Coleção pessoal de netomontana
Aquela areia do passado é desmachada pelos ventos. Nada é como antes, nada fica igual, nem os grãos.
As dunas do passado quando assombram o presente, precisam de ventos fortes pra desmanchar e
abrir os caminhos. Tudo se integra e desintegra como areia para novos começos e recomeços.
Quero um pouco dos grandes olhos das corujas, que no escuro enxergam as formas mais difíceis um pouco da sabedoria das formigas, que com perseverança vão construindo pouco a pouco suas moradas. Mas nada é melhor que um café quente, esfumaçado na paisagem, pássaros coloridos aos céus voando de passagem. Já equivale o ganho de um novo dia, cheio de perseverança, sabedoria e inspiração.
Sentado numa lotus, ventos chocoalham as árvores emulando os véus de Lakshmi, logo o céu amarelado vai emergindo sua fortuna, as cores em gradiente enriquecem o jardim, borboletas douradas aparecem, a decretar a liberdade e a beleza do vale.
Efígie
Foi-se como um sonho,
Devaneio de prazeres proibidos,
Deusa foragida do paraíso,
Flecha que acertou o mais destemido,
Desbravador de Quimera e Basilisco,
Um lobo temido,
Que sucumbiu nas graças,
De uma predileção,
Agora resta os encantos,
Na caligem das guerras,
Na esbórnia dos lambareiros,
O cavalheiro tornou-se assisado,
De coração ameno e ponderado,
Aflorado de talentos adormecidos,
Um fabro mudado,
Sua obra aos poucos foi-se talhada,
Dotada de formas delicadas,
Fruto de paixão e inspiração,
Efígie que sobreviverá aos tempos,
Viverá aos atentos,
Encantados por seus condões,
Que embeleza, gera e transforma.
Perfume
Quero sentir aquela única noite,
Com as luzes vibrantes,
Que nos refletiam na parede,
Quero ter a realidade dos sonhos,
Viver o calor real,
Quando os corpos se juntam,
Passaram-se dias,
Correram-se anos,
Nunca mais nos encontramos,
E meus pensamentos voltando,
Como déjà vu de emoções,
Indescritível,
Inesperado,
Intenso,
Guardo naquela rosa,
O aroma da lembrança,
Num vidro blindado,
Um frasco de cheiro,
O perfume cuidado,
Do que restou do romance,
Sua essência,
Que se impregnou em mim.
Árvore de Natal
Natal está chegando,
E minha casa irei ornamentar,
Tempo especial que marca a passagem,
A árvore de Natal me faz lembrar,
O passado dos que estiveram,
O presente dos que estão,
E o futuro dos que estarão,
O Natal é um momento mágico,
O tempo mostra que é mais que uma data,
Uma noite de junção,
Da mesa colorida,
Dos enfeites colocados com entrega,
Da casa cheia,
E com o tempo vai esvaziando,
Quando se monta a árvore,
Bate a saudade,
Dos anjinhos pendurados,
Das bolinhas balançando,
Dos piscas-piscas,
Acendendo e apagando,
Como as estrelas,
Que enfeitam lá em cima o céu,
Que também acendem e apagam,
Com o tempo quem monta árvore,
Vai entendendo o significado,
Da noite de Natal.
A rosa
Seus olhos brilham como rubi
Refletem os verões e os invernos
As flores verdejantes e os aromas apaixonantes
A inspiração de se entregar
Imaginações inquietas tomam formas
Espelho inteiro que reflete a beleza do jardim
Onde só há concreto
E pedaços de raizes perdidas na calçada
A pressa exarcebada dos lobistas ansiosos
Seus olhos de vinho docificam o tônus da sua face
Suas mãos calejadas ficam suaves
Como brisa que arrepia a pele
Seus olhos são reflexo
De tudo que tem romance
Você é como uma rosa que permanece
Cheia de pulcritude e perfume
Colorindo o centro da sala.
Mulher de cristal
Nela a beleza é decretada
Quando se olha é água da fonte
Brilhante como o crepúsculo celestial
Fascinante como o sobrenatural
O reflexo cega os olhos
Confunde os sentidos
Tanta beleza num só mirífico
Sereia desnuda
Ornamentada pelas águas
Com vestido de cascata
Cabelos de itororós
Coroa de gálio
Desfilando na angra de cristal.
Feito de tentar
Coloco cada peça
Moldada em tentativas
Percorrendo os caminhos
No quebra-cabeças da vida
Nada nasce pronto
Anda pelo processo
A experiência a cada dia
Como passos de formiga
Às vezes nos iludimos
Em frente ao castelo
Almejado com esforço
Foi fruto de um sonho
Nada acontece pronto
Nada nasce feito
Cada tijolo é um efeito
De tentivas, erros e acertos
Cada passo tem seu tempo.
A travessia
A vida vai te levando,
Experiente na sua jornada,
Com os olhos vibrantes,
Das corujas da noite,
e das águias do dia,
Por cima flutuam num longo tapete de sonhos,
E eu no meu carro pelas lombadas,
A sinalizar o chão de concreto,
Seja como for, será o condutor,
Por onde passar, terá sempre alguma coisa a vivenciar,
Na vida de estrada, no carro de sua alma,
Nas travessas de obstáculos,
De caminhos de escolhas,
Buracos imprevistos,
Atalhos cruzados,
Trilhas inesperadas,
Alguns passarão a fazer um drama,
Outros passaram a fazer a viagem eloquente,
Todos percorrerão,
Seja como for,
Será seu condutor,
Da travessia.
O céu
Posso flutuar como uma águia
Posso flutuar como avião
Mas se não tiver asas
Tenho um céu magnífico na cabeça
Pra sonhar, pra imaginar
Pra almejar se chegar
No céu do infinito, no céu do paraíso
Sem limites, mesmo com os pés no chão
Para quem olha pra cima e sonha alto
Não há caminhos para pernas paradas
Não há esperança para mentes travadas
No céu moram os anjos para nos abençoar
O céu traz esperança pra caminhar
O céu traz o horizonte pra se enxergar
Quando suas cortinas de nuvens se abrem
Decreta um novo dia que irá começar.
Folhas de primavera
Corações esparsos como folhas
Corações que voam como folhas
Nascem dos caules endurecidos
Flutuam para amolecer corações enrijecidos
Nos vastos cenários da vida
A decretar a beleza em liberdade
A certeza da infinidade
Nas suas infinitas cores
De primavera
Folhas flutuam a trazer
Os sinais de esperança
Folhas flutuam a anunciar
A temporada de luz
Do caule endurecido
Com o tempo se desprendem
A gozar da liberdade
Como os pássaros
Nas suas infinitas cores
De primavera
Quarto escuro
As paredes perderam suas vozes
As janelas perderam suas luzes
Os dias perderam suas cores
Tornou-se um inverno aqui dentro
Tudo tá tão escuro e frio lá fora
A casa reflete os ecos da quarentena
O quarto tá vazio como uma sentença
Lá fora tá escuro, e vejo o reflexo das estrelas
Lá fora tá deserto, e sinto a distância das certezas
O quarto tornou-se um cubo
Vou fazê-lo um santuário de reza
Pra me conectar no meu refugio
Vou acender a minha vela
Nem mais, nem quais, vou me aquietar
Pra voz de dentro assim soprar
Os anseios, as perguntas, responder
O que nada pode garantir a não ser o poder de crer
A fé me guia com todo seu poder de oração
O quarto escuro tornou-se o lugar de iluminação.
Não há lugar que possa correr
Se seus olhos penetram a invadir-me,
Tempestades de sentimentos caem sobre mim,
Como choro, regurgitadas,
Se seu coração bombardeia a fuzilar-me,
Emoções caem inquietas sobre mim,
Como desejos, insopitáveis,
Se seu amor eclode a refugiar-me
Redoma de acalento assenta sobre mim
Como amparo, escudado,
Não há nada que possa fazer,
Não há lugar que possa correr.
Ciclo sem fim (versão 2)
Vem primavera,
Mostre suas pétalas,
Como sonhos,
Deixe-os voar,
Folhas coloridas que nascem,
Como lagartas que secam,
Dando seu lugar,
Como esperança,
Tem sempre que regar,
Deixe-os voar,
É o ciclo sem fim,
Novas vidas em novas pétalas,
Novas ideias em novas formas,
Acontece a todas hora,
Nada se repete,
Tudo se completa,
É o ciclo sem fim.
Aeronaves
Somos aeronaves.
Estamos voando.
Com nossas idéias até o céu.
O terreno tem seus limites.
Mas o céu não.
Nossos sonhos podem subir até alturas.
Podemos elevar voos gigantes ao infinito.
Podemos nos sentir livres com asas.
Também podemos nos sentir limitados em terra.
É necessário ter sabedoria no controle.
Para levantar voos e pousar bem.
Não estamos voando sozinhos.
Sempre há uma tripulação em nossa aeronave.
E outras aeronaves no espaço aéreo.
Que voam livremente e precisam saber pousar.
Ondes e quandos
Não sei onde
Nem quando
Sei que aqui estamos
Abro os olhos e estou no presente
Fecho os olhos e virou meu passado
De ondes e quandos
Como olhos que se fecham e abrem
Entre as milhares das milhas percorridas
por ondes e quandos
Quando sim e onde não
O futuro pode ser os esboços
Se somos um pouco do amor que recebemos
Somos um pouco do amor que doamos
De ondes e quandos
Um pequeno príncipe dos dilemas
Uma fada mágica de certezas
Uma pitada de Ilusões
Uma pitada de contradições
O que somos e o que podemos ser
Dos ondes e quandos
Nos mistérios aventurantes de cada dia
Os sabores da natureza
Se o caos trouxer sabedoria para amar
Posso me jogar no campo de café
Abençoado com as chuvas das lágrimas dos anjos
Orquestrado com o ruído dos bichos
O sol arde imenso como um coração suspenso
A decretar os dias de cor de leite
E as noites da cor do café
Feitos um para o outro
Como bons sonhos viciantes de cafeína
A regenerar da exaustão do cansaço
Se o caos trouxer sabedoria para amar
Posso me jogar nos jardins do amanhã
A natureza é sábia no final
Meus rancores podem soar egoístas
Meus desafios podem me tornar otimista
A me tirar do centro do umbigo
A tremer o chão e reciclar o céu
Vem uma safra após a outra
Vem um sonho após o outro
Vem um dia após o outro
Se a vida trouxer sabedoria pra apreciar
Vou me ajoelhar e ovacionar
Suas cores, seu caos
Sua beleza, sua grandeza
Sentir seus aromas
Agradecer a paisagem
E gozar do seu tempo
Os sabores da natureza
O eremita
Era uma homem com visões pequenas
Num mundo gigante de possibilidades
Era um homem como um grão de areia
Na imensidão do deserto desconhecido
Era uma homem que não achava graça
Nas pequenas formigas
Caminhantes com folhas pesadas
Quando por fim decidiu sair da casa
Em volta da imponente ilha de Manhattan
Pra cruzar a América até o Panamá
Uma vida de eremita foi desbravar
Do frio do Norte aos dias quentes do sul
A floresta Amazônica o fez notar
Que as paredes do mundo são coloridas
E os céus são infinitos
Era um homem que cruzou
O Atlântico até a África
Descobriu um declive no chão
Cheio de canais
Que transportavam fios
Como veias que bombeavam
Sangue na água
Desembocou num gigante coração dourado Foi por terra acompanhar as pegadas
O pedaço do coração havia migrado
Tornando-se castelos, filosofia e arte
Era um homem eremita
Que cruza o Atlântico
De volta para a América do Norte
Ao observar as formigas
Não estavam mais pequenas
Ao observas as quatro paredes
Não eram mais fechadas e duras
Sambando na chuva da noite (versão 3)
Quero estar com você,
enquanto os trovões iluminam o céu,
numa noite de espetáculo de pirotecnia natural,
parecemos dois patos perdidos,
ornamentados pulando entre as poças,
vamos nos jogar na chuva,
molhar nossas cabeças,
esquecer nossas diferenças,
nossas manias,
nossas competições do dia-a-dia,
quero estar com você,
juntando nossas penas cheias de cores e ideais,
nossos dissabores do cotidiano,
nossas desavenças aqui morrem afogadas,
vamos nos jogar na chuva,
e molhar nossa consciência,
batizar nossas idéias,
esquecer nossas bobeiras,
e acender a magia do carnaval,
somos apenas dois palhaços notívagos de luar,
desligados dos barulhos do mundo,
vivendo nosso inquietante samba de romance,
até o sol raiar.
