Conto Amor de Clarice Lispector
O monge que queria ver Cristo.
livro: Pontos e Contos
Irmão X.
Conta-nos Longfellow a história de um monge que passou muitos anos, rogando uma visão do Cristo. Certa manhã, quando orava, viu Jesus ao seu lado e caiu de joelhos, em jubilosa adoração.
No mesmo instante o sino do convento derramou-se em significativas badaladas. Era a hora de socorrer os doentes e aflitos, à porta da casa e, naquele momento, o trabalho lhe pertencia. O clérigo relutou, mas, com imenso esforço, levantou-se e foi cumprir as obrigações que Lhe competiam.
Serviu pacientemente ao povo, no grande portão do mosteiro, não obstante amargurado por haver interrompido a indefinível contemplação. Voltando, porém, à cela, após o dever cumprido, oh maravilha! Chorando e rindo de alegria, observou que o Senhor o aguardava no cubículo e, ajoelhando-se, de novo, no êxtase que o possuía, ouviu o Mestre que Lhe disse, bondoso:
“ - Se houvesses permanecido aqui, eu teria fugido.”
Assim, de nossa parte, dentro do ministério que hoje nos cabe, não nos é lícito desertar da luta e sim cooperar, dentro dela, para a vitória do Sumo Bem.
"Juventude e Silêncio da Alma:
O Despertar Espiritual em um Mundo Barulhento"
Há uma tragédia silenciosa que se alastra nas gerações mais jovens e não está nas telas, nas ruas ou nos ruídos que preenchem a existência moderna, mas sim no íntimo de corações que sentem demais, e por isso, sofrem. Em meio a um mundo que valoriza o imediatismo e a aparência, muitos jovens trazem dentro de si um clamor que não encontram palavras para expressar. São almas generosas, sensíveis, vocacionadas à luz, mas que se sentem deslocadas numa sociedade que parece premiar a superficialidade e o egoísmo.
O Espiritismo, como doutrina consoladora e racional, surge justamente como um abrigo para esses corações inquietos. Mas o encontro entre o jovem e o Espiritismo não é simples é, antes, um diálogo de almas: o jovem busca sentido, e o Espiritismo oferece luz; o jovem busca acolhimento, e o Espiritismo propõe responsabilidade; o jovem quer sentir Deus, e o Espiritismo o convida a compreendê-Lo pela razão.
Sob o ponto de vista filosófico, essa busca é o eco natural da alma imortal que, ao reencarnar num século de transição moral, encontra-se diante do velho dilema socrático o “Conhece-te a ti mesmo”. O jovem espírita de hoje é o novo filósofo da alma, pois precisa questionar o mundo sem perder a ternura, e indagar o sofrimento sem cair no desespero. Vive o conflito entre a sede de liberdade e o chamado da consciência, entre o impulso dos sentidos e a exigência do Espírito.
Do ponto de vista psicológico, o jovem moderno é o retrato de uma alma em reajuste. A ansiedade que o consome, a solidão que o acompanha e o vazio que sente não são apenas sintomas sociais são expressões de um Espírito em processo de amadurecimento moral. O mundo grita, mas o Espírito quer silêncio. O mundo exige máscaras, mas o Espírito clama por autenticidade. É nesse hiato entre o externo e o interno que se trava a grande batalha do ser. E o Espiritismo, ao oferecer-lhe a compreensão da vida espiritual, não o anestesia — educa-lhe a dor, dá-lhe sentido à espera, mostra-lhe que “muitas vezes, quando o coração mais se dói de solidão e ingratidão, é que está mais próximo de Deus”.
No aspecto moral, o jovem espírita é convidado a ser semente de renovação e não reflexo do mundo. A Doutrina não pede perfeição, mas coerência. É por isso que aos neófitos, àqueles que ainda tateiam os primeiros conceitos e, por desconhecimento, dizem algo anti-doutrinário, nós compreenderemos; mas aos que se dizem realmente Espíritas, por razão de estarem imersos em seu bojo transformador, nós lamentamos quando perdem o senso moral e o testemunho do Evangelho que professam. Porque o jovem que encontrou o Espiritismo tem o dever de não apenas falar sobre a luz, mas de acendê-la dentro de si.
O que o Espiritismo espera dos jovens? Que sejam sinceros, que estudem, que questionem, que sintam, mas, sobretudo, que vivam. Que transformem a fé em ação, a dúvida em pesquisa, o sofrimento em serviço. E o que os jovens esperam do Espiritismo? Que ele os acolha sem julgamentos, que não lhes imponha dogmas, que dialogue com sua dor e sua linguagem que lhes mostre que ser sensível não é fraqueza, mas uma das formas mais puras de força.
Ambos se completam: o Espiritismo precisa do coração ardente da juventude; e a juventude precisa da sabedoria serena do Espiritismo. Um é o ideal que ilumina, o outro é a chama que impulsiona.
Assim, a tragédia silenciosa da alma que sente demais pode tornar-se o prelúdio de uma nova era moral. O jovem que hoje chora em silêncio poderá ser o consolador de amanhã. Pois o Evangelho, quando verdadeiramente vivido, não pede aplausos pede entrega.
E quem, em meio ao barulho do mundo, consegue escutar a própria consciência, esse já começou a ouvir a voz de Deus.
“A Liturgia da Dor:
Quando Amar é Sofrer em Vida pelo Ser Amado”
Texto filosófico e psicológico.
Amar é sofrer em vida não por fraqueza, mas por excesso de humanidade. O amor, quando autêntico, carrega em si o germe do sofrimento, porque nasce do desejo de eternizar o que é efêmero, de reter o que inevitavelmente escapa. Amar é querer aprisionar o tempo no instante em que o olhar do outro nos faz existir; é suplicar à eternidade que não nos apague da memória de quem amamos.
Há uma liturgia secreta na dor amorosa. Ela purifica, depura, torna o ser mais lúcido e, paradoxalmente, mais enfermo. O amante vive uma crucificação sem sangue: carrega o peso invisível de um afeto que o mundo não compreende. Vive entre o êxtase e o abismo, entre o beijo e a renúncia. Freud chamaria isso de ambivalência afetiva: a coexistência de prazer e dor em um mesmo movimento da alma. Mas há algo mais profundo algo que a psicologia talvez não alcance, pois o amor, em sua forma mais elevada, é sempre um sacrifício voluntário.
Quem ama verdadeiramente, sofre antes mesmo da perda. Sofre por pressentir a fragilidade do instante, por saber que a ventura é breve, que o corpo é pó e que toda promessa humana é feita sobre ruínas. Esse sofrimento não é patológico, mas metafísico: é o reconhecimento de que a alma, ao amar, toca o eterno e, ao voltar à realidade, sente a mutilação de quem regressa do infinito.
Nietzsche, em seu niilismo luminoso, diria que o amor é a mais bela forma de tragédia, pois ele exige entrega total, sabendo-se fadado ao fim. Amar é afirmar a vida apesar do sofrimento, é dizer “sim” à existência, mesmo sabendo que o objeto amado um dia há de desaparecer. É um heroísmo silencioso, uma luta contra o absurdo.
Mas há também o lado sombrio o amor que se torna cárcere, o sentimento que se alimenta do próprio tormento. A psicologia o chamaria de complexo de mártir, mas o filósofo o vê como a tentativa desesperada de alcançar o absoluto num mundo que só oferece fragmentos. O sofrimento, então, torna-se o altar onde o amante consagra sua fé.
“Amar é sofrer em vida pelo ser amado” eis a verdade dos que ousaram sentir profundamente. É morrer um pouco a cada ausência, é carregar dentro de si a presença que já não se tem. O amor, quando verdadeiro, não busca recompensa: ele é em si o próprio sacrifício.
E talvez seja esse o segredo trágico e belo da existência: somente quem amou até sangrar conhece o sentido oculto de viver. Pois o amor é o único sofrimento que salva, a única dor que eleva. Quem nunca sofreu por amor, nunca amou apenas existiu.
Epílogo:
“Há dores que são preces disfarçadas. E o amor é a mais silenciosa de todas elas.”
QUANDO OS MORTOS FALAM AOS VIVOS.
“E vêm os mortos que estão sempre vivos, falar aos vivos que estão não invariavelmente sempre mortos.”
Escritor:Marcelo Caetano Monteiro .
A sentença, paradoxal e provocadora, nos conduz à reflexão sobre o verdadeiro sentido da vida e da morte. O Espiritismo nos mostra que a morte não é o aniquilamento, mas apenas a transição de uma forma de existência para outra. O corpo se desfaz, mas o ser essencial, o Espírito, permanece, consciente de si mesmo, apto a prosseguir em sua jornada.
É por isso que, desde tempos imemoriais, os chamados “mortos” retornam, não para semear assombro, mas para recordar aos que permanecem na carne que a vida não cessa. Kardec registrou, em O Livro dos Espíritos (questão 149), a pergunta direta: “Que acontece à alma no instante da morte?” – à qual os Espíritos responderam com simplicidade desarmante: “Volta a ser Espírito, isto é, retorna ao mundo dos Espíritos, que deixou momentaneamente.”
Os ditos mortos, portanto, não são mortos: são vivos, mais lúcidos, mais despojados dos véus da ilusão material. Quando se comunicam, vêm advertir-nos de que a existência terrena é apenas um capítulo breve da longa obra da eternidade.
Já os vivos, muitas vezes, parecem mortos: mortos em esperança, mortos em ternura, mortos em fé. Respiram, mas não vivem plenamente; caminham, mas não sabem para onde; acumulam, mas não se enriquecem. É nesse sentido que se tornam “mortos” espirituais, não invariavelmente, mas sempre que se esquecem de sua natureza imortal.
Léon Denis, em Depois da Morte, expressou esse contraste com clareza: “A morte não é a noite, mas a aurora. Para os que sabem ver, é libertação, é ascensão, é vida mais intensa.” Ele nos convida a despertar para a vida real, que não está no corpo que envelhece, mas na alma que progride.
Mensagem consoladora.
Diante disso, o consolo se impõe: não há separação definitiva, não há perda eterna, não há silêncio inquebrantável. Os que amamos, se partem do mundo físico, continuam ao nosso lado, atentos e afetuosos, provando que não morreram. A verdadeira morte seria apenas a da alma que se recusa a amar, que se fecha ao bem, que se deixa endurecer pelo egoísmo.
Assim, quando ouvimos a voz dos que chamamos mortos, ecoando na consciência ou pela via mediúnica, eles nos recordam: vivam, porque nós estamos vivos. A existência prossegue, a esperança permanece, e o reencontro é destino certo.
A morte não rouba ninguém; apenas devolve o ser humano à vida real do Espírito. E se os mortos falam, é para despertar os vivos que ainda dormem na ilusão da matéria.
PASSAR E VIVER:
A perda da presença na contemporaneidade.
Vivemos uma época de velocidade e multiplicidade de estímulos; é cada vez mais difícil distinguir entre simplesmente “passar pela vida” e verdadeiramente “viver”. A diferença não é meramente semântica: trata-se de modalidades profundas de existência que modelam sentido, memória e identidade.
Passar pela vida equivale a ser arrastado pelos acontecimentos: rotinas, reações automáticas, acumulação de experiências sem reflexão. A sensação de que “o tempo passou e eu não” nasce daí não por falta de eventos, mas por ausência de integração. Viver, ao contrário, pressupõe presença reflexiva: observar o que ocorre, extrair significado, transformar percepção em mudança interna. Filósofos existencialistas já chamaram atenção para a urgência dessa presença; a modernidade acrescenta a distração em massa, que pulveriza a atenção e empobrece a memória afetiva.
Essa distinção mobiliza três eixos: atenção (capacidade de permanecer no instante), narrativa (a construção de uma história que dá sentido às experiências) e ética do aprendizado (usar o contato com o mundo para reformular escolhas). Quando a atenção falha, a narrativa racha: memórias perdem detalhes, afetos empobrecem e o sujeito se torna mero espectador de sua própria vida. A consequência mais grave não é apenas tristeza, mas uma erosão progressiva do caráter: escolhas repetidas sem compreensão não educam o interior.
Exemplos concretos
Considere o trabalhador que passa horas em tarefas mecânicas sem refletir sobre finalidade; ou a relação amorosa em que os parceiros acumulam convivência sem escuta deliberada. Ambos acumulam “tempo vivido” sem que o tempo se torne aprendizado. Em contrapartida, pessoas que praticam a reflexão regular mesmo breves momentos diários de atenção plena e análise convertem acontecimentos em pontos de virada pessoal.
A vida plena exige investimento: presença, reflexão e a disciplina de transformar experiência em sabedoria. Não se trata de romantizar cada instante, mas de recuperar a capacidade de aprender com aquilo que nos atravessa. Só assim deixamos de ser presenças fugazes e nos tornamos agentes do próprio destino.
II — Aprender com a vida: um mapa psicológico para o autoconhecimento
Introdução
Aprender com a vida é, antes de tudo, uma operação psicológica. Implica reconhecer padrões, aceitar falhas e transformar sofrimento em possibilidade de crescimento. A psicologia contemporânea oferece ferramentas para que a passagem dos anos se traduza em amadurecimento e resiliência.
Desenvolvimento
O processo de aprendizagem vital envolve três momentos: reconhecimento, processamento e integração. O reconhecimento é aceitar que uma experiência teve impacto (alegria, perda, frustração). O processamento exige que se nomeie a emoção, se analise o contexto e se busque compreensão evitando defesa automática ou repressão. A integração é a etapa transformadora: a experiência altera crenças, comportamentos e estratégias de enfrentamento.
Dois mecanismos clínicos são cruciais: a metacognição (capacidade de pensar sobre os próprios pensamentos) e a reatribuição de sentido (recontar um evento com foco em aprendizado). Pessoas que percorrem esse caminho reduzem sintomas de ansiedade e arrependimento. Psicoterapias baseadas em narrativa e em atenção plena oferecem protocolos práticos: diários reflexivos, reavaliação de episódios-chave e exercícios de exposição emocional assistida.
Ilustração prática
Imagine alguém que repetidamente falha em relacionamentos por medo de intimidade. O primeiro passo é reconhecer o padrão (reconhecimento). Em seguida, mapear crenças (ex.: “se me aproximo serei rejeitado”) e testar hipóteses através de pequenas ações (processamento). Por fim, incorporar novos relatos pessoais "aprendi que posso confiar progressivamente" e ajustar comportamentos (integração).
O resultado é que a história pessoal muda, e com ela a qualidade da vida.
Aprender com a vida é uma prática psicológica: avaliamos, trabalhamos e integramos. Trata-se de uma técnica de humanidade que todos podem cultivar. A transformação não exige heroísmo: exige metodologia diária, coragem para revisitar o passado e disciplina para reescrever o futuro.
III — Transformar passagem em sentido: práticas éticas e exercícios cotidianos.
Introdução
A diferença entre ter a vida como passagem ou como sala de aprendizagem é, muitas vezes, prática mais do que teórica. Este artigo propõe exercícios concretos e um pequeno código ético para transformar rotina em terreno de crescimento.
Desenvolvimento — Princípios éticos.
1. Presença deliberada: priorizar momentos onde a atenção é inteira (conversas, refeições, trabalho criativo).
2. Responsabilidade interpretativa: assumir que a interpretação dos fatos está sujeita a revisão; não culpar o externo sempre.
3. Curiosidade compassiva: investigar erros sem autocondenação, mas com compromisso de mudança.
4. Reciprocidade transformadora: fazer com os outros o que se espera de si mesmo aprender em comunidade.
A MULHER QUE TOCAVA ESTRELAS COM A ALMA.
Numa manhã fria de março de 1857, na cidade escocesa de Dundee, nasceu Williamina Paton Stevens Fleming — uma menina que, ainda antes de conhecer o céu, já carregava as estrelas dentro de si.
Aos 14 anos, já era professora.
Mais tarde, foi abandonada grávida pelo marido ao chegar aos EUA.
Sem opções, tornou-se empregada doméstica…
…na casa do diretor do Observatório de Harvard.
Frustrado com seus assistentes homens, ele disse:
“Minha criada escocesa faria um trabalho melhor que todos vocês.”
E fez.
Em 1881, Williamina trocou o avental pelas lentes astronômicas.
Sem diploma. Sem cátedra.
Mas com a mente brilhante e a alma determinada.
Foi pioneira entre as “Computadores de Harvard”, um grupo de mulheres que — nos bastidores da ciência — traçou os mapas do céu com os próprios olhos.
*Ela catalogou mais de 10.000 estrelas.
*Descobriu 10 novas.
*Identificou 59 nebulosas e mais de 300 estrelas variáveis.
*Criou o sistema de classificação estelar ainda usado hoje.
Num universo dominado por homens, ela se tornou a primeira mulher membro honorário da Real Sociedade Astronômica.
Williamina não apenas estudou as estrelas.
Ela se tornou uma.
Inspiração que atravessa séculos
Mesmo invisível aos olhos de seu tempo, ela redesenhou o céu.
E nos ensinou que é possível renascer das cinzas,
brilhar no silêncio,
e escrever a própria constelação — com coragem.
“Quando você sentir que está à margem da história, lembre-se: até as constelações só se formam depois de noites inteiras de paciência.”
ALÉM DA DOR
Por mais densas que sejam as névoas que se interpõem entre ti e a claridade dos dias, lembra-te de que, além delas, a harmonia divina sustenta o universo em silencioso equilíbrio. Nada é desordem na Criação — o que parece caos é apenas parte de uma sinfonia que ainda não compreendes por inteiro.
As cores vivas da esperança e da alegria não nascem fora de ti: germinam primeiro no campo interior da alma. Aprende, pois, a vê-las em ti mesmo, e o mundo refletirá o brilho do teu olhar pacificado.
Não te detenhas nas sombras dos que te julgam ou te ferem. Preocupa-te, antes, em conservar o coração livre de ressentimentos, porque o rancor é a febre da alma que adoece o corpo e entorpece o espírito. O perdão, ao contrário, é a higiene moral que restaura o equilíbrio e reconstrói a saúde interior.
Quem ama verdadeiramente ultrapassa as fronteiras do ego, e encontra, no gesto simples de compreender, o segredo da serenidade. Se alguém não te estima, não te amargures: cada um projeta no outro o que ainda traz em si. Tu, porém, nasceste para aprender a amar — e o amor é a mais alta escola da evolução.
Não te iludas: a tarefa é árdua, mas profundamente libertadora. Cada vez que renuncias ao revide, uma nova luz se acende em ti. As vozes que te acusam hoje, amanhã se calarão diante da força silenciosa do bem que praticas.
Segue, pois, fazendo o bem sem interrogações. A dor é uma névoa passageira, mas o amor é o sol eterno que jamais se apaga.
Muita paz e que tua luz brilhe sem pressa, mas com verdade.
“Quando o Mármore Respira”
- Camille Marie Monfort.
A noite se desdobrou sobre o cemitério como um véu de penumbra.
As árvores — velhas sentinelas balançavam suas copas como se quisessem abençoar ou advertir o homem que caminhava sem rumo.
Joseph trazia nas mãos um círio aceso. A chama, tímida, tremia — como se reconhecesse o frio que saía das tumbas.
Parou diante da lápide de Camille.
O nome dela — Camille Marie Monfort parecia gravado não em pedra, mas em sua própria consciência.
Sentou-se. O vento lhe tocou o rosto como um hálito que vem de dentro da terra.
— Camille… — murmurou — se foste tu quem morreu, por que sou eu quem não vive?
O círio oscilou.
Um perfume leve, impossível de identificar, espalhou-se no ar.
Não era de flor era de lembrança.
Então ele ouviu ou julgou ouvir uma voz.
Suave, distante, atravessando o tempo:
“Joseph… tu não me mataste. Apenas esqueceste que o amor, quando não cabe na terra, precisa aprender a ser silêncio.”
Joseph estremeceu. As lágrimas, frias, desciam como se fossem do túmulo para os seus olhos.
A voz continuou, agora mais perto:
“Foste tu quem me libertou do peso do corpo, mas foste também quem me prendeu ao eco do teu arrependimento. Não chores por mim — chora por ti, que ainda não sabes morrer o suficiente para me encontrar.”
Ele caiu de joelhos, com o círio apagando-se entre os dedos.
O vento cessou.
Por um instante, o cemitério inteiro pareceu respirar.
Camille estava ali não como lembrança, mas como presença.
O ar se tornou denso, quase luminoso.
E Joseph, tomado de uma febre serena, sentiu que a fronteira entre o delírio e o mediúnico se desfazia.
— Camille… és tu?
— Sou o que resta de ti, Joseph.
O homem sorriu, num gesto de quem reconhece a própria condenação.
E o silêncio os envolveu não como fim, mas como pacto.
“O Círio e o Espelho”
Será que fui eu, Camille, quem te matou?
Ou foste tu quem morreu de mim — exausta das sombras que te dei por abrigo?
O sangue que escorreu em meu pulso era o mesmo que um dia te alimentou no beijo.
E, quando o frio tocou a tua pele, foi a minha febre que te cobriu.
Sim, talvez eu tenha te assassinado,
não com ferro,
mas com a insistência de querer-te além da carne,
com o desejo que te prendeu ao silêncio do meu delírio.
No espelho do teu túmulo, vejo o reflexo que me acusa —
e é o meu próprio rosto.
O assassino e o morto dividem o mesmo corpo,
a mesma lembrança,
a mesma culpa.
Porque, no fim, amor e morte são irmãos e eu, Joseph, sou o órfão de ambos.
Você conhece a história do "Cisne Negro", Elizabeth Taylor Greenfield?
Nascida na escravidão em algum momento entre 1818-1826 em Natchez, Mississippi, Elizabeth Taylor Greenfield tinha poucos motivos para sonhar com a vida que eventualmente se tornaria sua. Por causa de uma série de circunstâncias improváveis e seus próprios esforços incansáveis, ela acabaria se tornando conhecida como a primeira cantora afro-americana a ganhar reconhecimento na Europa e nos Estados Unidos.
Elizabeth Taylor Greenfield foi chamada de "Cisne Negro" por causa da elegância de sua voz e da graça de sua presença. Nascida escrava em Natchez, MS, ela foi libertada quando sua amante se juntou à Sociedade dos Amigos, que era contra a escravidão.
Elizabeth começou a estudar música em 1846 e, em 1854, tornou-se a primeira cantora afro-americana a se apresentar para a família real britânica.
Ela faleceu em 1876.
Gandhi, ao contemplar a vitrine repleta de bens materiais e dizer: “Estou vendo justamente tudo o que eu não preciso”, revela o grau supremo de autossuficiência moral e espiritual a que o ser humano pode chegar.
Ele não via pobreza em si mesmo, mas riqueza na simplicidade. O olhar de Gandhi não era de desejo, mas de consciência consciência de que a verdadeira liberdade não está em possuir, mas em não ser possuído.
Mensagem final.
O amor, quando vivido em sua expressão mais pura, não é um sentimento é uma decisão de alma. Gandhi decidiu amar, e por isso continua vivo, não nas estátuas, mas na consciência de quem compreende que a única revolução capaz de salvar o mundo é aquela que começa no coração humano.
Entre a Solidão e a Incompreensão.
“Existem pessoas que não reclamam da solidão mais que aquelas que as criticam. Existem mais pessoas incompreendidas que solitárias.”
Há uma diferença sutil, porém decisiva, entre estar só e não ser compreendido.
A solidão pode ser um retiro voluntário da alma que busca silêncio para florescer. Já a incompreensão é um exílio imposto — um afastamento moral que nasce quando o coração fala uma linguagem que os outros não escutam.
Muitos temem a solidão porque confundem o recolhimento com abandono.
Entretanto, há espíritos que, mesmo isolados, irradiam presença e serenidade, enquanto outros, rodeados de vozes, sentem o peso do vazio interior.
A verdadeira solidão não está na ausência de corpos próximos, mas na ausência de almas que nos compreendam.
Psicologicamente, a incompreensão toca uma ferida ancestral: o desejo de sermos aceitos como somos.
Quando o ser percebe que sua maneira de sentir é distinta, que seus valores destoam da pressa e da superficialidade do mundo, ele se recolhe não por fuga, mas por proteção da própria sensibilidade.
É nesse silêncio que o autoconhecimento floresce, e a alma aprende a encontrar em Deus o eco que faltou nos homens.
A existência nos ensina que toda alma traz experiências múltiplas, provenientes de outras existências, o que explica a diferença de maturidade espiritual entre os seres.
Muitas vezes, quem hoje é incompreendido caminha alguns passos à frente, porque já compreendeu o que os outros ainda temem enxergar.
Por isso, a solidão, para o Espírito evoluído, deixa de ser dor e se transforma em laboratório de luz interior.
“Quando a Vida Te Obriga a Mudar”
Há momentos em que o mundo parece se mover sob nossos pés, sem aviso. Situações que nos arrancam da zona de conforto, desmoronam planos, silenciam certezas. O que antes parecia estável se desmancha em segundos e então compreendemos, entre lágrimas e espantos, que a vida não nos pede permissão para nos transformar. Ela simplesmente o faz.
Não há manual para o instante em que tudo desaba. Mas existe um chamado silencioso dentro de cada um de nós uma força que sussurra: ou mudas, ou serás mudado. É uma frase simples, mas carrega o peso de séculos de evolução humana e espiritual. Porque mudar por escolha é ato de coragem; mudar pela dor é rendição inevitável.
A diferença entre um e outro está na consciência.
Aquele que desperta antes da ruína percebe os sinais sutis do destino as pequenas frustrações, os encontros fortuitos, os alertas do corpo e da alma. Ele aprende a ler a linguagem da vida antes que ela precise gritar. Já o outro, distraído por medos e apegos, só compreende quando a dor o sacode. Ainda assim, não há culpa nisso. A dor é apenas o método extremo que a existência utiliza para nos fazer ver o que ignoramos.
Do ponto de vista filosófico, mudar é a arte de morrer sem deixar de existir. É permitir que partes de nós, velhas e cansadas, cedam espaço ao novo. Heráclito já dizia: “Nada é permanente, exceto a mudança.” E talvez essa seja a mais difícil das lições humanas: aceitar que até o amor, o pensamento e a fé precisam se renovar.
Sob o olhar psicológico, resistir à mudança é um tipo de autodefesa do ego. O cérebro busca previsibilidade, teme o desconhecido, cria rotinas como muralhas emocionais. Quando a vida rompe essas barreiras, o medo se confunde com dor e muitos chamam de sofrimento o que, na verdade, é apenas a travessia necessária para um novo estado de consciência.
E, no plano moral, mudar é assumir responsabilidade por si. Não há virtude maior do que a humildade de reconhecer o próprio erro, a própria estagnação, e recomeçar. Quem muda não trai o passado apenas o ressignifica. Aprende que crescer não é negar o que fomos, mas compreender que já não somos mais aquilo.
A vida muda, sim.
Mas quando ela o faz com força, não é castigo. É convite.
Convite a ser mais do que aquilo que você julgava possível. Convite a se olhar com ternura e perceber que, sob as ruínas, há uma nova versão de si mesmo pedindo para nascer.
E, ao final de tudo, quando o coração cansado enfim aceita o que o orgulho negava, vem a paz. Uma paz mansa, limpa, quase infantil. A mesma que sentimos quando paramos de lutar contra o vento e, enfim, deixamos que ele nos leve não para longe de nós, mas para o nosso verdadeiro centro.
Conclusão.
A vida muda, ainda que não a compreendamos. E, às vezes, é preciso perder quase tudo para descobrir o que nunca foi perdido: a capacidade de recomeçar. Porque no fundo, a existência não nos quebra ela nos lapida. Cada dor é um cinzel invisível que esculpe em nós a beleza que antes dormia.
Assim, se a vida te obrigar a mudar, deixa que o coração se comova. Chora, mas não resistas. Pois a lágrima que cai é também o orvalho da alma que floresce.
O Perfume da Renúncia.
Há gestos que se dissolvem no ar como perfumes invisíveis fragrâncias da alma que ninguém vê, mas que perfumam silenciosamente a atmosfera onde passam. São as oferendas sutis dos que aprenderam a servir em silêncio, flores humanas que, em vez de buscar aplausos, se abrem ao sol do dever e ao orvalho da dor. Assim é a dedicação em renúncia: um cântico mudo da consciência desperta, um perfume espiritual que não exige olfato para ser sentido.
A flor que se doa não questiona a quem se destina o seu aroma. Ela apenas floresce. Assim também o ser que alcançou o verdadeiro autoconhecimento já não indaga sobre o retorno de suas ações, pois compreendeu que servir é o mais puro estado do amor. Sua existência se faz como uma lâmpada acesa em um aposento onde ninguém entra e, mesmo assim, continua a iluminar.
Quantos caminham entre nós nessa silenciosa via-sacra da bondade anônima? São almas que vivem a felicidade não em palavras, mas em gestos; que suportam o esquecimento com serenidade e transformam a própria dor em brisa consoladora. São aquelas criaturas cuja presença acalma, mesmo quando os lábios emudecem; cuja ausência, paradoxalmente, se faz presença no coração dos que aprenderam a sentir com o espírito.
A renúncia verdadeira não é grito, é eco. Não é ausência, é transfiguração. É o ponto onde o ser humano se despede de si mesmo para encontrar-se em sua essência. Nesse instante de lucidez interior, o coração entende que a vida não é palco, mas altar. E que cada ato de humildade é uma prece sem palavras, uma oferenda sem testemunhas, um perfume que sobe, discreto, à eternidade.
Há uma melancolia suave nessa entrega, porque o renunciante contempla a beleza e sabe que dela não fará uso. Ele toca o sublime e, em vez de retê-lo, o devolve à vida. Essa tristeza, porém, não é desespero é maturidade espiritual. É a nostalgia do Espírito que recorda, no silêncio do dever cumprido, o perfume do lar divino de onde partiu.
Quando a flor murcha, não deixa de ter sido flor; quando o perfume se dispersa, não deixa de ter existido. Assim também o amor que se doa em renúncia jamais se perde: ele permanece, invisível, sustentando o mundo em suas raízes mais secretas.
A servidão, quando nasce da consciência iluminada, não é submissão, mas liberdade. É o ato supremo de quem já não precisa ser visto, porque aprendeu a ver. O autoconhecimento, então, torna-se um espelho onde a alma se reflete e reconhece o rosto sereno da paz dentro de si.
E, nesse ponto, o perfume da flor silenciosa se confunde com o hálito da eternidade.
Moisés e o Limite da Autoria: Entre a Lei Divina e a Lei Humana.
A narrativa mosaica, envolta em reverência e mistério, é um dos pilares da tradição religiosa do Ocidente. Contudo, o capítulo final do Deuteronômio (34), ao descrever a morte e o sepultamento de Moisés, levanta uma questão lógica e incontornável: como poderia o próprio Moisés ter narrado o seu falecimento e o destino do seu corpo, se a morte é a fronteira que separa a ação do homem no mundo dos vivos?
A impossibilidade física e racional dessa autoria direta conduz à compreensão de que a redação final do Pentateuco não pertenceu exclusivamente a Moisés. Tal conclusão, amparada tanto pela crítica textual quanto pela observação teológica, não diminui a grandeza de sua missão, mas a humaniza e a esclarece sob nova luz. A tradição judaica já reconhecia, desde tempos remotos, que Josué, sucessor de Moisés, teria completado o relato, talvez inspirado por revelações espirituais ou pelo dever histórico de perpetuar o testemunho do libertador hebreu.
O Espiritismo, ao abordar essa questão, não nega a autoridade moral de Moisés, mas distingue com discernimento doutrinário o que pertence à lei divina e o que pertence à lei humana. Allan Kardec, em O Livro dos Espíritos, questão 621, afirma que “a lei de Deus está escrita na consciência”, mostrando que a essência divina da moral transcende os códigos e as letras, sendo anterior a qualquer mandamento esculpido em pedra.
Moisés, portanto, foi o instrumento de revelação parcial dessa lei eterna, adequando-a a um povo rude, recém-liberto da escravidão e carente de disciplina. Por isso, muitas leis humanas de caráter punitivo, tribal ou cerimonial foram atribuídas a Deus como forma de impor autoridade e conter a desordem. Assim, as prescrições severas de sua época, que regulavam desde a alimentação até as punições corporais, não expressavam a pureza da lei divina, mas uma necessidade pedagógica, conforme o grau de entendimento daquele povo primitivo.
No Espiritismo, compreende-se que a Lei Divina é imutável, enquanto a lei humana é transitória e adaptável às condições morais de cada tempo. Moisés foi o legislador que, sob a inspiração superior, trouxe a humanidade da barbárie para a justiça. Jesus, séculos depois, veio transformar a justiça em amor.
Assim, quando se lê o Deuteronômio 34 e se percebe que Moisés não poderia descrever sua própria morte, não se atenta apenas a um detalhe textual, mas a um símbolo espiritual: a obra do homem termina no deserto, mas a obra de Deus continua na Terra Prometida.
Moisés cumpriu a parte que lhe cabia a da lei e da disciplina. Coube a outros, inspirados, registrar a sua partida e preparar o caminho para o advento da revelação mais pura: a do Cristo.
“A lei mosaica era apropriada ao tempo e ao grau de adiantamento dos homens a quem era destinada.”
(O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. I, item 2 — Allan Kardec)
Assim, a impossibilidade de Moisés narrar sua própria morte não é uma falha do texto sagrado, mas um indício da ação coletiva da Providência, que se manifesta por instrumentos sucessivos, até que a humanidade compreenda plenamente que a lei divina não se escreve apenas em livros, mas no íntimo da alma imortal.
A EMPATIA ENFERMA.
Há quem diga que alguns seres se comprazem em cultivar a estima da pobreza, como se nela repousasse um símbolo de virtude ou redenção. Tais observações, lançadas com a frieza das conveniências humanas, soam muitas vezes como sentenças ditas sem alma e, quando atingem o ouvido de quem sente, doem profundamente.
A dor que nasce desse julgamento não é apenas pessoal: é o reflexo da incompreensão coletiva diante das almas que sofrem em silêncio. Enquanto uns observam de longe, outros carregam, nos ombros invisíveis, o peso de mundos interiores dores que não se exibem, mas que educam.
É então que se faz clara a urgência de criarmos núcleos de esclarecimento, não sobre a miséria material, mas sobre o amor ignorado. Esse amor que ainda não aprendeu a ver o outro sem medir-lhe o valor; que não sabe servir sem exigir aplausos; que ainda confunde compaixão com piedade.
Cultuar o amor ignorado é erguer templos de consciência onde antes havia indiferença. É ensinar o coração a compreender antes de julgar, a servir antes de censurar. É abrir, no deserto moral da humanidade, o oásis do entendimento.
Porque o verdadeiro amor aquele que transcende a forma e a posse não necessita de palmas, nem de discursos. Ele apenas é, e em sendo, ilumina.
E talvez seja essa a maior riqueza que possamos distribuir: a de transformar o sofrimento em escola, a crítica em semente, e o silêncio em voz do bem.
O Grupo de Estudos Espíritas Frederico Figner e Seus Trabalhadores
Agradecemos a Deus, fonte de toda sabedoria e luz, a Allan Kardec e aos Espíritos amigos que, com benevolência e zelo, se comprazem em nos assistir. Pelo amparo que nos oferecem, temos podido conduzir com serenidade, disciplina e sincero propósito de aprendizado as atividades do Departamento de Estudos do Livro dos Espíritos, realizadas todos os domingos, às 17h50.
Nessas reuniões, buscamos compreender, com respeito e dedicação, as propostas elevadas que o Espiritismo nos apresenta, enriquecidas pelas valiosas contribuições e reflexões dos participantes, em ambiente de paz e fraternidade.
MARIA AO PÉ DA CRUZ.
Do livro: Nas Sandálias do Nazareno.
Capítulo 10, 15 de dezembro - ano 2000..
Autor: Escritor:Marcelo Caetano Monteiro .
Lá no Calvário estava Maria, olhando o Filho amado agora suspenso no madeiro da cruz.
Ajoelhada sob as próprias lágrimas, via, entre o pranto e a dor, as lembranças suaves de um tempo distante o tempo em que o seu menino lhe sorria com inocência divina.
Agora, porém, seus olhos olhos flagelados pela dor viam em cada ferida o sacrifício do Amor.
Jesus, submisso à cruz, deixava-se deitar sobre o instrumento que o dilaceraria.
Os soldados, cegos de ódio, riam em insânia; e ele, o Cordeiro sereno, ajudava a acomodar-se sobre o madeiro, como quem abraça a própria missão.
Martelos erguiam-se.
Mãos e pés do Justo eram transpassados pelos cravos, enquanto o Amor respondia com perdão.
No meio do rumor dos golpes e dos gemidos, Maria era puro sangue em lágrimas lágrimas que se transmutavam em luz.
A cruz então se ergueu.
O corpo de Jesus pendeu, comprimindo-lhe os pulmões; o ar lhe faltava.
Movimentou-se apenas um pouco, como quem busca aliviar o peso dos cravos.
Maria — Mãe — permanecia ali, diante do Rei dos Reis, sofrendo as mesmas dores do seu eterno Menino.
Ouviu, entre soluços, a voz blasfema de um dos crucificados, clamando por libertação.
O coração de Maria estremeceu seu Filho era inocente.
Mas outro grito, agora de fé, fez-se ouvir: era Dimas, o bom ladrão.
— Tu não vês? Ele é inocente... mas nós, nós merecemos!
Mestre, lembra-te de mim quando estiveres em Teu Reino.
Jesus, exaurido, contemplou-o com doçura.
E no sopro que lhe restava prometeu-lhe o Amor:
— Hoje mesmo, estarás comigo no Paraíso.
Ah, Maria...
Que amor é esse? Que hora é essa?
Em êxtase de dor e compreensão, a Mãe vê, em visão espiritual, outras mulheres mães, esposas, irmãs cujos corações se despedaçavam ante o mesmo suplício de ver morrerem os seus.
Abraçou-as com o olhar e, em cada uma delas, reconheceu o espelho da própria dor.
E foi ali, no auge do sofrimento, que Maria compreendeu plenamente quem era o seu Menino e por que viera ao mundo.
O silêncio então tomou o Monte da Caveira.
Sombras invisíveis pairavam sobre o crepúsculo da Terra.
Mas Maria continuava sendo luz.
E amando em compreensão, amando a humanidade, mergulhou na claridade do Sol eterno aquele mesmo Sol que era o seu Filho, resplandecendo para os confins dos séculos.
"Eu perdoo porque há dores maiores em mim."
Há feridas que não se veem, mas que brilham como estrelas dentro do peito. São dores antigas, silenciosas, que aprenderam a se calar para não assustar os outros. No entanto, é delas que nasce o perdão não como renúncia, mas como uma forma delicada de libertar o próprio coração.
Perdoar não é esquecer. É olhar para o outro e compreender que ele também se perdeu no caminho, talvez ferido pelas mesmas sombras que um dia nos alcançaram. Há uma nobreza secreta em quem sofre e, ainda assim, escolhe oferecer ternura.
Quando a alma amadurece, descobre que o rancor pesa mais que uma cruz. E é então que o perdão floresce, suave, quase tímido como uma flor que desabrocha no deserto. Ele não apaga a dor, mas a transforma em luz.
Eu perdoo porque compreendo. Porque sei que, se não o fizesse, seria a minha dor que me prenderia ao que já passou. E a vida é tão breve, tão urgente em sua beleza ou mesmo em sua aparente tristeza, que não merece ser gasta guardando espinhos.
Por isso, perdoo.
Não por grandeza, mas por necessidade de respirar. Porque dentro de mim, entre as cicatrizes, ainda há espaço para a pureza.
Quando o Toque se Faz Eternidade.
“O toque, quando autêntico, converte-se em epifania; e o efêmero, subitamente, adquire a dignidade do perene. Por isso, a alegria é o que desejo gravado em meu epitáfio.”
Há instantes, raros e quase inaudíveis, em que a vida se inclina sobre nós com uma doçura antiga. É o instante em que algo um olhar, um som, um gesto toca o centro invisível do ser. É nesse toque, breve como o sopro de uma harpa, que o efêmero deixa de ser apenas passagem: torna-se revelação.
Rilke dizia que “a beleza é o começo do terrível que ainda podemos suportar”.¹ Talvez por isso o artista, o amante, o poeta e o espírito sensível busquem incessantemente essa fronteira onde o instante se ilumina por dentro. É ali que a arte nasce não da vontade, mas da necessidade de transfigurar o transitório em eternidade.
A beleza não salva o mundo apenas por existir: ela o desperta. É uma lembrança de que há um pulso divino em cada forma, uma vibração silenciosa em cada cor, um apelo à transcendência em cada sombra. O toque autêntico, seja o de uma mão, de uma palavra, ou de uma nota musical é a súbita irrupção do eterno no coração do instante.
E quando esse toque acontece, a vida deixa de ser mera sucessão de dias: torna-se rito, poema, oferenda.
Assim, a vida não é mero contentamento, mas gratidão por ter sido tocada pelo indizível.
É no epitáfio da alma que soube sentir, que ousou criar, que amou o belo apesar das ruínas, deve estar escrita apenas uma palavra: Alegria.
¹ Rainer Maria Rilke. Elegias de Duíno, I Elegia. Tradução de Paulo Quintela. Lisboa: Relógio D’Água, 2001.
"A beleza é o instante em que o espírito reconhece, com espanto, que a vida também da dor pode florescer."
