Carlos Drummond Sofre por Viver
Dado que uma sociedade, segundo Smith, não é feliz quando a maioria sofre... é necessário concluir que a infelicidade da sociedade é a meta da economia política. As únicas engrenagens acionadas pela economia política são a avidez pelo dinheiro e a guerra entre aqueles que padecem disso, a concorrência.
"Amar é sofrer. Para evitar sofrer não se deve amar. Mas então uma pessoa sofre por não amar. Portanto, amar é sofrer. Não amar é sofrer. Sofrer é sofrer. Ser feliz, é amar. Ser feliz, então, é sofrer. Mas o sofrimento faz-nos infelizes. Logo, para se ser infeliz é preciso amar, ou amar para sofrer, ou sofrer por se ser demasiado feliz."
E ele atende, e implica, e a gente some, e ele chama, e a gente volta, e briga, e ama, e sofre, e ama, e ama, e ama, e desama, e termina, e quando parece que cansamos, que não há mais espaço para um novo amor, outro aparece, outro parto, começa tudo de novo, aquele ata-e-desata, o coração da gente sendo puxado para fora"
Mulher chora à toa, fica triste sem motivo aparente,
e sofre sem saber por quê.
E tudo isto vai embora tal como veio: sozinho e sem explicação.
Diante de uma mulher assim, apenas se afaste, silencie,
ou lhe dê a mão...
"Coloco Radiohead. If I could beeeee, who you wanteeeed. Apago todas as luzes. Vai, Tati, sofre. Você precisa sofrer um pouco. Vai. Você combinou que se daria pelo menos uns instante de luto pelo amor que morreu. Vamos lá. Uma lágrima. Um, dois, três e...ah, eu tenho mais o que fazer!"
Não dá para viver sem um truque. A noite, enquanto espera o sono, esboce novos planos que lhe tragam, se não a glória, pelo menos o suficiente para continuar a fazer novos planos para um amanhã. Pode ser um amanhã simples, modesto, que seja apenas um amanhã.
Não dá para viver sem um truque. Eu me declarei morto. É uma sensação tranquila essa da gente se saber morto. Clandestino morto. Insuspeitado morto. Na tripulação do mundo já não me sinto comprometido com nada, mas continuo como testemunha do espetáculo. Não mais como cúmplice e nem vítima. Este é o meu truque.
Certamente, existem atos que só acontecem porque os tememos. Se o nosso medo não os convidassem, não viriam.
A Hora do Cansaço
As coisas que amamos,
as pessoas que amamos
são eternas até certo ponto.
Duram o infinito variável
no limite de nosso poder
de respirar a eternidade.
Pensá-las é pensar que não acabam nunca,
dar-lhes moldura de granito.
De outra matéria se tornam, absoluta,
numa outra (maior) realidade.
Começam a esmaecer quando nos cansamos,
e todos nos cansamos, por um outro itinerário,
de aspirar a resina do eterno.
Já não pretendemos que sejam imperecíveis.
Restituímos cada ser e coisa à condição precária,
rebaixamos o amor ao estado de utilidade.
Do sonho eterno fica esse gosto acre
na boca ou na mente, sei lá, talvez no ar.
Poema de aniversário
Procurei no dicionário,
Com paciência e cuidado,
O real significado
Da palavra aniversário.
Aquele livro pesado,
Mestre dos visionários,
"Pai dos burros" batizado,
Pareceu-me sectário,
Ao responder meu chamado.
Deveras decepcionado,
Joguei o meu dicionário
Na estante, empoeirado,
Para pregar, solitário,
O meu significado
Da palavra aniversário.
Diz assim, o verbete lendário,
Ontem, por mim criado:
"Aniversário: espécie de relicário,
Muitíssimo bem guardado
Nas folhas do meu diário,
Dos versos que eu escrevi,
Com todo amor, e não li,
Durante o ano passado."
Repara que o outono é mais estação da alma do que da natureza.
Amor é dado de graça, é semeado no vento, na cachoeira, no eclipse. Amor foge a dicionários e a regulamentos vários.
Nota: Poema pertencente ao livro "Amar se aprende amando" de Carlos Drummond de Andrade. Link
Como nos enganamos fugindo ao amor!
Como o desconhecemos, talvez com receio de enfrentar
Sua espada coruscante, seu formidável
Poder de penetrar o sangue e nele imprimir
Uma orquídea de fogo e lágrimas.
Entretanto, ele chegou de manso e me envolveu
Em doçura e celestes amavios.
Não queimava, não siderava; sorria.
Mal entendi, tonto que fui, esse sorriso.
Feri-me pelas próprias mãos, não pelo amor
Que trazias para mim e que teus dedos confirmavam
Ao se juntarem aos meus, na infantil procura do outro,
O outro que eu me supunha, o outro que te imaginava,
Quando - por esperteza do amor - senti que éramos um só.
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
(...)
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
"Trouxeste a chave?"