Coleção pessoal de ninhozargolin

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⁠Iluminar a própria sombra é o primeiro passo para subir os degraus da autoconsciência.

⁠O mundo não quer me ler, porque eu sou a dor de veia rompida perto do calcanhar. Uma dor fina, que incomoda bastante quando a caminhada é longa, mas dá uma certa aflição gostosa ao se espreguiçar na cama, antes de dormir. Então, é melhor conviver do que investigar, já que pode ser uma hemorragia interna, mas também pode ser só efeito do tempo sobre pés cansados.

⁠⁠CONGRESSO EM ÓRBITA
(por um poeta em Marte)

No púlpito, a voz acadêmica
Simula um fervor de retórica,
Mas tudo que exala é política
Com gosto de névoa catártica.

Promete um país de harmonia,
Com leis de fachada plástica,
Mas trai, na proposta utópica,
A ética em curva pragmática.

Do claustro marciano observo
Os jogos em tela lunática —
Debates que brilham sem verbo,
Em marcha de lógica tática.

A esperança, agora sintoma,
Veste um glamour de crendice.
A Terra adormece em diploma
Assinado por sua mesmice.

E eu — sem consolo ou doutrina —
Risco um rastro que vacila,
Um canto sem lei nem figura,
Brindando ao vazio com tequila.

Quando a vertigem dança em um plano cartesiano, buscando traçar uma geometria reta e límpida, torna a lucidez uma metáfora hiperbólica.

Pontos, vírgulas, parênteses e companhia são ambiências da linguagem para tolir tempestades de sinapses indizíveis.

⁠O mundo é um transe caótico sem beira, um segredo que o Universo teima em esconder por vergonha sintática

⁠Ferimentos com sabor de ferro forjam a sorte de quem ousa provocá-los.

⁠Pedra jogada de leve em água profunda, tanto ressoa até que inunda.

ENQUANTO HOUVER FRIO

A verdade é que faz tempo que estamos com frio —
mas ninguém mais lembra se o clima está se impondo com rigor
ou se fomos nós que paramos de nos aquecer.
Talvez o mundo esteja se apagando,
com clarões incoerentes nos recônditos das guerras.⁠

⁠Há uma curva secreta entre o toque e o abismo.
Um gesto que, se não for dito, queima mais do que grita.
Eu conheço essa curva porque já a desenhei com palavras.
Não para ser lido, mas para que a linguagem sentisse vergonha de não ser carne.



Quem me lê não me entende.
Quem me sente, suspeita.
E quem suspeita está perto demais da vertigem que me habita.

ENTRE O VERBO E O VÉU

⁠Creio que entre o verbo e o véu há mais vãos do que filosofia e região são capazes de preencher com crenças acolhedoras ou duras racionalidades.
É comum que recorramos a livros, símbolos sagrados de dogmas ou de conjecturas adornadas pelas ciências para resguardar nossas próprias ideologias.
Esquecemo-nos de que há apenas um saber, uma dádiva primordial: a dúvida. Essa velha companheira, que atiçou o fogo e dominou os céus. O elo entre a efemeridade do saber e a alegria dos talvezes.
Dessarte, o mundo é um convite maravilhosamente cruel à reflexão. Uma festa da qual não pudemos — por razões improváveis e explicações arbitrárias — negar a participação. Cá estamos, mesa posta. Resta servir-se do banquete antes das luzes se apagarem.

⁠Nem todo tolo dança com graça. Mas todo gênio sabe rir do próprio excesso.

⁠Mesmo diante das adversidades, é preciso dar vazão à própria natureza. Se ser bom é a nossa sina, que o sejamos — ainda que custe um mar de lágrimas, ou para que não sucumbamos à mesmice.

⁠Pensar é elevar a centelha da alma a um estado de afeto pela descoberta e pela consciência, alcançando soluções e criando novas concepções para o que já tem definição temporária.

⁠Acasos, cartas marcadas, regras e sorte compõem as tramas da jogatina que descortinam a política.

⁠A tristeza está para o oceano assim como a memória está para o rio de sensações que deságua nas sinapses.

⁠No topo da árvore das decisões, o vento traz rumores diversos. Uns sussurram acordos inéditos, outros proclamam cessar-fogos que nunca se concretizam.

⁠O pacto que sustenta a crença no impossível é rompido ao trair a si mesmo, assinando um distrato com a imaginação.

⁠Quero o verídico, inabalável. Quero a concretização de sonhos antes cristalizados. Dispenso a síntese do sintético e a antítese inacabada. Dispenso, sobretudo, o medo infeliz, que macula a coragem da vanguarda.

⁠O erro é um amigo imaginário que, às vezes, expõe suas peripécias. Geralmente o faz, quando menos esperamos. Ele entra na brincadeira, a qual denominamos vida, e permite com que aprendamos a seguir por caminhos ou descaminhos. É comum que queiramos evitá-lo, mas suas travessuras não nos abandonam. Para esquivar-se do drama, basta convidá-lo para uma dança, numa valsa em que, conduzindo-o, amadurecemos.