Clarice Lispector quando se Ama não
Me mato? Não. Vivo como bruta resposta. Estou aí para quem me quiser.
Eu queria escrever um livro. Mas onde estão as palavras? esgotaram-se os significados. Como surdos e mudos comunicamo-nos com as mãos. Eu queria que me dessem licença para eu escrever ao som harpejado e agreste a sucata da palavra. E prescindir de ser discursivo. Assim: poluição.
Escrevo ou não escrevo?
Eu tenho uma aparente liberdade mas estou presa dentro de mim.
Vivemos exclusivamente no presente, pois sempre e eternamente é o dia de hoje, e o dia de amanhã será um hoje, a eternidade é o estado das coisas nesse momento.
Sou cheio de muito amor e é isso o que certamente me dá uma grandeza.
Haverá um ano em que haverá um mês, em
que haverá uma semana em que haverá um
dia em que haverá uma hora em que haverá
um minuto em que haverá um segundo
e dentro do segundo haverá o não tempo
sagrado da morte transfigurada.
Quero captar o meu é. E canto aleluia para o ar assim como faz o pássaro. E meu canto é de ninguém. Mas não há paixão sofrida em dor e amor a que não se siga uma aleluia.
Esperar que algo amadureça é uma experiência sem par: como na criação artística em que se conta com o vagaroso trabalho do inconsciente.
Não sei o que fazer da aterradora liberdade que pode me destruir. Mas enquanto eu estava presa, estava contente? ou havia, e havia, aquela coisa sonsa e inquieta em minha feliz rotina de prisioneira?
Inclusive mais amor inclui uma alerteza maior para achar bonito o que nem mesmo bonito é.
Que simplicidade. Nunca pensei que o mundo e eu chegássemos a esse ponto de trigo.
Sou muito mais lunar que solar.
(...) um desses frios que se tem quando se vê sem ilusões a realidade.
É sempre assim que acontece – quando a gente se revela, os outros começam a nos desconhecer.
Muitas vezes antes de adormecer – nessa pequena luta por não perder a consciência e entrar no mundo maior – muitas vezes, antes de ter a coragem de ir para a grandeza do sono, finjo que alguém está me dando a mão e então vou, vou para a enorme ausência de forma que é o sono. E quando mesmo assim não tenho coragem, então eu sonho.
A crueza do mundo era tranquila. O assassinato era profundo. E a morte não era o que pensávamos.
Desejo que você não esmoreça, porque é tão bom estar de “bom jeito”. Acho que eu devia abandonar minha “tragédia” em um ato...
Disso tudo, restam nervos muito sensíveis e uma predisposição séria para ficar calada. Mas aceito tanto agora. Nem sempre pacificamente, mas a atitude é de aceitar.
O bom é que a verdade chega a nós como um sentido secreto das coisas.
