Coleção pessoal de PatriciaVicensotti

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PASSAGEM

Estou tentando alguma coisa. Nos lentos passos do quarto á sala, um breve presságio. Som de riso na rua é como badalo de sino, me pedindo pressa. A fenda emperrada da janela, esquecida, vigia minha intensa vontade de que no canto de algum cômodo, morra essa urgência. Que se acumula. E se funde ao pó empreguinado e mal varrido. Lá fora, o frio. No tempo e em mim. Tenho medo desse silêncio; dessa umidez excessiva da vida nos meus olhos. Da fé sendo amputada. Do que assim, venho me tornando. Chega o tempo, em que muitas coisas ao redor, vão se indo. Alcançando outros destinos. E me sinto uma passagem desistida na gaveta. Amarelando sonho.

ÂNSIA DE MARIA

Vivia de conter-se,pobre alma; afligia-se por desprovida do mundo.Traços de Maria,como destino das marias,benzia na fronte um repelir ingênuo,quase santificado.Tinha na vida um bem :a mente.Uma única estrada,a qual lhe trazia e a levava ao silêncio das respostas: era por dentro,onde ela mais andava.E nessas voltas,quase sem voltas,definhava em teu rosto a imagem que lhe dera,e como máscara,deixava-se cair.Desnudava as vestes de linho,amarelada e sem vida,e punha sutilmente um olhar,parado,fatalmente destinado,como a gota de lavanda,que (profana),pingara na nuca.Era Maria que vivia calada, nas manhãs e nas tardes; que tecia as lástimas e engomava o pouco de sorte,resignando-as pois, a um fim bem breve.Maria,criava noites que não tinha,e vestida de baile,era tão forte quanto ao batom escarlate.Na meia seda cor da pele,a sobre-pele da menina de chita.Tão fraca e tão viva,tinha cor,agora não mais a de Maria.E era bonita nesses dias...

Que o que sou caminhe simples;
que toque com a sutileza
das coisas livres.

De um sonho,quem sabe a sorte de seguir voando...
Ter mais graça nos dias;mais doçura nas horas.
Alongar a esperança e invadindo a distancia - tocar você.

NOTURNO

A saudade
inspira essa noite.

Véu nebuloso da noite,
que envolve a dança fria:
Mão na palma da minha,
ouvido ao som do teu respiro.

És distante,meu amor.
Mas és tu neste noturno,
a estrela maior.

Tão solitário.
Eu só.
A canção que te aproxima
curva meu dorso crú.

Acendestes as luzes desta noite...

És distante,meu amor.
Mas és tu neste noturno,
a estrela maior.

És meu neste noturno.
Eu tua por deslumbro,
feito anéis de Saturno
a nos casar.

Mulher aos trinta

Nem verde, nem tão madura, aos trinta anos o gosto, a forma, a temperatura ideal. Nem precoce, nem tardia, é ao ponto; é um quê de vinho do porto que se aprecia. É o andar seguro e envolvente de quem faz que desentende o que causa. Não preza mais só largura dos ombros; aos trinta anos, o olhar é mais profundo e veem na inteligência um alto ponto de partida. Se excitam por ideias interessantes.

Ela se faz de desentendida, bebe sozinha, desce do carro com ar de quem é independente. Tão mais mulher, tem tom esnobe, segura de tua capacidade. Gosta de atrair olhares, mais do que beijos. Gosta de despertar desejos e é vício de quem a tem. Ela seduz nos trejeitos e é veneno lento: enlouquece com teu modo de firmar os olhos envoltos, aqueles cílios que como trilhos mostram o caminho - dos vinte, o que aos trinta aperfeiçoou.

Ela joga o cabelo e abre um sorriso, como se nem notasse o desconcerto dos teus vestígios. Aos trinta anos, não quer perguntas, nem se importa tanto com o passado. Ela espera, ela também demora. Sabe que um "agora" perfeito precisa de jeito e não combina com pressa. Surpreendentemente atraente, a junção inocente com maturidade.

A mulher se descobre aos trinta anos. Inteligente e mais audaciosa, é o tempo em se entende e se desprende de fatos, alguns passados, para ser de si. Tempo em que reconstrói decepções, amansa as ilusões e se quebra tabus. Tempo entre as quedas e voos. Tempo de balanço sobre as grandes loucuras ou escassez de coragem. Uma mente mais leve e focada ao que realmente lhe interessa. Não há de tê-la como meio-termo, mas está ao centro do melhor tempo: é a deusa das décadas. Modéstia a parte, quando ela se ama, é um fascínio uma mulher de trinta anos. Nesse equilíbrio dócil entre o frágil e o forte, ela é grave: ela provoca, ela consegue, ela arrebata - passa, escapa pelos dedos, faz arrombos por dentro e sai intacta.

Nada mais me faria tão feliz.

De contrário a minha dor,veio de um sorriso solto como as coisas que nascem para ser encanto.
Veio abrindo as cortinas,pondo quentura de sol,azul de céu,cheirando erva-doce.Veio algodão-doce,beijo na mão,nuvem a me levar.Veio dos papéis amassados e encharcados de segredos.Veio de um passado,de um tempo demorado que pensei não mais haver.Veio como que das preces antigas,das cantigas ao pé do ouvido.Veio dos velhos livros,dos sonhos,devolvido,tocando mansinho como a alma quando sente o amor.Mesmo desacreditado,veio...fez-se a graça que tua pureza desenhou.

Eu estou te vendo chegar,mas tardio vem vindo...
Em encontro,o desencontro,o proibido.
Gosto doído de ter que deixar passar.

"E tenho assim te amado:
descompassado e exagerado.
E porque á mim assim tem sido,
gosto então só sinto ao que te sou.
Meu mundo,menino,
por vós tomei e te dou."

SALVA-ME

Agora,
sou o que fez teu gosto.
Vivendo onde não mais estou,
resta-me só as sombras,
das lembranças,
que em miragem
toco sem retorno.
Me olho assim,e é como
se andasse em circulos;
infinitos circulos que
não te levam de mim.
Então almejo,
com tão puro desejo,
encontrá-lo,
pois és fonte na aridez.
E aos cantos,aos prantos,
rezo que me aceite em
teus pensamentos.
Onde estiver,me acolha;
bem conhece o que preciso.
Me faça acreditar no que
pra mim não se foi,
e abrace-me inocente.
Cá,estou criança que se perdeu,
num féu de decepção...
Não clamarei por nada do que já sei;
pois tua presença,mesmo vazia,
sacia o que não vem.
Cala meu grito:
Salva-me desse poema
que morre sofrido,
e devolva-me vivo,
o motivo ao qual te amei.

O MENINO QUE PINTOU...

...lançou ,
um risco de céu
e viver clareou.

Sentira pois;
assim
cor-do-sol,

tocando
o longe
que firmou.

Foi escuro
no céu;
então tracejou:

ao léo
um riso,
onde chorou.

E pintava
onde faltava.
Onde queria...

O amor.

INTIMO

Quem diz
será que sabe,
mulher?

seus anseios...

A febre
eruptivel
do toque

ao olhar e ver-se
crua
no espelho.

Quem te exala
sente?

O desejo
sóbrio
vagando...

Á margem
do sagrado
ventre,

um céu em pecado
conjugado e demente,
se buscando.

E voraz...

a vontade
e a fome
se comem,

no juízo que some
quando o corpo festeja
o sentido...

O prazer
rompendo
o silêncio,

no auge
desse teu
instinto.

Quem te vê
será que sabe,
mulher?

Tal degelo íntimo.

E dar um tempo,sempre.Me empurrar pra dentro.Esquecer um pouco de tudo,me embebedar do silêncio,acender a luz de si e prestar mais atenção no que está ali,esperando oportunidade.Um papo a sós : eu e Clarice.Eu minha mudez sobre a voz de Chrissie Hynde,repetindo : " Everyday is like sunday ". É! Agora somos três e o seco do vinho fazendo viver um pouco.Tantas coisas a resolver aqui dentro.Escrever me dá essa liberdade de transpor,sabe? É como naqueles filmes horrendos de exorcismo,onde se joga pra fora o que não presta.Só que sem efeitos especiais,nem ajuda,nem rezas fortes.É na raça.É da carne viva que se alivia a alma.Tudo transcorre bem,se por bem eu concorde,mas minha guerra é ter que aceitar o improvável bem a dois passos de mim.Nunca fui racional para adquirir essa frieza,que nem é fria,é realista.Gosto é de imaginar como seria,de agarrar a mínina chance,de sustentar a euforia.Vi que relevo a vida de uma forma muito besta; devo me polpar um pouco mais,já que minha entrega é voraz a qualquer resquício de sentimento.E se dói,e quando dói,a praga se propaga tanto,e eu só espanto com um analgésico qualquer; sem resolver.Pois bem,mudemos! Giremos a bebida na taça "meninas".Atitude! Porque esperar passar,só tem aniquilado grandes momentos...

(...) ELA EMENDAVA PEDACINHOS DE RISOS PRA DORMIR NUM DIA BOM.

Tão inusitadamente...
Então passei a observar o jeito dela,que se punha ali estática,toda vez que eu me voltava pra janela.Era costume,repartir aos pombos as migalhas do meu café.Toda tarde,via quando ela me seguia, pelo canto dos olhos,atravessar a segunda cortina,fina,do mesmo cômodo e rapidamente mudava alguns passos.Menina estranha - eu dizia. De propósito assustava os bichinhos só pra vê-la com as mãos,esconder um sorriso;acompanhando no céu as aves dançando sobre o mesmo lugar.Ela me trazia uma saudade,e era só isso que me fazia ficar parada, olhando como é grandioso o nada,quando o tudo é o que menos se tem naquela hora.Talvez viesse pra me mostrar algo.Algo a resgatar. O som da minha janela quando se abria,a conduzia de imediato áquele pátio verde-musgo, onde o sol pouco ia; como se eu fosse a melhor parte do seu dia.Me batia um medo as vezes;nunca sabia o que de fato ela queria,porque a menina que falava com o olhar,dava ali teu limite: arredia e encantada,como fada.E foi numa tarde dessas,que pus as mãos sobre o queixo,indagando;invejando teu desleixo,naqueles pezinhos sujos sobre o chinelo inverso.Eu sorria e ela me devolvia com uma doçura jamais sentida.Coube a mim a estupidez quando dei por conta do café na minha mão.Seria o motivo a qual tão esperançosa, se punha em minhas minhas tardes,num tom de florescer?Fiz com as mãos um gesto,oferecendo-a e imediatamente ela correu.Pela primeira vez,se foi antes de mim.E eu diminui,diminui,diminui...ganhei a frieza do chão.Pela janela ainda aberta,respirei um aperto pra dentro,como se tudo em minha volta houvesse sumido naquele momento.Me doeu a razão: a menina não buscava o pão; ela emendava pedacinhos de risos pra dormir num dia bom.

NELE ESTÁ O POÇO QUE CHOREI E O JARDIM QUE SORRI

Estive hoje pensando como mudei.Por um tempo achei que ficaria daquele jeito para sempre: vazia e comum demais.Não conseguia olhar as coisas com sentido e nem acreditar que a vida um dia viesse a me lançar nesse redemoinho,quebrando todos os meus calços,e como num golpe violento ,me pusesse tão imperfeita e frágil,nas mãos de um destino,sobre a fúria final de uma hibernação,consumindo toda minha loucura.Sem imunidade,tão crua,como um sangue que acabara de nascer,respirei entontecida por aquele olhar que me refletia pela primeira vez.Me atirei : meu mundo naquele mundo,fundiu-se compativelmente num instante único,entrelaçados nos corpos,sobre a sintonia do coro que duetava nossos beijos.Era doce como licor.Inrresistível como a veste vermelha da maçã.É meu pecado,meu menino.Meu ninho,meu lugar confuso.Não questionei se aquilo pudesse ser o melhor pra minha vida,porque todas as escolhas "certas" que havia feito,na verdade,sempre foram mortas.Eu precisava era de algo que me reacendesse.Que desencontrasse do que eu já havia sido.E tudo assim mudou: por ele arrisquei,me revirei ao avesso,delirei de amor,suportei o ódio,engoli o tédio, perdoei, sonhei,sonhei...Nele está o poço que chorei e o jardim que sorri.Ele me rouba,sem sentir,e eu só queria sê-lo também,com o mesmo poder que ele tem; a qual fere e depois contém,com uma facilidade que me perturba.Tenho renascido todas as manhãs,com uma força sobrenatural,que de certo deva existir sobre as almas que amam e sofrem; que se desintegram instintivamente só para ter teu amor por inteiro,egoísta e louco.E se é que inteiro exista,continuo juntando (meus,nossos) planos,nessa guerra desenfreada de sentimentos,onde tormentas se repetem, por uma sede,so sad,de querer ser a única razão da vida dele.E porque acredito,ainda insisto pertencer.

Menina que virou mulher, amadurecendo os sonhos sem perder a fé.

MORTE

Onde o corpo findou a história,
fez a alma viva na memória.
Laços em nó na saudade,
ao consolo divino.
Lembrança de um amor ainda vivo.

Seu coração traz a canção que me conduz.

Pensa sem mágoa,
que a alma revê.
Lapida teus sentidos.
Areje um canto;
aniquile as sombras
desse ser.
Supere.
Chama-te a viver.

IN(FÂNCIA)

Quero,é a inocência adormecida no tempo.
Saber ser grande,sem crescer por dentro.

CRESCER

Germinamos naquilo que aceitamos.
Nem toda entrega pode ser certa.
Nem todo não é o fim.
É preciso enfrentar os desafios,
sem que a vida tape nossos olhos.
Foi valorizando minha capacidade,
que entendi a certeza de ser
minha própria e única evolução.