Coleção pessoal de bipolaridade

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Soneto 30

Quando à corte silente do pensar
Eu convoco as lembranças do passado,
Suspiro pelo que ontem fui buscar,
Chorando o tempo já desperdiçado,

Afogo olhar em lágrima, tão rara,
Por amigos que a morte anoiteceu;
Pranteio dor que o amor já superara,
Deplorando o que desapareceu.

Posso então lastimar o erro esquecido,
E de tais penas recontar as sagas,
Chorando o já chorado e já sofrido,

Tornando a pagar contas todas pagas.
Mas, amigo, se em ti penso um momento,
Vão-se as perdas e acaba o sofrimento.

O meu passado é tudo quanto não consegui ser. Nem as sensações de momentos idos me são saudosas: o que se sente exige o momento; passado este, há um virar de página e a história continua, mas não o texto.

O amor é uma espécie de preconceito. A gente ama o que precisa, ama o que faz sentir bem, ama o que é conveniente. Como pode dizer que ama uma pessoa quando há dez mil outras no mundo que você amaria mais se conhecesse? Mas a gente nunca conhece.

Sabe ter ânsia de vômito segundos antes de vê-lo e ter fome de mundo segundos depois de abraçá-lo?

Eu quero ser inconsequente e tão livre quanto abandonado, simplesmente não suporto a maneira como alguns acham que podem salvar os outros, como poderiam?

Mas o pior é o súbito cansaço de tudo. Parece uma fartura, parece que já se teve tudo e que não se quer mais nada.

Tenho me convivido muito ultimamente e descobri com surpresa que sou suportável às vezes até agradável de ser. Bem. Nem sempre.

– Desabrocho em coragem, embora na vida diária continue tímida. Aliás sou tímida em determinados momentos, pois fora destes tenho apenas o recato que também faz parte de mim. Sou uma ousada-encabulada: depois da grande ousadia é que me encabulo.
– Você conhece os seus maiores defeitos?
– Os maiores não conto porque eu mesma me ofendo. Mas posso falar naqueles que mais prejudicam a minha vida. Por exemplo, a grande fome de tudo, de onde decorre uma impaciência insuportável que também me prejudica.

Mas não sou completa, não. Completa lembra realizada. Realizada é acabada.

Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil.

E eu não aguento a resignação. Ah, como devoro com fome e prazer a revolta.

Quem sabe eu tive de algum modo pressa de viver logo tudo o que eu tivesse a viver para que me sobrasse tempo de... de viver sem fatos? de viver. Cumpri cedo os deveres de meus sentidos, tive cedo e rapidamente dores e alegrias – para ficar depressa livre do meu destino humano menor? e ficar livre para buscar a minha tragédia.

A verdade não faz sentido, a grandeza do mundo me encolhe. Aquilo que provavelmente pedi e finalmente tive, veio no entanto me deixar carente como uma criança que anda sozinha pela terra. Tão carente que só o amor de todo o universo por mim poderia me consolar e me cumular, só um tal amor que a própria célula-ovo das coisas vibrasse com o que estou chamando de um amor. Daquilo a que na verdade apenas chamo mas sem saber-lhe o nome.

Para evitar críticas, não faça nada, não diga nada, não seja nada.

Ah! Não me diga que concorda comigo! Quando as pessoas concordam comigo, tenho sempre a impressão de que estou errado.

Quero exigentemente que acreditem em mim. Quero que acreditem em mim até quando minto.

Já que sou, o jeito é ser.

Às vezes, melancolia sem causa escurecia-me o rosto, uma saudade morna e incompreensível de épocas nunca vividas me habitava.

Só uma coisa a favor de mim eu posso dizer: nunca feri de propósito. E também me dói quando percebo que feri. Mas tantos defeitos tenho. Sou inquieta, ciumenta, áspera, desesperançosa. Embora amor dentro de mim eu tenha.

Tenho que ter paciência para não me perder dentro de mim. Vivo me perdendo de vista.