurreição”. A pedra do túmulo corta a tela em duas partes. Na parte de cima, com seu pé sobre a pedra, o Cristo ressuscitado. Na parte inferior, encostados à pedra, os guardas adormecidos. Perguntam-me sobre o sentido da tela. Respondo que não sei o sentido da tela. As telas têm muitos sentidos. Eu só posso dizer os pensamentos que aquele quadro me faz pensar. E digo: enquanto os guardas da morte estão dormindo, o divino que mora em nós sai do sepulcro. Sabem disso as cigarras. Caminhando hoje pela manhã na fazenda Santa Elisa eu ouvi o seu canto. Já haviam deixado suas cascas nos troncos das árvores. Agora são seres alados. Cantam e voam, a procura do amor…Acho que estão celebrando a Páscoa…

Muito prazer, meu nome é Caio Fernando Abreu. Faço literatura, teatro, música, cinema e crítica. Mas de amor é o que eu gosto mais.

Enquanto não superarmos
a ânsia do amor sem limites,
não podemos crescer
emocionalmente.

Enquanto não atravessarmos
a dor de nossa própria solidão,
continuaremos
a nos buscar em outras metades.
Para viver a dois, antes, é
necessário ser um.

Desconhecido

Nota: Fontes atribuem o texto a Fernando Teixeira de Andrade. A autoria do pensamento tem vindo a ser erroneamente atribuída a Fernando Pessoa.

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Deus costuma usar a solidão
Para nos ensinar sobre a convivência.
Às vezes, usa a raiva para que possamos
Compreender o infinito valor da paz.
Outras vezes usa o tédio, quando quer
nos mostrar a importância da aventura e do abandono.
Deus costuma usar o silêncio para nos ensinar
sobre a responsabilidade do que dizemos.
Às vezes usa o cansaço, para que possamos
Compreender o valor do despertar.
Outras vezes usa a doença, quando quer
Nos mostrar a importância da saúde.
Deus costuma usar o fogo,
para nos ensinar a andar sobre a água.
Às vezes, usa a terra, para que possamos
Compreender o valor do ar.
Outras vezes usa a morte, quando quer
Nos mostrar a importância da vida.

Paulo Coelho

Nota: Trecho adaptado do livro "Manual do Guerreiro da Luz".