Estudo

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A FORMAÇÃO HISTÓRICA DO CÂNON BÍBLICO E SUAS VARIAÇÕES TRADICIONAIS.

Escritor:Marcelo Caetano Monteiro .

Uma análise histórica e acadêmica, redigida em linguagem catedrática e isenta de juízos confessionais, cujo objetivo é esclarecer quais livros foram incluídos ou excluídos dos diferentes cânones bíblicos, por quais razões, em que contextos históricos e por quais instâncias decisórias, sempre com base em fontes reconhecidas pela historiografia e pelos estudos bíblicos críticos.

A FORMAÇÃO HISTÓRICA DO CÂNON BÍBLICO E SUAS VARIAÇÕES TRADICIONAIS.

A Bíblia Sagrada não constitui uma obra unitária concebida de forma instantânea, mas um corpus textual progressivo, formado ao longo de mais de um milênio, atravessando múltiplos contextos culturais, linguísticos e institucionais. Sua configuração atual resulta de processos históricos complexos, nos quais intervieram comunidades religiosas específicas, critérios teológicos, usos litúrgicos e debates hermenêuticos prolongados.
Do ponto de vista estritamente histórico, o termo “cânon” designa o conjunto de escritos reconhecidos como normativos por determinada comunidade de fé. Tal reconhecimento não ocorreu de modo uniforme nem simultâneo entre judeus, cristãos orientais e cristãos ocidentais, o que explica as diferenças quantitativas entre os cânones.

O CÂNON JUDAICO E A DELIMITAÇÃO DO TANAKH.

A tradição judaica reconhece 39 livros, correspondentes ao que os cristãos denominam Antigo Testamento. Esses textos compõem o Tanakh, acrônimo formado por Torá, Neviim e Ketuvim. A consolidação desse cânon ocorreu de maneira gradual, entre os séculos V a.C. e I d.C., sendo tradicionalmente associada ao período pós exílico.
Do ponto de vista acadêmico, não há evidência conclusiva de um concílio formal único que tenha fechado o cânon judaico, mas sim um processo de reconhecimento comunitário, consolidado após a destruição do Segundo Templo em 70 d.C., quando os textos em hebraico e aramaico passaram a ser normatizados como expressão identitária do judaísmo rabínico. Textos preservados apenas em grego, ainda que amplamente utilizados por judeus helenizados, foram progressivamente excluídos desse corpo normativo.
Fontes históricas e filológicas indicam que o critério central foi a língua original, a antiguidade atribuída ao texto e sua conformidade com a tradição mosaica.

A TRADIÇÃO CRISTÃ PRIMITIVA E A SEPTUAGINTA.

As primeiras comunidades cristãs, especialmente aquelas situadas no mundo greco romano, utilizaram majoritariamente a Septuaginta, tradução grega das Escrituras hebraicas realizada entre os séculos III e I a.C. Essa coleção incluía livros que não figuravam no cânon hebraico, posteriormente estabilizado.
Entre esses escritos encontram-se Tobias, Judite, Sabedoria, Eclesiástico, Baruque, Primeiro e Segundo Macabeus, além de acréscimos a Ester e Daniel. Esses textos passaram a ser lidos liturgicamente, comentados por teólogos antigos e incorporados à tradição cristã como literatura edificante e doutrinária.

O CÂNON CATÓLICO E A DEFINIÇÃO DOS DEUTEROCANÔNICOS.

A Igreja Católica reconhece 73 livros, incluindo os chamados deuterocanônicos, termo que indica textos cuja aceitação canônica foi posterior, mas não secundária em autoridade. A consolidação desse cânon ocorreu progressivamente entre os séculos IV e V, com referências explícitas em sínodos regionais e, posteriormente, foi reafirmada no Concílio de Trento em 1545/6.
* Concílio de Trento
O Concílio de Trento foi uma série de reuniões realizadas pela Igreja Católica com o objetivo de combater a Reforma Protestante e manter a unidade e o poder da Igreja.

O Concílio de Trento foi uma série de reuniões realizadas pela Igreja Católica, no contexto da chamada Contrarreforma Católica, para combater os efeitos da Reforma Protestante. Foi realizado entre 1545 e 1563 na cidade que dá nome ao concílio. Dele participaram diversas autoridades da Igreja, mas nenhum papa chegou a participar diretamente de uma sessão do concílio.

Em partes o concílio realizou seus objetivos, pois manteve a maior parte da Europa latina católica, além de transformar a América Latina em um continente predominantemente católico.
Do ponto de vista histórico, essa decisão não teve caráter arbitrário, mas respondeu à necessidade de uniformização doutrinária, sobretudo diante das controvérsias do século XVI. A Igreja justificou a manutenção desses livros com base em seu uso contínuo, valor teológico, presença na Septuaginta e recepção patrística.

A REFORMA PROTESTANTE E A REDUÇÃO DO CÂNON.

Os reformadores do século XVI, ao privilegiarem o princípio da autoridade textual hebraica para o Antigo Testamento, optaram por adotar o cânon judaico de 39 livros, totalizando 66 livros ao incluir o Novo Testamento. Os livros deuterocanônicos não foram inicialmente rejeitados como espúrios, mas classificados como úteis para leitura, embora não normativos para fundamentação doutrinária.
Essa decisão foi tomada em um contexto de crítica à tradição eclesial medieval e de retorno às fontes consideradas mais antigas. O critério central foi filológico e histórico, ainda que inevitavelmente permeado por pressupostos teológicos.

A TRADIÇÃO ORTODOXA E A PRESERVAÇÃO AMPLIADA.

As Igrejas Ortodoxas, particularmente as de tradição grega e eslava, reconhecem 78 livros, preservando um cânon ainda mais amplo, que inclui textos como Terceiro Macabeus, Salmo 151 e Oração de Manassés. Essa configuração reflete a continuidade do uso litúrgico da Septuaginta sem as delimitações posteriores impostas no Ocidente.

CONSIDERAÇÕES PAUTADAS EM INDÍCIOS ACADÊMICOS FINAIS.

Sob a ótica historiográfica, as diferenças canônicas não devem ser interpretadas como supressões ideológicas arbitrárias, mas como expressões distintas de processos históricos legítimos, condicionados por língua, geografia, tradição interpretativa e autoridade institucional. A noção moderna de autoria, fixidez textual e canonização formal não se aplica plenamente a sociedades antigas, nas quais o texto era sobretudo um organismo vivo, transmitido e interpretado comunitariamente.
Assim, a Bíblia, enquanto o mais difundido conjunto de textos da história humana, permanece também um testemunho eloquente da pluralidade de caminhos pelos quais a tradição escrita se consolidou, preservando no tempo a memória espiritual de civilizações inteiras e reafirmando que a história do
" sagrado" é, antes de tudo, a história da transmissão da palavra através dos séculos.

INFORMAÇÕES BASES:

A seguir Uma elucidação conceitual esforçada e rigorosa, em linguagem acadêmica e tradicional, explicando os principais termos utilizados nos estudos bíblicos, históricos e religiosos, com atenção especial à sua origem etimológica, sentido técnico e uso no campo científico, evitando qualquer viés apologético.

TEOLOGIA.

A palavra teologia deriva do grego antigo “theós”, que significa Deus, e “lógos”, que significa discurso, razão ou tratado. Em seu sentido clássico, teologia é o campo do saber que se dedica à reflexão sistemática sobre o divino, suas manifestações, atributos e relação com o mundo e com o ser humano.
No âmbito acadêmico, a teologia não se restringe à fé pessoal, mas constitui uma disciplina hermenêutica e histórica, que analisa textos sagrados, tradições religiosas, dogmas e práticas cultuais. Quando falamos em teologia bíblica, referimo nos ao estudo do pensamento religioso presente nos textos bíblicos, considerando seu contexto histórico, literário e cultural.

FILOLOGIA.

Filologia tem origem no grego “philía”, amor ou apreço, e “lógos”, palavra ou discurso. Trata se da ciência que estuda os textos antigos a partir de sua língua original, analisando vocabulário, gramática, variantes manuscritas e evolução semântica.
No estudo da Bíblia, a filologia é essencial porque os textos bíblicos foram redigidos principalmente em hebraico, aramaico e grego antigo. A filologia permite identificar alterações textuais, compreender expressões idiomáticas próprias da época e reconstruir, com o máximo de fidelidade possível, a forma mais antiga dos escritos.

SEPTUAGINTA.

O termo Septuaginta refere se à tradução grega das Escrituras hebraicas realizada entre os séculos III e I antes da era cristã, sobretudo em ambiente judaico helenizado. O nome deriva do latim “septuaginta”, setenta, em alusão à tradição segundo a qual setenta ou setenta e dois sábios teriam participado da tradução.
Do ponto de vista histórico, a Septuaginta é fundamental porque foi a principal Bíblia utilizada pelos judeus da diáspora e pelas primeiras comunidades cristãs. Ela contém livros e passagens que não constam no cânon hebraico posterior, o que explica sua relevância na formação dos cânones cristãos católico e ortodoxo.

CÂNON.

A palavra cânon provém do grego “kanón”, que significa regra, medida ou norma. No contexto bíblico, cânon designa o conjunto de livros reconhecidos como normativos e autorizados por uma comunidade religiosa específica.
Do ponto de vista acadêmico, a canonização não é um ato instantâneo, mas um processo histórico de reconhecimento progressivo, baseado em critérios como uso litúrgico, antiguidade do texto, coerência doutrinária e autoridade atribuída à tradição que o preservou.

DEUTEROCANÔNICOS.

Deuterocanônico deriva do grego “deúteros”, segundo, e “kanón”, regra. O termo indica livros cuja aceitação canônica ocorreu em um segundo momento histórico, embora sejam considerados plenamente inspirados dentro das tradições que os reconhecem.
Esses textos estavam presentes na Septuaginta e foram amplamente utilizados na Antiguidade cristã. O termo não implica inferioridade literária ou teológica, mas apenas um processo distinto de reconhecimento em relação aos livros protocanônicos.

APÓCRIFOS.

Apócrifo tem origem no grego “apókriphos”, oculto ou reservado. Historicamente, o termo designava escritos destinados a círculos restritos. Com o tempo, passou a indicar textos religiosos antigos que não foram incluídos no cânon oficial de determinadas tradições.
Na pesquisa acadêmica, os apócrifos são valiosos para compreender o ambiente religioso, simbólico e teológico do judaísmo e do cristianismo primitivos, ainda que não sejam considerados normativos por comunidades confessionais.

HERMENÊUTICA.

Hermenêutica deriva do verbo grego “hermēneúein”, interpretar. Trata se da ciência da interpretação dos textos, especialmente textos antigos e sagrados.
No campo bíblico, a hermenêutica busca compreender o sentido original de um texto, levando em conta o contexto histórico, o gênero literário, a intenção do autor e a recepção comunitária. Ela distingue a leitura literal, simbólica, histórica e teológica.

EXEGESE.

Exegese provém do grego “exēgéomai”, conduzir para fora ou explicar. Diferentemente da leitura devocional, a exegese é uma análise crítica e metódica do texto, com base em dados linguísticos, históricos e literários.
A exegese moderna procura responder ao que o texto significava em seu contexto original, antes de discutir aplicações posteriores.

TRADIÇÃO.

No sentido acadêmico, tradição refere se ao processo de transmissão de textos, interpretações e práticas ao longo do tempo. A tradição não é mera repetição, mas um movimento contínuo de preservação e releitura.
No estudo bíblico, tradição escrita e tradição oral caminham juntas, sendo fundamentais para compreender como os textos chegaram à sua forma atual.

CONSIDERAÇÃO.

Esses termos constituem o vocabulário técnico indispensável para qualquer abordagem séria e histórica da Bíblia. Compreendê los é reconhecer que o texto sagrado não surgiu isolado no tempo, mas foi cuidadosamente transmitido, interpretado e preservado por comunidades humanas concretas, cujo esforço intelectual e espiritual atravessou séculos e moldou a própria história da civilização.

Inserida por marcelo_monteiro_4

⁠Leiamos as Sagradas Letras, para interpretarmos fielmente, mas permitamos que a mesma nos leia, e nos mostre onde precisamos mudar para o crescimento ser saudável, para a glória de Deus o pai.

Inserida por fabiocabral

⁠Não se torna um profissional da NOITE para o DIA, mas se você DESISTIR dos ESTUDOS, não vai acontecer NUNCA.

Inserida por fabiocabral

O CAMINHO DA POSSESSÃO E DA LIBERTAÇÃO NA ESCRITURA DO ESPIRITISMO.
Autor/Pesquisador: Marcelo Caetano Monteiro.

O texto conhecido , publicado na Revista Espírita do ano de 1863, constitui um dos documentos mais densos, pedagógicos e decisivos da literatura espírita clássica no que concerne ao problema da obsessão, da subjugação e da possessão. Trata-se de uma escritura que não apenas descreve fatos extraordinários, mas funda critérios doutrinários, morais e científicos para a compreensão da interferência espiritual sobre o encarnado, afastando definitivamente tanto a superstição teológica quanto o reducionismo médico materialista.
Desde o início, o texto propõe uma revisão conceitual de enorme alcance. Ao afirmar inicialmente que não existem possessos no sentido vulgar, mas subjugados, a doutrina espírita demarca sua ruptura com a noção demonológica herdada da tradição medieval. Contudo, o próprio desenvolvimento experimental dos fenômenos leva à necessária retificação dessa assertiva, reconhecendo a possibilidade de uma possessão real, ainda que parcial, caracterizada pela substituição temporária do Espírito encarnado por um Espírito errante. Essa retificação não representa contradição, mas maturação metodológica, fidelidade ao princípio kardeciano segundo o qual a doutrina progride pela observação rigorosa dos fatos.
O primeiro caso apresentado, de natureza simples e quase lúdica, revela uma possessão mental sem prejuízo moral ou físico. Um Espírito desencarnado, pouco adiantado porém benevolente, aproveita o afastamento momentâneo do Espírito da médium sonâmbula para utilizar-lhe o corpo. O fenômeno é descrito com minúcia comportamental, gestual e psicológica, evidenciando que não se trata de imaginação, sugestão ou histeria, mas de uma individualidade espiritual distinta, reconhecível por traços de caráter, hábitos e memória pós mortem. Aqui se estabelece um ponto capital. A possessão não implica necessariamente maldade, violência ou perversão. Ela é um fato neutro em si, cuja gravidade depende da natureza moral do Espírito obsessor.
Esse ponto preparatório conduz ao núcleo trágico do texto, o caso da senhorita Júlia. Aqui a escritura abandona o tom quase anedótico e ingressa num território de dor, dramaticidade e instrução profunda. Júlia apresenta um estado de sonambulismo quase permanente, acompanhado de crises violentas nas quais luta contra um Espírito que se identifica como Fredegunda. O relato é de uma intensidade psicológica impressionante. A jovem não apenas vê e sente a presença do Espírito, mas vivencia uma cisão interna, ora sendo dominada por ele, ora combatendo-o com fúria, ora punindo a si mesma como se fosse a própria obseditora.
O aspecto mais instrutivo desse caso reside na absoluta ausência de conhecimento prévio. Júlia não conhecia o nome Fredegunda, nem sua história, nem o período histórico a que se referia. Em vigília, sua inteligência era simples, limitada, comum. Em sonambulismo, manifestava lucidez, profundidade e coerência incompatíveis com seu nível cultural. Essa alternância destrói a hipótese de loucura orgânica. A loucura não amplia a inteligência. Não refina o raciocínio. Não introduz conhecimento histórico específico. O que se observa é a emancipação da alma quando os laços corporais se afrouxam, permitindo o exercício mais amplo das faculdades espirituais.
O texto assume então uma função crítica severa contra a medicina materialista e contra o magnetismo praticado sem discernimento moral. Médicos declaram-se impotentes. Magnetizadores inexperientes agravam o quadro. Um deles, dominado por presunção doutrinária, sustenta que apenas Espíritos inferiores se comunicam, negando a assistência dos bons Espíritos. Tal crença revela-se não apenas falsa, mas criminosa, pois retira da obsediada a esperança, reforça o poder do obsessor e compromete sua razão. A análise fluídica apresentada é de extrema sofisticação. O Espírito obsessor absorve o fluido do magnetizador por afinidade vibratória, fortalecendo-se, enquanto a doente se enfraquece. Aqui se estabelece uma lei fundamental. Não basta emitir fluido. É imprescindível a qualidade moral do fluido, sua natureza íntima, sua consonância com o bem.
A cura da senhorita Júlia inaugura um paradigma terapêutico espírita completo. Ela não se opera por força, imposição ou confronto violento, mas por tríplice ação. Ação moral sobre a doente, levando-a ao perdão, à humildade e à prece sincera. Ação espiritual sobre o obsessor, por meio da evocação, do esclarecimento e da educação moral. Ação fluídica orientada, sustentada pela assistência dos bons Espíritos e pela prece coletiva. O perdão de Júlia a Fredegunda constitui o ponto de inflexão decisivo. Ao abandonar o ódio, ela eleva sua vibração moral e rompe a sintonia que sustentava a obsessão.
As comunicações subsequentes do Espírito Fredegunda são de valor doutrinário inestimável. Revelam a psicologia do Espírito culpado, sua dificuldade de pronunciar o nome de Deus, seu sofrimento prolongado, sua resistência inicial ao arrependimento e, finalmente, sua transformação gradual. O Espírito não é apresentado como um demônio absoluto, mas como uma consciência enferma, presa ao passado, dominada pelo orgulho e pelo remorso. Sua melhora não decorre de castigo, mas de instrução, prece e caridade. A obsessão, nesse contexto, aparece como uma expiação aceita antes da encarnação, destinada ao progresso de ambos, obsessor e obsediado.
O texto estabelece ainda uma distinção sutil e fundamental entre Espíritos francamente maus e Espíritos hipócritas. Estes últimos, que se revestem de aparência de virtude e saber, são mais perigosos, pois fascinam, iludem e se apoderam do Espírito do médium. Fredegunda, ao recuar diante do nome de Deus, demonstra estar mais próxima da regeneração do que aqueles que utilizam o nome divino como máscara.
A Escritura do Espiritismo Cristão, nesse conjunto, revela-se fiel ao espírito do Evangelho sem cair no misticismo irracional. A possessão não é um espetáculo sobrenatural, mas um fenômeno moral e psíquico regido por leis. O Cristo expulsava demônios não por magia, mas por autoridade moral. O Espiritismo restitui esse entendimento, demonstrando que a verdadeira libertação nasce da elevação interior, da caridade ativa, da reforma íntima e da comunhão vibratória com o bem.
Assim, O Caminho não é apenas um relato histórico ou um estudo clínico espiritual. É uma cartografia da alma humana em luta, um tratado sobre responsabilidade moral, uma advertência contra a soberba intelectual e um testemunho de que nenhuma dor é inútil quando aceita como instrumento de aprendizado e redenção. E permanece como um marco perene, lembrando que toda sombra cede quando a consciência aprende a caminhar, com humildade e verdade, em direção à luz.

A INSTRUÇÃO DOS POSSESSOS DE MORZINE, A MEDIUNIDADE BÍBLICA E O CRITÉRIO ESPÍRITA DO JULGAMENTO MORAL.

O complemento indispensável ao estudo do caso da senhorita Júlia encontra-se na Instrução sobre os possessos de Morzine, publicada sucessivamente na Revista Espírita nos números de dezembro de 1862, janeiro, fevereiro, abril e maio de 1863. Esses artigos formam um corpo doutrinário coerente que antecede, prepara e esclarece o entendimento maduro da possessão espiritual à luz do Espiritismo Cristão, afastando definitivamente tanto a explicação demonológica tradicional quanto a patologia psiquiátrica exclusiva.
Em Morzine, pequena localidade da Alta Saboia, verificou-se um fenômeno coletivo de obsessão grave que atingiu dezenas de pessoas, sobretudo mulheres jovens. Os sintomas eram violentos, públicos e contínuos. Convulsões, blasfêmias, força física desproporcional, aversão a objetos religiosos, discursos incoerentes em estado de crise e perfeita normalidade fora deles. O clero local atribuiu os fatos à possessão demoníaca clássica. A medicina declarou-se impotente. O Espiritismo, porém, identificou ali um caso típico de obsessão coletiva agravada por ignorância, medo e sugestão religiosa.
O ponto central da instrução espírita sobre Morzine é a distinção rigorosa entre causa e efeito. O corpo sofre porque a alma está oprimida. A perturbação orgânica é consecutiva, não originária. A crença de que se trata do demônio reforça o domínio do Espírito obsessor, pois lhe confere um poder simbólico que ele não possui por direito natural. Ao serem convencidos de que carregavam o diabo, os obsidiados reforçavam o laço fluídico que os subjugava. Trata-se de um mecanismo psicológico e espiritual de ressonância vibratória.
A analogia com o caso da senhorita Júlia é direta e inequívoca. A diferença essencial é que, em Morzine, a ignorância coletiva e a ação ritualística baseada no medo agravavam os quadros, enquanto no caso de Júlia a abordagem esclarecida, moral e espiritual conduziu à libertação e à regeneração do Espírito obsessor. A instrução de Morzine demonstra que a obsessão pode adquirir caráter epidêmico quando o meio moral é homogêneo em crença, temor e sugestão negativa. O meio, aqui, atua como multiplicador fluídico.
É nesse ponto que se insere a referência a Samuel Hahnemann, não como médico convencional, mas como precursor de uma medicina de princípios dinâmicos. A homeopatia, ao afirmar que a doença não é apenas material, mas uma perturbação da força vital, aproxima-se do entendimento espírita segundo o qual o Espírito é o agente principal do equilíbrio ou do desequilíbrio orgânico. A obsessão grave, como em Morzine ou no caso de Júlia, não poderia jamais ser curada por intervenções materiais exclusivas, pois sua causa reside no campo moral e espiritual. O medicamento sem reforma íntima é ineficaz. O fluido sem elevação moral torna-se nocivo.
A contribuição de Erasto, por sua vez, é decisiva ao estabelecer a lei da dupla ação. Encarnado sobre encarnado, desencarnado sobre desencarnado. Não há libertação duradoura sem o concurso de Espíritos superiores aliados à ação moral do médium ou magnetizador. Essa lei explica por que os exorcismos ritualísticos fracassam quando não há autoridade moral real, e por que a simples vontade humana, desacompanhada de humildade e prece, se revela impotente diante de Espíritos perseverantes.
Essa compreensão espírita encontra correspondência notável nas Escrituras hebraicas, quando analisadas sob o prisma da mediunidade natural e da justiça moral divina. A chamada mão que escreveu na parede, no episódio do rei Belsazar, descrito no livro de Daniel capítulo 5, constitui um fenômeno mediúnico objetivo de efeitos físicos visíveis. Não se trata de alegoria poética, mas de manifestação espiritual ostensiva, inteligível apenas a um médium de alta lucidez moral e intelectual, Daniel. O fenômeno ocorre em ambiente de profunda perturbação moral, profanação e orgulho. A escrita não é ameaça arbitrária, mas diagnóstico espiritual. Mene indica contagem do tempo moral concedido. Tequel indica avaliação do peso ético da consciência. Parsim indica consequência natural da falência moral.
O julgamento não é mágico, mas causal. A mediunidade manifesta-se como instrumento pedagógico da lei divina. O Espírito comunica, mas o fato se cumpre porque o rei já estava em estado de queda interior. O mesmo princípio governa a obsessão. O Espírito obsessor não cria o mal. Ele o explora onde encontra afinidade.
A narrativa de Nabucodonosor, no capítulo 4 de Daniel, reforça essa lógica. O rei não sofre uma transfiguração teológica, mas uma regressão psíquica provocada pela soberba extrema. O afastamento da razão simboliza a ruptura entre o poder humano e a lei divina. O estado animalizado não é castigo externo, mas efeito educativo. Quando a consciência reconhece a soberania do Altíssimo, a sanidade retorna. À luz do Espiritismo, trata-se de um caso de perturbação espiritual grave, com suspensão temporária do governo consciente da alma sobre o corpo, fenômeno análogo a certos estados obsessivos profundos.
Ambos os relatos bíblicos revelam que a mediunidade sempre existiu como instrumento da justiça divina, mas só se torna compreensível quando dissociada do medo e da superstição. O Espiritismo não nega as Escrituras. Ele as restitui ao seu sentido racional e moral. Demonstra que a ação espiritual é regida por leis, que a obsessão é curável pela elevação íntima, e que nenhum Espírito sofre sem motivo.
A Instrução sobre os possessos de Morzine, o caso da senhorita Júlia, as comunicações de Erasto, a visão dinâmica da medicina espiritual e os episódios bíblicos de Daniel convergem para uma mesma verdade. A mediunidade é uma faculdade natural. A obsessão é um fenômeno moral. A libertação não se opera pelo medo, mas pela consciência. E a justiça divina não pune arbitrariamente, mas educa, pesa, mede e restaura segundo o mérito e o esforço de cada alma em aprender a governar-se a si mesma sob a lei eterna do bem.

Inserida por marcelo_monteiro_4

⁠A arte está sempre dentro da cultura mas não precisa ser arte para ser cultura.

Inserida por ricardovbarradas

⁠Como em todos os campos profissionais, analfabetos artísticos e culturais no Brasil, é o que mais tem.

Inserida por ricardovbarradas

Existem muitos seres ditos completos na maçonaria, ⁠que por galgarem cargos e graus, se acham presos as pequenas vaidades de sua imagem glamorosa refletida distorcida no espelho. Os verdadeiros maçons são sempre seres incompletos e buscam o estudo constante para que de forma simples e justa, por verdade diminuam as grandes diferenças na sociedade.

Inserida por ricardovbarradas

⁠“Não existe ninguém melhor do que você, mas existe quem estudou mais do que você.”

Inserida por DAmico

Investimentos sólidos em Educação e Cultura é uma simples e obvia questão de futuro que queremos ter. Constrói se o amanhã, hoje.

Inserida por ricardovbarradas