Estou em outra
"Será que eu poderia ter me esquivado desse inimigo?", perguntava-se Musashi, pensando na situação em termos de combate. Na qualidade de guerreiro, era-lhe humilhante ser derrotado por um simples prego.
"- Agradeço, mas recuso. Roupas vistosas não me caem bem. Deixe-me ir com estas, aliás, as únicas que tenho, e com as quais me deito ao relento e vou a todos os lugares. Nelas me sinto à vontade.
- Pois com isso não concordo - disse Myoshu, mostrando-se de súbito severa num ponto aparentemente pouco relevante. - O senhor talvez se sinta à vontade desse jeito, mas parecerá um trapo no meio de uma sala luxuosa. Esqueça todas as misérias e as sujeiras do mundo e deixe-se envolver, nem que seja por uma hora ou por metade de uma noite num ambiente de beleza ilusória, abandone lá todas as suas preocupações. É para isso que servem esses lugares. Raciocine desse modo e perceberá que seu jeito de se vestir e agir comporão esse lindo cenário, e que é um erro considerar tais detalhes matéria que só a você concerne. (...)
Muitas vezes Musashi se perguntara quem teria suportado até agora maiores amarguras: Otsu, palmilhando um tortuoso caminho, carregando abertamente a chama do amor puro que a consumia, ou ele, que tivera de andar ocultando as labaredas de sua paixão sob um manto inexpressivo, cobrindo-as com uma fria camada de cinzas? E a resposta era sempre a mesma: ele.
"Por todos esses dias passados até hoje, não vinha eu me dizendo que a vida de um guerreiro começa a cada manhã, e que ele deve estar pronto para morrer antes de cada anoitecer? Não vim tentando aprender a morrer, o tempo todo?"
"- Por que perde tempo esculpindo a deusa, em vez de praticar esgrima?"
(...)
"- Portanto, quando um espadachim se dedica à escultura, está se empenhando em elevar o espírito, assim como um monge, ao empunhar uma lâmina e esculpir uma imagem santa em estado de autoanulação, está procurando aproximar seu espírito ao do santo que esculpe. O mesmo espírito norteia os que pintam, ou se dedicam à caligrafia. A meta de todos é atingir a lua, mas muitos são os caminhos que conduzem ao cume da montanha. Alguns se perdem em meandros, ou tentam novos caminhos: todos, porém os trilham procurando chegar o mais perto possível da serena perfeição de Buda."
Quanto mais bravo e ilustre o guerreiro, mais gentil e bondoso ele é, mais sensível se mostra à transitória beleza desta vida.
"Do meu ponto de vista, o de um órfão, sua atitude não é apenas desrespeitosa, é quase sacrílega. Você foi contemplado com o amor materno, a maior felicidade que um ser humano pode almejar na vida, mas a está menosprezando! Se porventura eu tivesse uma mão como a sua, minha vida hoje seria muito mais plena, mais calorosa! Imagino com que prazer não estaria me esforçando para alcançar o sucesso ou para praticar uma ação meritória! Sabe por quê? Porque só uma mãe é capaz de se alegrar tão sinceramente com o sucesso da gente. Que estímula pode haver no mundo maior que o de possuirmos alguém compartilhando o nosso sucesso? Para você, que já possui esse privilégio, minhas palavras talvez soem antiquadas e moralistas, mas é muito triste não ter ninguém, nem a seu lado nem em lugar algum do mundo, com quem dividir, por exemplo, a beleza deste cenário que se estende diante dos nossos olhos neste momento.
Matahachi tinha Otsu em suas mãos nesse instante, mas não o seu coração. E desde o começo dessa tarde, vinha sentindo na pele como era difícil conduzir um corpo sem coração.
"Observe! - disse ao jovem apontando o rio. - Vivendo no fundo do rio, um peixe não tem visão do próprio rio. Não se apegue demais à leitura ou se transformará numa traça, perderá de vista a palavra viva e se transformará num homem sombrio."
"Originariamente, a espada japonesa não foi desenvolvida para retalhar seres humanos, nem para feri-los. Pelo contrário, ela foi idealizada como instrumento para pacificar o império, protegê-lo do mal e dele expulsar os demônios. Ao mesmo tempo, a espada destina-se a aprimorar o caminho dos homens, e deve ser levada à cintura dos que estão no comando como uma contínua advertência no sentido de manter a própria compostura e de vigiar a si mesmos para não incorrer em erros. Ela é a alma do samurai, e o seu polidor tem de realizar o trabalho sem perder de vista tais princípios."
Na vida, sofrimentos e prazeres são ondas que se intercalam a todo momento. E se o homem procura espertamente navegar apenas nas ondas do prazer, permanecendo indolente, perderá o sentido da vida, alegrias ou prazeres deixarão de existir para ele.
A angústia dos acometidos pelo mal da inércia só pode compreender quem já a experimentou alguma vez. Ócio é algo com que todo ser humano sonha. O mal da inércia, entretanto, fica longe da agradável sensação de descanso e paz que o ócio proporciona: quem por ele é acometido não consegue agir, por mais que se empenhe. Mente amortecida e visão embaçada, o enfermo debate-se na poça do próprio sangue. Está doente, mas o corpo não apresenta alterações.
Batendo a cabeça na parede, sem conseguir recurar ou progredir, preso num vácuo imobilizante, a pessoa sente-se perdida, duvida de si mesma, despreza-se, e por fim chora.
"- Aprendizado, aprendizado... Enquanto você continuar a falar desse jeito, nada adiantará."
(...)
"Buscai o tronco, não vos enganeis/Colhendo folhas, perseguindo galhos."
Claro! Quantas pessoas não havia no mundo desesperadas com nada mais que veleidades? Ele próprio era uma delas, reconheceu, sentindo-se de repente reconfortado.
E por que não conseguia restringir-se à esgrima, a essência do seu ser? Por que permitia que sua atenção se desviasse entre uma coisa e outra, isto e aquilo? Por que perdia tempo olhando à esquerda e à direita, por que vacilava? O caminho era um só: para que olhava as trivialidades à beira do caminho?
(...)
"- Estás longe de atingir a meta se continuas a dar tanta importância ao aprendizado.
"É claro que podes te adestrar num templo, mas o mais difícil é fazê-lo no mundo. Gente existe que repudia tudo que é sujo e conspurcado e se abriga no templo em busca da pureza. Entretanto, verdadeiramente se adestra aquele que convive com a mentira, a impureza, a dúvida e a competição; enfim, com todos os tipos de tentação, e não se deixa macular."
Quando estávamos no meio de tudo, bem no meio, nunca pensei nos rostos daquela imensidão de monstros, mas agora percebo que eram pessoas.
Não sabe o que já vi naqueles campos. O que essa gente faz pra sobreviver. Ao menos aqui, as regras são claras.
Nós somos peões num jogo perverso, destinados a repetir nossos fracassos. E finalmente, como uma revelação irônica e alucinante, tudo começa de novo.
Achei que a gente pudesse ter alguma coisa, mas você foi embora. E ver você de novo trouxe tudo de volta.
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