Eu sou aquilo que Perdi Fernando Pessoa

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Quem provou do ódio desejará provar coisas cada vez mais intensas (...).

Vontade maldita de te beijar e sentir teu cheiro.

O céu tão azul lá fora, e aquele mal-estar aqui dentro.

Você acha que não porque esperar a dor passar é como olhar um transatlântico no horizonte estando na praia. Ele parece parado, mas aí você desvia o olho, toma um picolé, lê uma revista, dá um pulo no mar e quando vai ver o barco já está lá longe.

Penso em você, penso em você com força e carinho.

Acostumada e fria, porque, depois de tantas lágrimas, ela finalmente parecia ter secado.

NO CENTRO DO FURACÃO

Vórtice, voragem, vertigem: qualquer abismo nas estrelas de papel brilhante no teto.
Queria tanto poder usar a palavra voragem. Poder não, não quero poder nenhum, queria saber. Saber não, não quero saber nada, queria conseguir. Conseguir também não — sem esforço, é como eu queria. Queria sentir, tão dentro, tão fundo que quando ela, a palavra, viesse à tona, desviaria da razão e evitaria o intelecto para corromper o ar com seu som perverso. A-racional, abismal. Não me basta escrevê-la — que estou escrevendo agora e sou capaz de encher pilhas de papel repetindo voragem voragem voragem voragem voragem voragem voragem sete vezes ao infinito até perder o sentido e nada mais significar — não é dessa forma que eu a desejo. Ah essa palavra de desgrenhados cabelos, enormes olhos e trêmulas mãos. Melodramática palavra, de voz rouca igual à daquelas mulheres que, como dizia John Fante, só a adquirem depois de muitos conhaques e muitos cigarros. Eu quero sê-la, voragem.
Espio no dicionário seu significado oficial, tentativa inútil de exorcizar o encantamento maligno. O que leio, inquieta ainda mais: “Aquilo que sorve ou devora”. E vejo um redemoinho lamacento de areias movediças à superfície do qual uma única mão se crispa. Vórtice, penso, numa vertigem. Repito, hipnotizado: vertigem, vórtice, voragem. “Qualquer abismo” — continuo a ler. Os abismos de rosas, os abismos de urzes, e aqueles abismos à beira do qual duas crianças correm perigo, protegidas pelas asas do Anjo da Guarda. Os abismos de estrelas falsas no falso céu do teto do meu quarto, os abismos de beijos e desejos, o abismo onde se detém o rei daquela história zen para abrir o anel que lhe deu o monge, onde está guardado o condão capaz de salvá-lo — e o condão é a frase “isto também passará”. Sim, e leio então: “Tudo que subverte ou consome” — paixões, ideologias, ódios, feitiçarias, vocações, ilusões, morte e vida. Essas outras palavras de maiúsculas implícitas — vorazes, voragem—, abismais.
Eu estava lá, no centro do furacão. E repito palavras que são e não são minhas enquanto o porteiro do edifício em frente toca violão e canta, e a chuva desaba outra vez, e peço: por favor, me socorre, me socorre que hoje estou sentido e português, lusitano e melancólico. Me ajuda que hoje tenho certeza absoluta que já fui Pessoa ou Virginia Woolf em outras vidas, e filósofo em tupi-guarani, enganado pelos búzios, pelas cartas, pelos astros, pelas fadas. Me puxa para fora deste túnel, me mostra o caminho para baixo da quaresmeira em flor que eu quero encostar em seu tronco o lótus de mil pétalas do topo da minha cabeça tonta para sair de mim e respirar aliviado de por um instante não ser mais eu, que hoje e não me suporto nem me perdoo de ser como sou e não ter solução. Me ajuda, peço, quando Excalibur afunda sem volta no lago.
Ela se debruça sobre mim, me beija com sua grande boca vermelha movediça. Tenho medo mas abro minha boca para me perder.
Ela repete baixinho em meus ouvidos nomes cheios de sangue — Galizia, Ana Cristina, Júlio Barroso — enquanto contemplo o céu no teto do meu quarto, girando intergaláctico em direção a ER-8, a estrela de bilhões de anos, o cadáver insepulto para sempre da estrela perdida nos confins do Universo. Choro sozinho no escuro, e você não enxuga as minhas lágrimas. Você não quer ver a minha infância. Solto nesse abismo onde só brilham as estrelas de papel no teto, desguardado do anjo com suas mornas asas abertas. Você não me ouve nem vê, e se ouvisse e visse não compreenderia quando eu abrir os braços para Ela e saudar, amável e desesperado como quem dá boas-vindas ao terror consentido: voragem, bem-vinda.
Voragem, vórtice, vertigem: ego. Farpas e trapos. Quero um solo de guitarra rasgando a madrugada. Te espero aqui onde estou, abismo, no centro do furacão. Em movimento, águas.

O Estado de S. Paulo, 4/2/1987

Uma vontade de cuidar melhor de mim, de ser melhor para mim e para os outros. De não morrer, de não sufocar, de continuar sentindo encantamento por alguma outra pessoa que o futuro trará, porque sempre traz, e então não repetir nenhum comportamento. Ser novo.

Caio Fernando Abreu
Cartas: Caio Fernando Abreu. Florianópolis: HB, 2016.

Ou poderíamos ser apenas o que somos, duas pessoas com uma ligação estranha, sutilezas e asperezas subentendidas, possibilidades de surpresas boas. Ou não. Difícil saber. Bato minhas asas em retirada. (...) E me pergunto se, quem sabe um dia, na hora certa, nosso encontro pode acontecer inteiro.

Mesmo com tristeza, o que é perfeitamente normal, sinto-me bem porque sei que fiz o que pude, falei o que pensei, mudei quando foi preciso. (E, olha, minhas mudanças foram ótimas e serão permanentes) e fui sincera sempre, em todos os momentos, em cada conversa, em cada mensagem.

São tudo histórias, menino. A história que está sendo contada, cada um a transforma em outra, na história que quiser. Escolha, entre todas elas, aquela que seu coração mais gostar, e persiga-a até o fim do mundo. Mesmo que ninguém compreenda, como se fosse um combate. Um bom combate, o melhor de todos, o único que vale a pena. O resto é engano, meu filho, é perdição.

Quero muito te amar e me encontrar contigo. Mas não sei se conseguiremos — e tenho medo.

Ando amando, durmo amando. Canto, espero, supero. Depois de uma ventania a paz volta ao coração.

Uma vontade de chegar perto, de só chegar perto, te olhar sem dizer nada, talvez recitar livros, quem sabe só olhar estrelas… dizer que te considero. E muito.
Talvez bastasse qualquer coisa, como chegar muito perto de você, passar a mão no teu cabelo e te chamar de amigo. Ou sorrir, só sorrir...

Estou me afastando de tudo que me atrasa, me engana, me segura e me retém.

O que incomoda é esta fragilidade, essa aceitação, esse contentar-se com quase nada.

‎Tem um lema de vida – aliás muito apropriado: “Somente as pedras não sobem à tona quando caem no fundo de um poço”.

Ela é intensa e tem mania de sentir por completo, de amar por completo e de ser por completo.

Quando tudo parece sem saída sempre se pode cantar. Por essa razão escrevo.

Há alguns dias, Deus — ou isso que chamamos assim, tão descuidadamente, de Deus —, enviou-me certo presente ambíguo: uma possibilidade de amor. Ou disso que chamamos, também com descuido e alguma pressa, de amor. E você sabe a que me refiro. Antes que pudesse me assustar e, depois do susto, hesitar entre ir ou não ir, querer ou não querer — eu já estava lá dentro. E estar dentro daquilo era bom. Não me entenda mal — não aconteceu qualquer intimidade dessas que você certamente imagina. Na verdade, não aconteceu quase nada.