D Dinis
Uma vida inteira ainda não será suficiente para que eu esqueça aquela quem eu costumava chamar de lar e retornava todos dias.
gelo eterniza. papel também. eternos com prazo de validade, que fique claro, uma vez que desconheço o eterno em seu sentido mais vulgar, nunca soube de eternos eternos. gelo detém por algum tempo o próprio tempo, interrompe os processos corrosivos mais acelerados da carne vulnerável à decomposição e ao desaparecimento. mas o gelo cobra um preço para que a carne não volte tão rápido a ser pó: ele precisa interromper a vida para interromper o tempo. criogenia é a interrupção do tempo com o custo da vida, a manutenção da matéria exatamente como está no momento em que é congelada e tornada inerte, sem essência dinâmica. mesmo assim, quem é crionizado tem esperança de volta à vida, esperança é o verdadeiro antônimo da morte, a palavra que mais deve lhe incomodar.
minto tanto que às vezes não sei diferenciar a realidade do que inventei. sou um mentiroso de coisas fúteis e de coisas relevantes. minto para mim antes de mentir para qualquer outro, mas também minto para fora.
Eu não superei tudo o que passou, eu só segui em frente, porque querendo ou não a vida é assim e eu precisava seguir o meu caminho com ou sem você. Mas se notar direitinho vai ver que o meu coração ainda está com você e sempre estará.
não entendo porque as pessoas desejam tanta luz aos mortos. excesso de luz ofusca, até cega. prefiro a penumbra, a luz indireta e suas sombras, o amarelado dos contornos não cem por cento definidos. a luz precisa dar margem à dúvida. quando eu morrer, e isso não está longe, desejem-me um abajur.
Sou feito de caos, dores e amores fracassados... O destino sorri para mim, mas a sua única intenção é foder com a minha vida.
Já me quebrei, me rasguei, me dobrei, me amassei e tudo isso para me encaixar e ser aceito pelas pessoas e mesmo assim nunca foi suficiente... então eu parei de tentar e hoje sou inteiro novamente.
Eu achava que nunca me sentiria bem e que os meus machucados sempre me deixariam mal, mas depois de um tempo eles viraram apenas cicatrizes e cicatrizes não doem, só ficam marcadas na nossa pele e nas nossas lembranças para nos lembrar para onde não voltar e o que não devemos aceitar por pessoas. Uma hora tudo passa, mesmo depois de ter passado por cima de nós repetidas vezes.
Eu sempre estou aqui escutando e ajudando as pessoas com palavras, mas nunca tenho ninguém para escutar o barulho que o meu caos faz... quando se trata de mim todos se tornam surdos, cegos e mudos.
O meu coração produz outros sons além de batidas, para ser capaz de escutar basta ouvi-lo com amor... As vezes ele costuma falar também.
Se quando eu estou mal não tenho ninguém e me cuido sozinho, quando estiver bem eu não vou querer ninguém ao meu lado.
Eu sou extremamente quente, mas também sou extremamente frio. Sempre tento andar com as pessoas por um desses extremos, de acordo com o merecimento de cada uma delas. Porém, tento nunca andar pelo meio, porque o meio termo é o meu esquecimento e as aconselho que não queiram que eu ande por lá com elas, porque eu não costumo lembrar de quem ouso me esquecer.
Escrever tudo o que eu sinto pesa demais, mas é bem melhor carregar esse peso nas palavras do que dentro do coração.
Queimei as cartas que escrevi para te dar, deletei dos pensamentos quaisquer vestígios que ainda restavam, apaguei as mensagens que trocávamos de segunda a segunda e por fim te tirei de dentro do peito, você não merecia mais morar dentro de mim e foi por isso te expulsei.
