Coleção pessoal de natxalinha

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E eu era a imagem do que eu não era, e essa imagem do não-ser me acumulava toda: um dos modos mais fortes é ser nagativamente.
Como eu não sabia o que era, então "não ser" era a minha maior aproximação da verdade: pelo menos eu tinha o lado avesso: ou pelo menos tinha o "não", tinha o meu oposto. O meu bem eu não sabia qual era, então vivia com algum pré-favor o que era o meu "mal".
E vivendo meu "mal", eu vivia o lado avesso daquilo que nem sequer eu conseguiria querer ou tentar.

"Há um mau-gosto na desordem de viver. E mesmo eu nem saberia, se tivesse desejado, transformar esse passo latente em passo real."

Minha pergunta, se havia, não era: "que sou", mas "entre quais eu sou".

A outra - aincógnita e anônima -, essa outra minha existência que era apenas profunda, era o que provavelmente me dava a segurança de quem tem sempre na cozinha uma chaleira em fogo baixo: para o que desse e viesse, eu teria a qualquer momento água fervendo.

O que os outros recebem de mim reflete-se então de volta para mim, e forma a atmosfera do que se chama: eu.

"Estou precisando de olhar sem que a cor de meus olhos importe, preciso ficar isenta de mim para ver."

"Não é que eu queira estar pura da vaidade, mas preciso ter o campo ausente de mim para poder andar."

...Eu que me perdoei tudo o que foi grave e maior em mim...

E é só o que posso dizer a meu respeito? Ser “sincera”? Relativamente sou. Não minto para formar verdades falsas. Mas usei demais as verdades como pretexto. A verdade como pretexto para mentir? Eu poderia relatar a mim mesma o que me lisonjeasse, e também fazer o relato da sordidez.

E a minha espécie de beleza...

Quando eu ficava sozinha não havia uma queda, havia apenas um grau a menos daquilo que eu era com os outros, e isso sempre foi a minha naturalidade e a minha saúde.

A tragédia - que é a aventura maior - nunca se realizara em mim. Só o meu destino pessoal era o que eu conhecia. E o que eu queria.

Quem sabe eu tive de algum modo pressa de viver logo tudo o que eu tivesse a viver para que me sobrasse tempo de... de viver sem fatos? de viver. Cumpri cedo os deveres de meus sentidos, tive cedo e rapidamente dores e alegrias – para ficar depressa livre do meu destino humano menor? e ficar livre para buscar a minha tragédia.

O olhar psicológico me impacientava e me impacienta, é um instrumento, é um instrumento que só transpassa.

Vou perder o resto do medo do mau gosto, vou começar meu exercício de coragem, viver não é coragem, saber que se vive é a coragem.

Mas é que nunca fui capaz de perceber as coisas se encaminhando; todas as vezes que elas chegavam a uma ápice, me parecia com surpresa um rompimento, explosão dos instantes, com data, e não a continuação de uma ininterrupção.

Nunhum gesto meu era indicativo de que eu, com os lábios secos pela sede, ia existir.

É que um mundo todo vivo tem a força de um Inferno.

Para a minha profunda moralidade anterior, eu ter descoberto que estou tão cruamente viva quanto essa cruz luz que ontem aprendi, para aquela minha moralidade, a glória dura de estar viva é o horrror.

Vi, sim. Vi, e me assustei com a verdade bruta de um mundo cujo maior horror é que ele é tão vivo que, para admitir que estou tão viva quanto ele - e minha pior descoberta é que estou tão viva exterior a um ponto de crime contra a minha vida pessoal.