Clarice Lispector quando se Ama não
Adoro ouvir coisas que dão a medida de minha ignorância.
Faça a descoberta de si mesma – e aos poucos você descobrirá que é mais seguro e compensador valorizar-se
Tudo me atinge – vejo demais, ouço demais, tudo exige demais de mim.
O mal é que a minha esperança ou é inexistente ou forte demais – esperança forte demais é “infantil”.
Para compreender a minha não-inteligência, o meu sentimento, fui obrigada a me tornar inteligente.
Refugiei-me na doideira porque a razão não me bastava.
A dor parece uma ofensa à nossa integridade física.
O que nos salva da solidão é a solidão de cada um dos outros.
Deus não deve ser pensado jamais senão Ele foge ou eu fujo. Deus deve ser ignorado e sentido. Então Ele age. Pergunto-me: por que Deus pede tanto que seja amado por nós? resposta possível: porque assim nós amamos a nós mesmos e em nos amando, nós nos perdoamos. E como precisamos de perdão. Porque a própria vida já vem mesclada ao erro.
Cada mudança, cada projeto novo causa espanto: Meu coração está espantado.
Certamente hoje é grãos de terra. Olha para cima, para o céu, durante todo o tempo. Às vezes chove, ela fica cheia e redonda nos seus grãos. Depois vai secando com o estio e qualquer vento a dispersa. Ela é eterna agora.
De maneira alguma, pense que aqui escrevo o meu mais íntimo segredo. Na verdade, há segredos que não conto nem a mim mesma.
Vou perder o resto do medo do mau gosto, vou começar meu exercício de coragem, viver não é coragem, saber que se vive é a coragem.
Tentou num último esforço inventar alguma coisa, um pensamento, que a distraísse. Inútil. Ela só sabia viver.
Olhando a extrema beleza dos pássaros amarelos calculo o que seria se eu perdesse totalmente o medo. O conforto da prisão burguesa tantas vezes me bate no rosto. E, antes de aprender a ser livre, tudo eu aguentava – só para não ser livre.
Sou tímida e ousada ao mesmo tempo.
E doidamente me apodero dos desvãos de mim, meus desvarios me sufocam de tanta beleza. Eu sou antes, eu sou quase, eu sou nunca.
Nesse momento minha inspiração dói em todo o meu corpo. Mais um instante e ela precisará ser mais do que uma inspiração. E em vez dessa felicidade asfixiante, como um excesso de ar, sentirei nítida a impotência de ter mais do que uma inspiração, de ultrapassá-la, de possuir a própria coisa – e ser realmente uma estrela. Aonde leva a loucura, a loucura.
Escrevo porque encontro nisso um prazer que não sei traduzir. Não sou pretensiosa. Escrevo para mim, para que eu sinta a minha alma falando e cantando, às vezes chorando...
Porque, quanto a mim, sinto de vez em quando que sou o personagem de alguém. É incômodo ser dois: eu para mim e eu para os outros.