Crônicas de Nelson Rodrigues
O Eco do Silêncio
Lanço palavras como quem atira pedras
num lago sem margens,
esperando que o silêncio as devolva
sem distorção.
Mas o mundo é um espelho partido,
onde cada olhar lê o que já esperava ver,
onde cada voz se perde
num labirinto de ecos esquecidos.
Não sou feito de aço,
nem de pedra erguida contra o vento.
Sou a sombra de um pensamento que passa,
o reflexo de um instante que já se foi.
Se digo, não ouvem.
Se calo, suspeitam.
Mas sei que a raiz cresce no escuro
e a verdade não precisa de nome.
No fim, talvez reste apenas um vestígio,
um traço de luz na poeira do tempo.
E quem escutar, quem souber ler as entrelinhas,
saberá que sempre estive aqui.
Entre a Grécia e Tróia
Sou quem sou,
mas o mundo exige máscaras,
um rosto moldado ao gosto dos outros,
um reflexo que não se quebra.
Se cedo, perco-me.
Se resisto, sou pedra que incomoda.
Agradar é um jogo sem vencedor,
onde quem pede mudança
nunca se sacia.
Que mal tem não ser lutador?
Nem todo combate vale a espada,
nem toda guerra precisa de sangue.
Há força em quem não levanta a voz,
em quem escolhe o chão firme do silêncio.
Estou entre a Grécia e Tróia,
terra de ninguém,
onde cada passo desagrada a um lado,
e o silêncio é visto como afronta ao outro.
Mas que me importa?
O vento sopra onde quer,
e eu sigo, inteiro,
sem me dobrar ao peso de aplausos fáceis
ou censuras vãs.
A História, a Cultura e o Destino
Há quem diga que a História não importa,
Que o que passou passou,
Que a fome é agora,
Que os dias correm sem tempo para pensar.
Mas o rio não nasce no mar,
O vento não sopra sem ter por onde veio,
E eu não sou só este momento,
Sou também o que fui antes de mim.
A terra que piso tem pegadas,
As palavras que digo têm ecos,
E se o mundo é estreito
É porque alguém antes de mim aceitou que fosse.
A História não me dá pão,
Mas mostra-me quem colheu antes de mim.
A Cultura não me veste,
Mas ensina-me a olhar para além do muro.
A Filosofia não me salva da morte,
Mas diz-me que estar vivo não é só respirar.
Quem diz que não tem tempo para pensar,
Não vê que há quem pense por ele.
Quem não quer saber do que veio antes,
Caminha por um trilho traçado sem saber por quem.
Mas há um instante –
Sempre há um instante –
Em que o homem para e se pergunta:
E se o caminho pudesse ser outro?
E então descobre que a História, a Cultura e o pensamento
Não são pesos nem sombras gastas,
Mas chaves.
E quem segura uma chave,
Mesmo sem saber,
Já começou a abrir a porta.
A Palavra e o Silêncio
Falo—e a palavra corta o ar
como lâmina sem rosto,
como flecha sem alvo.
Quem a escuta? Quem a sente?
Quem lhe dá forma dentro do peito?
Dizê-las é rasgar o silêncio,
como quem fere a pele da água
e espera que o mundo responda.
Mas o mundo nem sempre escuta.
Ou escuta mal,
como um espelho partido
onde o rosto já não se reconhece.
Escrevo—e a tinta sangra no papel,
mas o que digo não é o que fica,
o que fica não é o que sou.
Entre mim e o outro há um abismo,
uma distância que a voz não vence,
um eco que se perde na sombra.
Às vezes são lâminas,
abrem sulcos na carne do tempo,
fazem sangrar quem as ouve.
Outras vezes, são leves demais,
tocam, mas não ficam,
morrem antes de nascer.
Quisera eu que a palavra fosse ponte,
mas tantas vezes é muro,
ferro, pedra, ruína.
Tantas vezes, o que fere não é o grito,
mas o silêncio depois dele,
o vazio onde o sentido se afoga.
E no entanto, insisto.
Porque dizer é resistir à solidão,
é lutar contra o escuro do não-entendimento,
é desafiar a noite com um nome,
mesmo que ninguém o repita.
Europa, Levanta-te
Europa, levanta-te! Não és apenas terra e mar,
não és apenas mapas e tratados,
és o fogo que atravessou os séculos,
és a soma dos sonhos e dos ideais,
és as vozes que clamaram por liberdade
e não se calaram diante da tirania.
Que cada pedra do teu caminho recorde
o sangue e o suor dos que ergueram catedrais,
dos que navegaram sem medo,
dos que escreveram versos de esperança
e leis de justiça.
Não és um só povo, és muitos.
Não és uma só língua, és mil.
Mas falas com uma só voz
quando a liberdade é ameaçada,
quando a igualdade é negada,
quando a fraternidade é esquecida.
Juntos somos mais.
Mais do que reinos e bandeiras,
mais do que fronteiras desenhadas por guerras antigas.
Somos a luz de Atenas,
a coragem de Roma,
a razão de Paris,
o espírito de Lisboa,
a força de Berlim.
Os tiranos nos temem porque não estamos sós.
Eles sonham com muros,
mas nós construímos pontes.
Eles querem silenciar-nos,
mas a nossa voz ecoa em todas as línguas.
Europa, levanta-te!
Ergue a tua bandeira não como arma,
mas como promessa:
enquanto estivermos juntos,
nenhum homem será escravo,
nenhuma nação será acorrentada,
nenhum direito será negado.
O futuro não pertence aos que dividem,
mas aos que unem.
E unidos, seremos sempre livres.
O Abismo e o Eco
Eles vêm, de olhar vazio,
sem ver, sem saber, sem perguntar.
Marcham—não, rastejam—
com a certeza tola dos que nunca duvidam,
com o fervor triste dos que nunca pensam.
Erguem aos céus um nome, um vulto,
uma sombra que os consome,
um charlatão de feira, um embusteiro de trapos,
que lhes promete um mundo feito de espelhos
onde só veem o que querem ver.
E riem!
Riem do meu desespero,
da minha fúria que a ninguém toca,
do meu nojo que os diverte.
Saboreiam o ódio que os denuncia,
porque sabem que nada os toca,
que nada os convence,
que nada os redime.
E eu, que vejo?
Vejo ruínas erguidas como templos,
mentiras coroadas como verdades,
a história dobrando-se sobre si mesma
como um espectro de vergonha.
Dizem-me: "A história julgará."
Mas que história?
Se forem eles a escrevê-la?
Se o mundo for seu?
Se a verdade for extinta
como um lume apagado no vento?
E então?
E então nada.
Talvez reste apenas o eco,
o resquício de um tempo que poderia ter sido.
Talvez reste apenas este grito—
este grito inútil,
este grito impotente,
este grito que ninguém quer ouvir.
Coroação
Há quem pense que o poder nasce de cima,
mas nunca houve cúpula que não tivesse sido erguida
pelas mãos dos de baixo.
Quem põe a coroa na cabeça de outro
assina a própria servidão,
mesmo que diga que o faz por justiça ou ordem.
O homem que aceita governar
sem ter pedido,
já caiu.
E o povo que o aclama,
também.
O medo não vem de quem manda,
vem de quem obedece por hábito.
E o hábito é o maior inimigo da alma.
Não é preciso revolta,
basta deixar de ajoelhar.
Basta parar de apontar o dedo
e de esperar que apontem por nós.
Porque o verdadeiro governo
é o de si próprio.
E a única coroa que vale
é a que não se vê —
a que se acende dentro,
quando se escolhe ser livre
sem precisar de mandar.
A Dádiva
Numa casa pobre,
onde o chão é frio
e a mesa tem mais remendos que pão,
uma mulher cozinha.
Não tem quase nada —
só dois filhos de olhos grandes
e um coração que lhe sobra no peito.
Então frita esse coração
como se fosse alimento.
Fá-lo sem pensar em sacrifício,
sem esperar glória,
sem procurar virtude.
Fá-lo porque é o que há a fazer.
E ao dar-se assim,
inteira,
sem palavras grandes
nem promessas de eternidade,
torna-se mais livre
do que todos os senhores do mundo.
Os filhos olham
e não sabem ainda
que assistem a um milagre:
não o da multiplicação dos pães,
mas o da multiplicação do amor.
Ela,
sem o saber,
ensinou-lhes tudo.
O Saber Não Grita
Não fales alto,
se o que tens no peito
é só o eco do vazio.
O que gritas
são móveis partidos
de um sótão esquecido,
falsas certezas
com cheiro a mofo.
Prefiro o silêncio
do que leu e guardou,
não para vencer a discussão,
mas para entender o mundo.
Há em cada estante
um tempo escolhido
para não responder,
para ser livre
da necessidade de ter razão.
Não te imponhas:
quem precisa de gritar
já perdeu.
Ser é deixar estar.
Pensar é não temer
o que não se diz.
"A Sombra do Que Somos"
Sentam-se
como quem deseja paz,
mas nas costas
o velho instinto
abre a boca.
Não é o que se diz,
nem o que se cala,
mas o que se traz escondido
que constrói o ruído.
Ser amigo
não é sorrir de frente
com o punhal por trás.
É sabermos que em nós
também há serpentes,
mas que podemos escolher
não lhes dar voz.
A sombra é apenas
o que não soubemos iluminar.
E amar, talvez,
seja aprender a conversar
com o que ainda nos morde por dentro.
Veem-me cinzento.
Mas não é por falta de cor —
é por não pintarem devagar.
Não sou o que mostro.
Sou o que seguro para não cair.
O que calei para não ferir.
O que deixei por dizer
quando me disseram que já não havia tempo.
Aprendi a vestir sombras
com a dignidade de quem sabe
que até a noite tem camadas.
Ergui castelos no ar
com mapas rasgados.
Com linhas tortas, sim,
mas desenhadas com silêncio aceso.
Procurei luz sem a pedir.
Preferi arder por dentro
a que me apontassem o fogo.
E quando me disseram que o mundo era
preto ou branco,
guardei as cores no bolso.
Não para esconder —
mas para que alguém as quisesse ver.
Sou feito de todas as coisas
que não se veem à primeira.
De silêncios que gritam.
De memórias que ainda não aconteceram.
De palavras que nasceram antes da boca.
Não preciso de ser lido.
Mas se me lerem, que não me distorçam.
Procurem a cor, não as trevas.
As que tremem.
As que resistem.
As que sou.
Ser feliz não é possuir o mundo nas mãos, nem somar vitórias como quem coleciona medalhas enferrujadas.
Ser feliz é mais silencioso. É reconhecer que o pouco que nos acompanha já carrega em si o inteiro da vida.
Não se trata de ter tudo, porque o tudo é sempre uma miragem que se afasta quando pensamos alcançá-la.
Trata-se de agradecer o instante, o gesto, o olhar que nos acolhe, o pão simples sobre a mesa, a respiração que insiste em continuar.
A felicidade, afinal, não é abundância, mas presença.
Não é conquista, mas gratidão.
É o vazio que se ilumina quando aceitamos que nada nos falta, mesmo quando falta tanto.
No fundo, ser feliz é aprender a olhar para o que temos e descobrir que aí já mora um universo inteiro.
"Meu amor, eu estou tão solitária. Recorro aos anjos para que me enviem seu amor eterno. Sou como a virgem diante de ti, mas a carência me corrói por dentro. Porque me olhas tanto? Não vê que o fogo da paixão percorre os meus olhos com rapidez. Passos lentos, eu estou sentindo o perfume das flores. Sentindo a tua falta por demais até.
Penso que percorro as mãos em tua nuca, os meus lábios o mais doces que tu beijaste. Eu estou delirando agora, nunca estive tão feliz.
Ilusão minha, passagem idiota.
Quando mais tarde me levar ao quarto, a cama terá lençóis frios, brancos e limpos. No outro dia me abandonará dormindo mais tarde. Esquecerei o teu nome, a vida é assim.
Ninguém passava a achar moralíssimo matar o pai e casar-se com a mãe após assistir Sófocles na Grécia Antiga, nem tampouco adulterava após aplaudir o teatro de Nelson Rodrigues, ao contrário. Ver toda a miséria humana no palco sempre causou ojeriza ao público perante sua hediondez revelada.
Pode parecer simplista encontrar Deus lendo um livro, deitado na cama, numa terça-feira à noite, mas a complexidade do que senti é inexplicável. Nelson dizia que Deus só visita igrejas vazias. Faço a analogia com nós: quando enxergamos o vazio da nossa igreja, há uma possibilidade grande de Deus estar ali. Só sinta.
Onde antes floresciam debates, agora restam trincheiras. Cada opinião, uma bandeira; cada silêncio, uma suspeita. O medo de falar cala, sufoca, e a liberdade de expressão definha, encurralada pela vigilância implacável da hipersensibilidade. Escolhem-se as vias do ódio e da vitimização, em vez do entendimento.
Em cada eleição, os discursos ecoam vazios, sem derrotados, só vencedores, apenas vozes que se entrelaçam em mundos paralelos. Numa dança de negação, transformam derrotas em vitórias imaginárias, sucessos irreais pintados com palavras ocas. O povo, cansado de ilusões, refugia-se na abstenção, um grito silencioso contra a hipocrisia que permeia o ar. A verdade dissolve-se em mentiras doces, enquanto a realidade se esvai, esquecida, na sombra de promessas vãs. No fim, quem vence é o cansaço, e a esperança esvai-se, como um eco distante no espetáculo da falsidade.
Às vezes, buscamos sem encontrar, outras encontramos sem alcançar, e mesmo alcançando, por vezes não conseguimos materializar. Mas não me afeta, nem compromete quem sou, nem o que busco e não serei menos que o melhor de mim. Importa é persistir, pois é na busca constante que se revela o verdadeiro valor da jornada e o poder transformador que nela habita.
"A verdadeira pobreza não se encontra na falta de riqueza material, mas na esterilidade da imaginação, na monotonia dos horizontes vazios. São os sonhos que nos guiam, nos impulsionam para além do que parece impossível, que nos fazem sentir vivos. Assim, o homem mais desfavorecido não é aquele sem moedas no bolso, mas o que vive sem sonhos, vagueando num deserto de promessas vazias."
Nesta jornada, não passo de um peregrino em busca de tesouros imateriais. Não me iludem as riquezas efêmeras que se dissipam com o tempo, pois busco a minha fortuna nos valores que transcendem o efêmero. A verdadeira grandeza não se mensura em tesouros materiais, mas sim na nobreza de caráter e no exemplo de fraternidade. Como o compasso guia o caminho do pedreiro na construção da perfeição, assim também busco orientar-me pelos princípios da retidão e da justiça. Árduo é o trabalho, que transforma a pedra bruta em cúbica, moldando não apenas a matéria, mas também o próprio ser. Assim, trilho o caminho da eternidade, onde a verdadeira riqueza é forjada pela integridade e pela generosidade de espírito, como o esquadro que mede a retidão do coração.
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