Coleção pessoal de robertleroy

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Devassa

Devassa e carinhosa
Será esse o motivo pelo qual amo-te tanto?
Se para uns causas espanto, para mim, este é o seu encanto

Meus valores definharam
Mas em que eram baseados?
Para te ter, esqueço o que é certo e faço tudo errado

Sua boca sabe por onde descer
Sua língua bem sabe o que fazer
Corpo em chamas, tem doutorado em prazer

Seu ser exala a paixão pelo que é
E, sendo, mantém a fórmula em segredo
Para não vulgarizar-se

A luz que sai de ti
É sábia e profana, rica e artística
Preenche o meu vazio

Do amor és o verdadeiro caminho
E quem carrega coragem para trilhá-lo
Mesmo sob olhares de reprovação
Não se arrepende, nem conhece tristezas

Cuspe

Cuspo sim
Sete vezes no prato em que comi
Importa-me apenas o alimento

Da próxima vez, comerei de mão
E não dar-te-ei o prazer de humilhar-me
A sua caridade foi desmascarada

Subitamente, um olhar malicioso se forma
Sobrancelhas capciosas
Usastes da minha fraqueza para se fortalecer

Mas em seu nutriente egoísta
Encontrarás o veneno que te espera
E sentirás a dor, mesmo que inconsciente

Como uma peste sem cura
Esta é a minha praga
Por sete gerações

E não verás a luz
Mesmo que enxergue
E sentirás a cruz

Não terás alegrias
Mesmo que insistas em sorrir
E não encontrarás a felicidade

Não terás conhecimento
Mesmo que tenhas informação
Serás um eterno ignorante

Não se sentirás acompanhado
Mesmo que cercado de centenas de pessoas
Serás a solidão e o esquecimento

Desejo-te agora boa sorte
E cuspo mais sete vezes no prato em que comi
Para que mantenha o mesmo nojo
E não volte a repetir este maldito erro

Amor perdido

O amor não fez sentido
Nesse mundo mesquinho e sem graça
Talvez porque seja ele a presa e não o predador
Não vale um latão

O amor está fora de moda
Quase ninguém o veste mais
O amor não é incentivado
E quem ama vive a ser crucificado

Quem ama é taxado de besta, otário
Sofredor, masoquista, palhaço
Muito mais fácil é não envolver-se
Usar maquiagens para disfarçar-se

O amor que falta no mundo
Sobra em mim, sobrecarga
Mas o que isso importa
Se não encontro outros corações para reparti-lo?

O amor está velho, impotente
Está cansado e carente
O amor sente falta dos encontros
Do descompromisso nunca omisso e dos sonhos a dois

O amor sente falta do romantismo
O amor sente falta da paixão
O amor sente falta da saudade
O amor sente falta da falta que ele faz

O amor anda sozinho e chuta latas
Frequenta diariamente os becos escuros e as ruas sem saída
Esconde a sua esperança no bolso
E transita sem chamar atenção

O amor embriaga-se para esquecer a rejeição
O amor não chora para mostrar que ainda é forte
O amor está rouco e evita expressar-se
O amor está louco, a ponto de suicidar-se

Bernardo Almeida

A chuva e o absurdo

E eu que sou tão pobre, fraco e envergonhado
Sou aquele que tem medo do espelho
Mas nunca admite
E eu que sou tão baixo e retrógrado
Tão louco, difuso e passional
Se fosses minha, saberia...

Eu sou o absurdo mais inconcebível da humanidade
Sou cinzas e tristezas
Sou frustrações e decepções
Sou noites em claro
Sou a ferida que não cura
Sou aquele que ama calado
Sou a décima xícara de café

E eu que sou tão parvo
Que choro escondido e peço segredo
Que sofro as decepções da humanidade
Ainda que tente firme esquivar-me

E eu que sou tão medonho
Em meio a este sonho insólito e enfadonho
Que durmo de luzes acesas
Não quero ser a sombra de ninguém

Mas como viverei daqui adiante?
A sobrevivência guarda para mim o fracasso?
Não quero saber o que me reservam os dias
Por meio tempo sou a vida que nunca quis
Sou o ano mais longo
A aventura menos fantástica
O livro mais chato
A solidão e o infortúnio de um canto de parede
Sujo e mal iluminado

E eu que me encontro neste dia de chuva
Cubro meu corpo nu
Enquanto escuto calmo a chuva cair

Bernardo Almeida

Pagão

Livro-me dos meus pecados cometendo outros
Novos, picantes e furtivamente lascivos
Sinceros, profundos e deliciosamente proibidos

Livro-me dos meus pecados falando de amor
Sendo condenado pelos olhares que nada me dizem
A não ser que são infelizes e por isso julgam demais

Livro-me dos meus pecados profanando a dureza da razão
Contestando-a diante de sentimentos que desestruturam
Qualquer lei ou idéia aceita como verdade universal

Livro-me dos meus pecados sem fazer esforços
E tomo como minhas as palavras do poeta que afirmava
Não conhecer pecados, apenas prazeres

Bernardo Almeida

Perfume

Escuto seu perfume a me chamar
Manhã e noite ele me diz querer mais
Borrifo novas gotas de mim em você
E seus olhos brilham, a sua pele resplandece

Permaneço ao seu dispor, à sua vontade
Sabes que de mim tens os possíveis mais impossíveis
Acaricia-me devagar, apenas para fazer-me lembrar seu nome
Abraçado em seu gosto, seu rosto, seu corpo

Sê a viga que sustenta a minha vida
E me poupa das próximas perguntas, tão dispensáveis
Traz no meu pedido a sua resposta
Põe o seu mais belo vestido e aceita o meu cheiro em ti mais uma vez

Ditadura do relógio

Correr não é andar mais rápido
Mas sim um pedido de enfarto
Aos quinze minutos do primeiro tempo da vida

Geração exonerada

Na distinção entre um sorriso e uma lágrima
Pende para o absurdo desejo da catástrofe
Uma pavorosa mania não mais possível
De ser expressa por meio de gestos calculados
Os movimentos, seqüencialmente imperceptíveis,
Protegem o esquecimento que tomará conta da sua alma
Descarnada, desnuda, etérea, imaterial
Dilacerada e agredida como cada milímetro da sua ossada
Escondes este peso em um jazigo distante
Onde apenas olhares mortos te alcançam
Colabora com a terra que fornece a colheita
Da qual tanto te beneficiaste em vida
Colha agora a raiz, e deixa o fruto para os que restam
Contentas-te com a jaula em que te encerras
Sem praguejar contra o fardo que te aflige
O teu rastro, em breve, será apagado
Para que as novas gerações sejam mais belas e ternas
Menos hipócrita, sujismunda, atávica e apática
Como as guardas, os punhos, os corações e as lanças
Dessa tacanha representação da realidade humana

Bernardo Almeida

Escrever é cometer um crime a cada linha. Ler é cometer dois a cada palavra.

Bernardo Almeida

Leito

Em terreno árido, o homem padece.
Em disputas vãs, o homem se degrada.
Em dias cinzas, o homem perde a graça.
Em seu sorriso ameno, o homem encontra a paz.
Em vozes autoritárias, o homem perde a compaixão.
Em mãos agressivas, o homem perde o amor.
Em dogmas, o homem perde a liberdade.
Em seus seios, o homem conquista o direito de existir.

Bernardo Almeida

Crença e aparência

Quem crê no amor e nunca chorou
Dificilmente amou
Quem crê no amor e nunca sofreu
Dificilmente amou
Quem crê no amor e nunca perdoou
Dificilmente amou
Mas quem ainda crê no amor?
O amor foi reduzido a desejo
Passageiro, ligeiro
Um sem número de parceiros
Companheirismo é piegas
Amar alguém é tão brega
A sinceridade está de braços cruzados
A cumplicidade tirou férias
E o compromisso se aposentou
Mas quem ainda crê no amor?
Livre de interesses materiais
Repleto de saudades e lembranças
Os corações estão trancados
Protegidos contra danos
Todo mundo é tão sério e prudente
Falta coragem para amar
É mais fácil possuir do que se entregar
Mas quem ainda crê no amor romântico?
O que era sentimento verdadeiro
Não passa hoje de um jogo entre parceiros
A morte já não separa os casais
O amor morre muito antes
O vinho é transformado em água
Sem sabor, gosto ou cheiro
Sem emoções e sem feições
Quem veio ao mundo e nunca amou
Falar sobre a vida não pode
Porque nada sabe
Porque nada aprendeu além de futilidades
Porque nada sentiu além do trivial
Porque nada entendeu além do óbvio
Porque, ainda que vivo, nunca viveu

Deveras, homem!

Ah, como difícil é ser um homem
Em um mundo tão machista e feminista
Ah, como é difícil sorrir sem ser julgado
Como é difícil chorar sem ser censurado
Ah, como difícil é ser um homem
Em um mundo tão feminino e masculino
Onde os contrários se igualam
E as verdades se anulam
Ah, como é difícil
E você nem sabe do meu esforço
Você nem quer saber
Como é difícil sobreviver entre seus preconceitos de homem
Como é difícil não padecer aos seus padrões tão femininos
Como difícil é ser um macho
Daqueles com M maiúsculo
Que chora, ama e pede colo

Bernardo Almeida

Fruto apodrecido

A maturidade é cômica
Uma piada mal contada
Estranhamente sem graça
Corrupta e absurda

A maturidade é uma armadilha
Quando passa do ponto
Põe um rei em cada barriga
E atira pedra em cada diferença

A maturidade dá frutos podres
Transmite o vírus da hipocrisia
Que limita a visão propositadamente
Para criticar imprudentemente

A maturidade sentir não consegue
Seu próprio cheiro
Que a nada agrada
Além do seu próprio nariz

A maturidade tem o seu caminho
Que julga único e correto
De horizonte estreito e anacrônico
Que a tudo desdenha em tom irônico

Mas não confunda a maturidade
Com a sua prima sapiência
Que não vira as costas para o seu oposto
Nem se incomoda diante da diferença

Não confunda a sabedoria
Com a unilateral maturidade
Que tudo sabe para si
Em sinônimo de perniciosa vaidade

Bernardo Almeida

Perda

As lâminas da paixão
Fatiaram o meu coração
Que sangra e pára
Não bate, não vibra, não late

Assumirei os suspiros
Os erros e os acertos
Assumirei meus rumos
Os corretos e os falsos

As mudanças em minha mão
Ela leu, mentiu e descumpriu a missão
As promessas desse verão
Foram todas abandonadas no porão

Vítima sem súplicas e sem deslizes
Primários sentimentos e algumas cicatrizes
Uma vez ferido, sempre em fuga
Uma vez pecador, sempre culpa

Mais temido do que desejado
Mais esquecido do que lembrado
Naquele dia em que te conheci
Olhei para os lados e nunca mais te vi

Bernardo Almeida

Carne, osso e memórias

Diluiu em pecados
O que um dia foi santo
Sacrificado o eterno em prol do agora
Mundano e estreito
Externo e profano
Corpo exposto
Alma fraca
Lágrimas e silêncios
Novos prantos
Gritos de sinceridade
Uma história mal contada
Difícil de decifrar
Um passado de fugas
Um presente omisso
Você não se reconhece
Nem que apodreça em frente ao espelho
Admire suas falhas
Bem de perto, profundamente
Você ainda consegue se questionar sem se sentir vazio?
Anos luz separam você de você mesmo
E não há nada além disso
Carne, osso e memórias