Bolero de Ravel Carlos Dummond de Andrade
Aqueles que se aplicam muito minuciosamente a coisas pequenas, frequentemente tornam-se incapazes de coisas grandes.
Satânico é meu pensamento a teu respeito, e ardente é o meu desejo de apertar-te em minha mão, numa sede de vingança incontestável pelo que me fizeste ontem. A noite era quente e calma, e eu estava em minha cama, quando, sorrateiramente, te aproximaste. Encostaste o teu corpo sem roupa no meu corpo nu, sem o mínimo pudor! Percebendo minha aparente indiferença, aconchegaste-te a mim e mordeste-me sem escrúpulos.
Até nos mais íntimos lugares. Eu adormeci.
Hoje quando acordei, procurei-te numa ânsia ardente, mas em vão.
Deixaste em meu corpo e no lençol provas irrefutáveis do que entre nós ocorreu durante a noite.
Esta noite recolho-me mais cedo, para na mesma cama, te esperar. Quando chegares, quero te agarrar com avidez e força. Quero te apertar com todas as forças de minhas mãos. Só descansarei quando vir sair o sangue quente do seu corpo.
Só assim, livrar-me-ei de ti, pernilongo filho da...
Para você ganhar belíssimo Ano Novo...
Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar de arrependimento
pelas besteiras consumadas nem
parvamente acreditar que por decreto
da esperança a partir de Janeiro
as coisas mudem e seja claridade,
recompensa, justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e
gosto de pão matinal, direitos respeitados,
começando pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano-novo que mereça
este nome, você, meu caro, tem de
merecê-lo, tem de fazê-lo novo,
Eu sei que não é fácil mas tente,
experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
dorme e espera desde sempre.
É sempre no passado aquele orgasmo,
é sempre no presente aquele duplo,
é sempre no futuro aquele pânico.
É sempre no meu peito aquela garra.
É sempre no meu tédio aquele aceno.
É sempre no meu sono aquela guerra.
É sempre no meu trato o amplo distrato.
Sempre na minha firma a antiga fúria.
Sempre no mesmo engano outro retrato.
É sempre nos meus pulos o limite.
É sempre nos meus lábios a estampilha.
É sempre no meu não aquele trauma.
Sempre no meu amor a noite rompe.
Sempre dentro de mim meu inimigo.
E sempre no meu sempre a mesma ausência.
O homem não pode trair o escritor, mas o escritor deve sempre trair o homem. Quando assume a condição de escritor, ele deve ficar acima do homem.
Antes da frase do de Gaulle, todo brasileiro sério já sabia disso.
(sobre a frase atribuída a de Gaulle: "O Brasil não é um país sério")
Deixei de acreditar em Deus no dia em que vi o Brasil perder a Copa do Mundo no Maracanã...
Não há nada de mais ilusório e contingente do que a verdade, e coisa alguma mais ajuizada do que a dúvida.
