Coleção pessoal de igduarte

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Na ilha por vezes habitada

Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites,
manhãs e madrugadas em que não precisamos de
morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente e entra
em nós uma grande serenidade, e dizem-se as
palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas
mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a
vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o
sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do
mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos
ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres
como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.

Não adianta: falando para um imbecil, de preferência aos gritos, que ele é um imbecil, você consegue apenas provar a sua própria imbecilidade.

Ou isto ou aquilo

Ou se tem chuva e não se tem sol,
ou se tem sol e não se tem chuva!

Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!

Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.

É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo nos dois lugares!

Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo…
e vivo escolhendo o dia inteiro!

Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranqüilo.

Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.

Aquilo que não puderes controlar, não ordenes.

Considero o mundo por aquilo que ele é, Graciano: / Um palco em que cada um deve recitar um papel, / e o meu é um papel triste.

COMUMENTE É ASSIM

Cada um ao nascer
traz sua dose de amor,
mas os empregos,
o dinheiro,
tudo isso,
nos resseca o solo do coração.
Sobre o coração levamos o corpo,
sobre o corpo a camisa,
mas isto é pouco.
Alguém
imbecilmente
inventou os punhos
e sobre os peitos
fez correr o amido de engomar. Quando velhos se arrependem.
A mulher se pinta.
O homem faz ginástica
pelo sistema Muller.
Mas é tarde.
A pele enche-se de rugas.
O amor floresce,
floresce,
e depois desfolha.

No fim tu hás de ver que as coisas mais leves são as únicas
que o vento não conseguiu levar:
um estribilho antigo
um carinho no momento preciso
o folhear de um livro de poemas
o cheiro que tinha um dia o próprio vento...

O que é trágico na velhice é que a morte é normal. E a sua vantagem também.

A mocidade expande-se para conhecer o mundo e os homens, a velhice contrai-se por havê-los conhecido.

Um escritor chega à velhice quando suspeita que o artigo que está a escrever já tinha sido escrito por ele no passado.

A velhice é um naufrágio.

Aquilo a que chamo fadiga é a velhice, de que a morte constitui o único repouso.

A velhice poderia ser a suprema solidão, não fosse a morte uma solidão ainda maior.

A velhice faz-nos mais rugas no espírito do que na cara.

Triste, triste, na velhice, é ter uma bicicleta nova e, mal ter força para dar aos pedais.

A velhice é a paródia da vida.

Retrato

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
a minha face?

A sabedoria é algo que quando nos bate à porta já não nos serve para nada.

O segredo de uma velhice agradável consiste apenas na assinatura de um honroso pacto com a solidão.

Há duas épocas na vida, infância e velhice, em que a felicidade está numa caixa de bombons.