Carlos Drumond de Andrade Contagem do Tempo
Antes da frase do de Gaulle, todo brasileiro sério já sabia disso.
(sobre a frase atribuída a de Gaulle: "O Brasil não é um país sério")
O homem não pode trair o escritor, mas o escritor deve sempre trair o homem. Quando assume a condição de escritor, ele deve ficar acima do homem.
Deixei de acreditar em Deus no dia em que vi o Brasil perder a Copa do Mundo no Maracanã...
Não há nada de mais ilusório e contingente do que a verdade, e coisa alguma mais ajuizada do que a dúvida.
Os Três Mal-Amados
O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.
O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.
O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.
O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.
Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.
O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.
O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.
O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.
O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.
O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.
O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.
Liberdade
Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade.
Tecendo a manhã
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.
Bola de futebol... é um utensílio semivivo,
de reações próprias como bicho,
e que, como bicho, é mister
(mais que bicho, como mulher)
usar com malícia e atenção
dando aos pés astúcias de mãos.
Chego em casa
Encontro apenas seu perfume
Alimento certo, nutritivo para o ciúme
Um bilhete escrito com batom me diz assim:
"Entre um take e outro eu telefono, pense em mim"
Para me relaxar ligo a televisão
Mas que tolice a minha
Triste tentativa em vão
Ela me aparece com alguém que não sou eu
Vejo noutros braços tudo aquilo que é meu.
Vejam só vocês que foi que eu fiz
Fui me apaixonar por uma atriz.
Outra vez eu tento controlar meu coração
Mas meu controle é mais remoto
Que o que eu tenho em minha mão
Fecho os olhos, tento não pensar
Mas não consigo
Com ou sem controle
É sempre nela que eu me ligo.
Vejam só vocês que foi que eu fiz
Fui me apaixonar por uma atriz.
O telefone toca, ela me chama
Me lembra que me ama
Aquela voz macia
Diz que tem ciúme e quer saber
Se nela eu pensei
Durante todo o dia.
Essa força me ajuda a viver
por isso eu não desisto
Essas mãos que amparam o meu ser
São as mãos de Jesus Cristo
Você não sabe quanta coisa eu faria
Além do que já fiz
Você não sabe até onde eu chegaria
Para te fazer feliz
Eu chegaria onde só chegam os pensamentos
Encontraria uma palavra que não existe
Para te dizer nesse meu verso quase triste
Como é grande o meu amor
Você não sabe que os anseios do seu coração
São muito mais para mim
Do que as razões que eu tenha
Para dizer que não
E eu sempre digo sim
E ainda que a realidade me limite
A fantasia dos meus sonhos me permite
Que eu faça mais do que as loucuras
Que já fiz para te fazer feliz
Você só sabe
Que eu te amo tanto
Mas na verdade
Meu amor não sabe o quanto
E se soubesse iria compreender
Razões que só quem ama assim pode entender
Você não sabe quanta coisa eu faria
Por um sorriso seu
Você não sabe até onde chegaria
Amor igual ao meu
Mas se preciso for eu faço muito mais
Mesmo que eu sofra
Ainda assim eu sou capaz
De muito mais
Do que as loucuras que já fiz
Para te fazer feliz!
Você quer brincar de amor
Eu quero só te amar
Você quis por um momento
E eu sempre quis ficar
Mas em nossas diferenças
Nada é mais igual
Do que nós dois
Da certeza desse amor
Eu nunca duvidei
Porque tudo era bonito
Eu eu me acostumei
Às palavras de amor que eu nunca
Acreditei mas aceitei...
Ah! Você tem coisas tão difíceis de entender
Um jeito ausente tão presente no olhar
Como quem ama e sente medo de gostar
Ah! Eu não entendo esta paixão
Que eu vivo com você
Que esquece o tempo e deixa a cama por fazer
E esse ciúme que eu não queria ter
Ah! Você tem coisas tão...
O amor é mais do que eu pensei, é mais do que eu sonhava, e esse amor que eu tanto esperava, só conheci quando encontrei você!
Tudo nesse mundo pode se modificar
Pode até mudar a posição do sol e o mar
Que eu vou te amar
Eu vou te amar
Quem ama não esquece quem ama, o amor é assim
Eu tenho esquecido de mim, mas dela eu nunca me esqueço...
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