Coleção pessoal de eli_odara_theodoro_1

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O ARCO-ÍRIS DAS ORIGENS

Viemos de pontos distintos,
de lugares onde o vento conta histórias antigas,
de caminhos que não se cruzavam,
mas que, de algum modo, se reconheceram.

Viemos de experiências diferentes,
tecidos por mãos invisíveis
que bordaram nossas dores,
nossos medos,
nossos começos e recomeços.

Cada um de nós carrega um mundo inteiro:
há quem traga um sol rompendo madrugadas,
há quem traga uma lua conversando com cicatrizes,
há quem caminhe em silêncio
enquanto por dentro troveja.

Crescemos ouvindo o chamado do medo:
“não faça”,
“não seja”,
“não apareça demais”.
Como se viver fosse caber em caixas pequenas,
como se o julgamento fosse guardião da ordem,
como se a beleza só existisse
quando todos escolhem a mesma forma de florescer.

Aprendemos, cedo demais,
que o olhar do outro pesa.
Pesa nos cabelos que decidimos deixar livres,
na cor que nos veste,
na fala que nos escapa,
na lágrima que não escondemos.
E, sem notar, nos tornamos carrascos de nós mesmos
e do mundo ao redor.

Mas algo muda quando a consciência desperta.
Quando entendemos que a vida não é régua,
que existência não é molde,
que ninguém foi criado para repetir o mesmo desenho.

Algo muda quando abrimos espaço para o outro,
quando silenciamos o impulso de julgar,
quando percebemos que não somos
os guardiões da verdade.
Somos, no máximo,
aprendizes da convivência.

Viemos de geografias afetivas distantes,
mas é da distância que nasce a ponte,
e da ponte nasce o encontro.

E no encontro,
somos mais.

Somos luzes acesas em direções diversas,
mas que, quando colocadas lado a lado,
revelam um arco-íris que jamais surgiria sozinho.
Cada tom vem de uma história,
cada brilho vem de uma luta,
cada sombra vem de um passado
que também merece ser lembrado.

E é assim que entendemos,
finalmente,
que nenhuma vida se sustenta só.
Que completude é obra coletiva.
Que a beleza maior do mundo
é justamente não sermos iguais.

Somos pluralidade viva,
cores que dançam,
vozes que se entrelaçam,
alma que reconhece alma.

E quando deixamos o julgamento cair ao chão,
quando estendemos a mão sem exigir moldes,
quando acolhemos o diverso
sem temer sua força,
uma luz maior nasce
uma luz feita de todas as partes,
de todas as dores,
de todas as conquistas.

Essa luz nos lembra
que existir é multiplicar,
que amar é permitir,
que respeitar é honrar a diferença.

Viemos de pontos distintos, sim,
mas caminhamos para o mesmo horizonte:
um mundo onde cada pessoa
pode ser exatamente o que nasceu para ser.

E nesse horizonte,
feito de múltiplas estrelas,
ninguém brilha sozinho
todos nós iluminamos juntos.
Eli Odara Theodoro

Envelhecer é saber

Envelhecer é saber,
ou será que o saber está no envelhecer?
O tempo, esse velho companheiro,
não passa ele fica,
fica em mim, nas dobras da pele,
nos fios de prata que o sol insiste em acender.

Uma vida de experiências,
ou foi um experimento viver?
Entre escolhas e silêncios,
entre quedas e renascimentos,
aprendi que o corpo é casa,
é território sagrado onde o tempo planta sabedoria.

Tudo que diz respeito ao meu viver
está guardado aqui,
neste corpo que carrega histórias,
memórias e marcas ancestrais.
Sou feita de caminhos trilhados por outras,
das que vieram antes,
das que sonharam liberdade
quando o mundo lhes negava o direito de sonhar.

Minhas rugas são mapas,
meus olhos, rios antigos,
minhas mãos, conchas de lembranças
que o tempo não leva , só transforma.

O envelhecer é rito, é canto, é retorno.
É o corpo se fazendo reza,
é a vida me ensinando a ser raiz
enquanto continuo flor.

E quando o espelho me chama pelo nome,
sorrio
porque sei que não envelheço sozinha:
trago comigo cada mulher,
cada ancestral,
cada memória que fez de mim
o que sou agora.

Envelhecer é saber.
E saber… é continuar viva.

LUTA QUILOMBOLA É RESISTÊNCIA!



E, se você não sabe pelo que está lutando,

seu esforço se perde no vento.



Lutar não é vaidade,

não é brilho de palco,

não é o instante do aplauso.



Lutar é raiz.

É saber o porquê e o para quem.

É compreender que cada passo que damos

carrega o peso e a bênção

dos que vieram antes.



Uma causa, uma meta,

não vivem de holofotes.

Vivem de fundamento,

de chão,

de respeito.



Respeito à continuidade,

à força que pulsa em cada memória,

à razão que nasce do sentimento

de resistência.



Seguimos, porque eles seguiram.

E porque seguir é a forma mais bonita

de agradecer aos que nos antecederam.

AMADA, EU SOU PRETA!





Ainda outro dia…

Uma pessoa me perguntou:



— Eli, onde ficam escondidos esses pretos e pretas tão bonitos (de ver, claro — mas eu não me vestiria assim, nem colocaria meu cabelo desse jeito!) que desfilam no Ilê Aiyê?

Não os vejo no nosso dia a dia!



Respondi:

— Estão aí, amada, no seu pré-conceito.

É nele que se escondem os pretos que você não vê.

Precisa rever seus conceitos, só então os verá.



Os pretos estão nas ruas da sua cidade natal,

que transpira ancestralidade africana,

mas você não reconhece.

Eles estão no reflexo do seu espelho,

porque se não conhece sua história,

não sabe quem é.



Estão na forma como você me olha

porque entre “amigos” o preconceito é disfarçado,

mas a verdade sempre escapa.



Os pretos estão nas crianças que brincam na rua,

(os “pivetes” do seu bairro periférico);

nos homens que chegam cansados do trabalho

(os “peões”, “marmiteiros”);

nas mulheres que fazem milagre no mercado

(a guerreira que compra o que dá, com o pouco que tem);

nas mães solo e seus filhos

(os “moleques” que o mundo já julga).



Estão nos jovens da periferia, mortos a todo instante

trabalhando ou não, sempre rotulados como marginais.

Nos moradores de rua, sem assistência, sem resistência.

Nos trabalhadores, explorados pelo capital.

Nos estudantes que enfrentam um sistema educacional desigual,

lutando pelo direito de aprender

e pela reparação que vem em forma de cotas.



Estão também nos empresários e nos esportistas

que abriram brechas nas muralhas do racismo,

que resistem e existem.



Somos todos nós, brasileiros e brasileiras

nascidos dessa diáspora afrodescendente.

Mas muitos ainda escolhem negar,

se escondendo atrás de conceitos limitados,

sem consciência da própria história,

sem saber quem são.



Hoje, essa pessoa me evita…

Mas eu sigo.



Pretamente.

Felizmente.

No meu caminho de preta.

UM LIVRO!

Nas páginas da minha vida há todo tipo de semente.
Aprendi a regar aquelas que brotam ideias, permitindo que colham a minha humanidade
não para tomá-la, mas para acessá-la, num gesto de partilha e presença.

Carrego em mim as estações,
o tempo que ensina, o silêncio que amadurece.
Nem toda semente floresce,
mas toda tentativa me ensina a permanecer com raiz e propósito.

Sou feita de histórias que se cruzam,
de memórias que dançam no vento e me lembram de onde vim.
Regar é também lembrar:
lembrar que a terra só devolve o que nela é colocado com amor.

E assim sigo, sem pressa,
acolhendo cada broto como um recomeço,
deixando que a vida escreva, em mim,
o livro da partilha e da ancestralidade.

E quando o sol repousa sobre o que plantei,
vejo que nenhuma caminhada foi em vão.
Cada passo, cada dor e cada flor
me ensinaram a transformar o tempo em sabedoria.

Sigo acreditando nas sementes que ainda não brotaram,
porque sei que há sonhos germinando no escuro,
esperando o momento certo para nascer.

E é isso, sou parte da terra e do céu,
da memória e do agora
uma ponte entre o que fui e o que ainda serei.
Xxxxxxxxxxxxxxxccccccccccxxcccccxccccccc

Manifesto é meu som!





Quando a mulher negra…

se liberta das correntes impostas

pelos padrões sociais

estruturantes do racismo…





Ela compreende:

ser preta,

ser mulher,

estar viva…

é um ato revolucionário!





Assumir sua estética,

afirmar sua identidade,

validar sua existência…

é ato político,

é resistência!





E ao empoderar-se…

ela germina,

ela floresce,

ela abre caminho…



Um jardim de continuidades…

onde cada flor é memória,

cada raiz é ancestralidade,

cada fruto é futuro…

SOU FRUTO QUE ANCESTRALIDADE ALIMENTOU!

Bebo na fonte dos que vieram antes.
E cada gole é história, é sangue, é luta.

Luiz Alberto, voz que atravessou paredes e leis, plantando sementes no chão do parlamento.
Luiza Bairros, que caminhou sobre pedras e flores, deixando pontes para quem viesse depois.
Makota Valdina, guardiã do sagrado, que ensinou que rezar também é resistir.
Lélia Gonzalez, afiada como lâmina, que cortou o silêncio imposto à nossa existência.
Abdias Nascimento, que fez da arte um quilombo e da palavra, um grito que não se cala.
Beatriz Nascimento, que nos mostrou que quilombo é mais que terra — é corpo, é memória que se move.
Jaime Sodré, que guardou saberes como quem protege um tesouro.
Rufino, que mantém aceso o canto dos que vieram de longe e nunca deixaram de chegar.

Eles e tantos outros são como raízes que rasgam a terra para encontrar água.
São como árvores que mesmo sob tempestade não se curvam.

Eu bebo desse legado.
E, ao beber, me fortaleço.
Ao beber, lembro:
resistir não é escolha, é necessidade.

A Justiça Racial não é um sonho que se guarda na gaveta.
É direito. É urgência. É agora.
É ferida aberta que precisa de cura,
mas também é cicatriz que nos lembra da nossa força.

Eu não me rendo.
Eu não me calo.
Eu não me dobro.

Enquanto houver tambor,
enquanto houver corpo negro em movimento,
enquanto houver criança negra que ousa sonhar,
enquanto houver mãe negra que ergue preces ao amanhecer,
enquanto houver quilombo que respira,
eu estarei aqui.

Com a cabeça erguida.
Com os pés fincados no chão.
Com a coragem herdada dos meus ancestrais.

Porque eu sou continuidade.
Sou memória que anda.
Sou chama que não se apaga.

E a resistência…
é a minha forma mais bonita de amar.

Minha caminhada foi marcada pela sensação constante de estar “invadindo” espaços que, desde muito cedo, me disseram não serem meus. A universidade, o trabalho formal, os eventos acadêmicos, todos esses lugares pareciam sempre exigir uma performance de adequação que me sufocava. E era ali, na solidão de ser um corpo de uma negra entre tantos corpos brancos, que eu percebia o pacto: um acordo silencioso para nos manter fora, ou quando muito, sob controle. Hoje esse corpo baila dentro desses espaços por resistência, e com resistência.

Aos pais Hoje, celebramos não apenas quem nos deu a vida, mas quem nos ofereceu chão firme para os primeiros passos e asas para os voos mais altos. Pai é aquele que planta raízes de coragem, rega sonhos com palavras e silêncios, e protege com o olhar que abraça antes mesmo do gesto. É farol nas noites escuras, é porto seguro na tempestade, é estrada aberta para que a vida floresça. Que cada pai sinta hoje o eco da gratidão nos sorrisos que ajudou a construir, e perceba que o amor que semeou segue crescendo em cada geração. Feliz Dia dos Pais! Que o afeto se multiplique e reverbere, como poesia que não se apaga no tempo.

Mulher preta não está só. Há um quilombo inteiro ancestral em cada passo da trajetória. Há um mar inteiro em cada sonho que se mantem vivo.

MONÓLOGO

“Eu Sou Tereza, Eu Sou Quilombo

Por Eli Odara Theodoro
(Para o Julho das Pretas)

:
Axé…
Axé, minhas irmãs!
Eu cheguei.


Julho chegou.
E com ele, eu me levanto.
Não sozinha — nunca sozinha.
Me levanto com Tereza.
Sim, Tereza de Benguela…
Mulher preta, mulher quilombola, mulher rainha.
Liderança. Inteligência. Força política e amor pelo povo.

No século XVIII, quando mataram seu companheiro,
ela não fugiu.
Ela ficou.
Assumiu o Quilombo do Quariterê.
Criou um governo, um parlamento, uma resistência com nome de liberdade.

Ela sabia…
Que resistir era também amar.
Que ser preta, mulher e viva
já era um ato revolucionário.

E eu…
Sou continuidade de Tereza.
Sou Eli Odara Theodoro .
Mulher preta. Quilombola.
Mãe. Viúva. Educadora.
Filha da terra e dos tambores.
Minha pele carrega o barro da luta,
minha voz carrega as palavras que tentaram calar.


Como diz Beatriz Nascimento:
“O quilombo é um lugar de liberdade possível.”

E eu sou esse lugar.
Meus passos são quilombo.
Minha fala é quilombo.
Minha sala de aula, meu terreiro, meus textos, minha lida — tudo é território de reexistência.

Sueli Carneiro grita comigo contra o apagamento.
Lélia Gonzalez me lembra que o mundo é racista e tenta nos empurrar pra margem.
Mas nós somos centro!
Centro da cura, do cuidado, da criação.



Conceição Evaristo sussurra aqui dentro:
“Escrevivência…”
E é isso que faço.
Eu escrevo com o corpo.
Escrevo com as dores e alegrias que a vida preta me deu.


IBGE diz: somos 28 milhões de mulheres negras no Brasil.
Mas isso é só número.
Nós somos mais!
Somos as que levantam antes do sol.
As que dançam pra Oxum e marcham contra o racismo.
Somos as que cuidam dos filhos dos outros enquanto sonham com futuro pros seus.


Djamila Ribeiro me lembra:
“Nosso lugar de fala não é favor.”
É luta.
É direito.

Nilma Lino Gomes grita comigo:
Educação quilombola é território de sabedoria viva!
Não tem sala de aula mais forte que o chão de nossas comunidades quilombolas.

E como diz bell hooks:
Amar também é ato político.
Eu escolho amar quem sou.
Escolho amar os meus.
Escolho amar as mulheres que vieram antes,
e aquelas que ainda virão.


Hoje…
Eu não só homenageio Tereza.
Eu a convoco.
Tereza está em mim.
Tereza está em nós.

Porque, como diz Conceição Evaristo:
“Nossos passos vêm de longe.”

E eu completo:
Vêm de longe…
E seguem firmes.
De cabeça erguida.
Pés fincados na terra.
E o coração batendo no ritmo da ancestralidade.


Axé, Tereza!
Axé, Mulheres Negras!
Axé, Julho das Pretas!

EU SOU A CONSCIÊNCIA PRETA RESILIENTE

No dia vinte de novembro, eu reflito a minha própria travessia. A jornada de uma mulher preta, de identidade quilombola, corpo-território que fez da formação uma ferramenta potente de luta.
Penso nos caminhos que trilhei, caminhos marcados por enfrentamentos, muitas vezes solitários, onde resistir era a única forma de seguir viva. Onde cada barreira erguida pela estrutura racista exigiu de mim esforço desigual, preparo, coragem, competência…
Mas nunca houve uma mão estendida, nunca houve um atalho. Eu tive que romper sozinha os bloqueios que queriam impedir minha passagem. E, nessa travessia, sempre a mesma contradição: de um lado, uma estrutura inteira dizendo que eu não deveria avançar; do outro, vozes repetindo que eu era forte demais para cair, forte demais para parar, forte demais para sentir.
A verdade é que, muitas vezes, minha humanidade foi sacrificada para que eu pudesse sobreviver. Ainda assim, nos momentos mais duros , quando a dor era insuportável e quase me desviou de mim foi a ancestralidade que me tomou pelos braços. Foi ela quem me restaurou, quem me recolheu do chão, quem me envolveu em cuidado e me lembrou quem eu sou. Foi ela quem me empurrou de volta para a vida, com afeto, para que eu continuasse não apenas reexistindo, mas existindo com dignidade.
E é assim , em nome dos que vieram antes e vingaram, e, sobretudo, pelos que estão chegando que eu sigo. Porque minha consciência, escrita em resistência. E resistência, em mim, é sempre caminho.

O ATABAQUE

O toque do atabaque ensina,

e cada batida é memória que pulsa.

Educação quilombola é voz que não cala,

é roda que fortalece identidades,

ancestralidade que caminha viva

nos passos de quem aprende e de quem ensina.



Não é ensino que apaga,

mas fogo que resiste.

É legado que ecoa na terra,

na palavra, no gesto, no som.

Educar aqui é sobreviver,

é florescer no ontem e no amanhã.

Isso é Ubuntu.”

A Pedagogia do Mito

O mito não mente,
ele ensina em silêncio,
na dança da palavra
que atravessa o tempo.

É raiz que fala,
voz que ecoa no tambor,
sabedoria que veste o corpo
com memórias de cor.

No mito, não há distância,
há presença que guia,
é lição que não se fecha
na página fria.

É saber do fogo,
da água, do vento, do chão,
um livro aberto no céu,
um aprendizado em canção.

Pedagogia do mito
é roda que nunca se encerra,
é criança aprendendo com a lua,
é ancião dialogando com a terra.

Na boca que conta,
na escuta que floresce,
a vida se torna escola,
e o mito, mestre que tece.

⁠"Existe aquele Lugar Que Insisto, Mas Que Não Me Guarda" por Eli Odara Theodoro (com as mãos da vida e a escuta do tempo) Eu quis ficar. De verdade. Plantei afeto, pendurei sonhos nas janelas, acendi luzes onde antes era sombra.Mas o chão ficou escorregadio, as portas rangiam sozinhas, e até o silêncio começou a me empurrar pra fora. O que antes era abrigo, virou desconforto. E o que antes me chamava de volta, hoje responde com ausência. Talvez não seja rejeição. Talvez seja proteção. Talvez seja o universo, com sua delicada firmeza, dizendo: "vai.
Você cresceu, e esse vaso ficou pequeno." E difícil aceitar que o querer da alma às vezes não cabe no querer da vida. Mas eu escuto. Com os olhos cheios e o peito aberto. Se for preciso ir, que eu vá inteira, mesmo partindo. Porque onde não me guardam com verdade, eu não posso me perder por insistência. "