Despedida de uma Pessoa Querida
O que me aliviava como a uma sede, aliviava-me como se durante toda a vida eu tivesse esperado por uma água tão necessária para o corpo eriçado como é a cocaína para quem a implora. Enfim o corpo, embebido de silêncio, se apaziguava. o alívio vinha de eu caber no desenho mudo da caverna.
Teu olho bate em mim e logo se desvia, como se em minhas pupilas houvesse uma faca, uma pedra, um gume.
Eu tenho uma promessa, nela confiarei e esperarei. Pois os sonhos de Deus são maiores que os nossos.
O amor é uma coisa íntima, mas todos nós temos a necessidade de torná-lo público. É a nossa vitória contra a solidão.
Acho que já esqueci você
Mas mesmo assim me pergunto aqui dentro de mim se isso não é só mais uma enganação própria. Eu tentando provar pra mim mesma que consigo te esquecer, mais uma vez. Mesmo que seja pra daqui a pouco você vir e mudar as regras novamente. Fazendo eu sentir o que jurei não sentir outra vez, muito menos por você! Sei que se estou sofrendo a culpa é minha, por ser orgulhosa e não conseguir correr para seus braços de novo. Pois se eu fizer isso vou mostrar que sou fraca e que minha maior fraqueza é você.
Eu estava fazendo força pra remar o nosso barco, mas ao mesmo tempo pensava em uma forma de atracá-lo.
Talvez seja esse o problema. Uma vida sem manhãs. Estranho é que não escolhi. Não consigo precisar o momento em que escolhi. Nem isso, nem qualquer outra coisa, nem nada. Foram me arrastando. Não houve aquele momento em que você pode decidir se vai em frente, se volta atrás, se vira à esquerda ou à direita. Se houve, eu não lembro. Tenho a impressão de que a vida, as coisas foram me levando. Levando em frente, levando embora, levando aos trancos, de qualquer jeito. Sem se importarem se eu não queria mais ir. Agora olho em volta e não tenho certeza se gostaria mesmo de estar aqui. Só sei que dentro de mim tem uma coisa pronta, esperando acontecer. O problema é que essa coisa talvez dependa de uma outra pessoa para começar a acontecer.
Não tenho uma palavra a dizer. Por que não me calo, então? Mas se eu não forçar a palavra a mudez me engolfará para sempre em ondas. A palavra e a forma serão a tábua onde boiarei sobre vagalhões de mudez.
E se estou adiando começar é também porque não tenho guia. O relato de outros viajantes poucos fatos me oferecem a respeito da viagem: todas as informações são terrivelmente incompletas.
Sinto que uma primeira liberdade está pouco a pouco me tomando... Pois nunca até hoje temi tão pouco a falta de bom-gosto: escrevi “vagalhões de mudez”, o que antes eu não diria porque sempre respeitei a beleza e a sua moderação intrínseca. Disse “vagalhões de mudez”, meu coração se inclina humilde, e eu aceito. Terei enfim perdido todo um sistema de bom Mas será este o meu ganho único? Quanto eu devia ter vivido presa para sentir-me agora mais livre somente por não recear mais a falta de estética... Ainda não pressinto o que mais terei ganho. Aos poucos, quem sabe, irei percebendo. Por enquanto o primeiro prazer tímido que estou tendo é o de constatar que perdi o medo do feio. E essa perda é de uma tal bondade. É uma doçura.
(...) porque ser uma cousa é não significar nada.
Ser uma cousa é não ser susceptível de interpretação.
Entendi então que, de qualquer modo, viver é uma grande bondade para com os outros. Basta viver, e por si mesmo isto resulta na grande bondade. Quem vive totalmente está vivendo para os outros, quem vive a própria largueza está fazendo uma dádiva, mesmo que sua vida se passe dentro da incomunicabilidade de uma cela. Viver é dádiva tão grande que milhares de pessoas se beneficiam com cada vida vivida.
(...) Ai como eu queria tanto agora ter uma alma portuguesa para te aconchegar ao meu seio e te poupar essas futuras dores dilaceradas. Como queria tanto saber poder te avisar: vai pelo caminho da esquerda, boy, que pelo da direita tem lobo mau e solidão medonha (...)
E - não percebem? - o terror daquela posição não estava em receber uma paulada na cabeça - embora eu tivesse uma sensação muito vívida desse perigo, também - mas em que eu tinha de lidar com um ser ao qual não podia apelar em nome de qualquer coisa superior ou inferior. Tinha, como os negros, de invocá-lo - a ele mesmo - à sua exaltada e incrível degradação. Nada havia acima ou abaixo dele, e eu sabia disso.
Isto é grande sabedoria para uma mulher adquirir: Não importa o quanto ele pise na bola, para teu marido sempre há de ter perdão.
Me pergunto sempre se você não teceu em volta de mim uma porção de coisas irreais, esperando a minha volta como quem espera a salvação.
Uma estranha intuição: de que, de alguma forma, este é um período de luta depois do qual tudo deve abrir, ficar mais fácil, menos batalhado.
Parece uma parábola, mas acontece todo dia: a gente só tem olhos para o que mostra a nossa janela, nunca a janela do outro. O que a gente vê é o que vale, não importa que alguém bem perto esteja vendo algo diferente.
