Solano Trindade

Encontrados 11 pensamentos de Solano Trindade

Eu ia fazer um poema para você
mas me falaram das crueldades
nas colônias inglesas
e o poema não saiu

ia falar do seu corpo
de suas mãos
amada
quando soube que a polícia espancou um companheiro
e o poema não saiu

ia falar em canções
no belo da natureza
nos jardins
nas flores
quando falaram-me em guerra
e o poema não saiu

perdão amada
por não ter construído o seu poema
amanhã esse poema sairá
esperemos.

Sou negro
meus avós foram queimados
pelo sol da África
minh`alma recebeu o batismo dos tambores
atabaques, gongôs e agogôs
Contaram-me que meus avós
vieram de Loanda
como mercadoria de baixo preço
plantaram cana pro senhor de engenho novo
e fundaram o primeiro Maracatu

Depois meu avô brigou como um danado
nas terras de Zumbi
Era valente como quê
Na capoeira ou na faca
escreveu não leu
o pau comeu
Não foi um pai João
humilde e manso
Mesmo vovó
não foi de brincadeira
Na guerra dos Malês
ela se destacou

Na minh`alma ficou
o samba
o batuque
o bamboleio
e o desejo de libertação

Inserida por nanahh

Eu gosto de ler gostando,
gozando a poesia,
como se ela fosse
uma boa camarada,
dessas que beijam a gente
gostando de ser beijada.

Eu gosto de ler gostando
gozando assim o poema,
como se ele fosse
boca de mulher pura
simples boa libertada
boca de mulher que pensa...
dessas que a gente gosta
gostando de ser gostada.

TEM GENTE COM FOME

Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome

Piiiiii

Estação de Caxias
de novo a dizer
de novo a correr
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome

Vigário Geral
Lucas
Cordovil
Brás de Pina
Penha Circular
Estação da Penha
Olaria
Ramos
Bom Sucesso
Carlos Chagas
Triagem, Mauá
trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome

Tantas caras tristes
querendo chegar
em algum destino
em algum lugar

Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome

Só nas estações
quando vai parando
lentamente começa a dizer
se tem gente com fome
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer

Mas o freio de ar
todo autoritário
manda o trem calar
Psiuuuuuuuuuuu

⁠Navio Negreiro

Lá vem o navio negreiro
Lá vem ele sobre o mar
Lá vem o navio negreiro
Vamos minha gente olhar...

Lá vem o navio negreiro
Por água brasiliana
Lá vem o navio negreiro
Trazendo carga humana...

Lá vem o navio negreiro
Cheio de melancolia
Lá vem o navio negreiro
Cheinho de poesia...

Lá vem o navio negreiro
Com carga de resistência
Lá vem o navio negreiro
Cheinho de inteligência…

Inserida por pensador

⁠Bolinhas de gude

Jorginho foi preso
quando jogava bolinha de gude
não usou arma de fogo
nem fez brilhar sua navalha

Jorginho era criança igual às outras
queria brincar
O brinquedo poderia ser um revólver
uma navalha
um pandeiro
quem sabe um cavalinho de pau
Jorginho queria brincar

Jorginho viu um filme americano
no outro dia
fez uma quadrilha de mentirinha
sempre brincando
a quadrilha foi ficando de verdade

Jorginho ficou grande como Pelé
todos os dias saía no jornal...

Televisionado
só não deu autógrafo
porque estava algemado

Ele era o facínora
que brincava com bolinhas de gude.

Inserida por pensador

⁠Canta América

Não o canto de mentira e falsidade
que a ilusão ariana
cantou para o mundo
na conquista do ouro
nem o canto da supremacia dos derramadores de sangue
das utópicas novas ordens
de napoleônicas conquistas
mas o canto da liberdade dos povos
e do direito do trabalhador…

Inserida por pensador

Advertência

Há poetas que só fazem versos de amor
Há poetas herméticos e concretistas
enquanto se fabricam
bombas atômicas e de hidrogênio
enquanto se preparam
exércitos para guerra
enquanto a fome estiola os povos...

Depois
eles farão versos de pavor e de remorso
e não escaparão ao castigo
porque a guerra e a fome
também os atingirão
e os poetas cairão no esquecimento…

Inserida por pensador

⁠⁠Civilização branca

LINCHARAM um homem
entre os arranha-céus
(li num jornal)
procurei o crime do homem
o crime não estava no homem
estava na cor de sua epiderme

Inserida por pensador

Negros

Negros que escravizam
e vendem negros na África
não são meus irmãos

negros senhores na América
a serviço do capital
não são meus irmãos

negros opressores
em qualquer parte do mundo
não são meus irmãos

Só os negros oprimidos
escravizados
em luta por liberdade
são meus irmãos

Para estes tenho um poema
grande como o Nilo.

Inserida por pensador

⁠CONVERSA

– Eita negro!
quem foi que disse
que a gente não é gente?
quem foi esse demente,
se tem olhos não vê...

– Que foi que fizeste mano
pra tanto falar assim?
– Plantei os canaviais do nordeste

– E tu, mano, o que fizeste?
Eu plantei algodão
nos campos do sul
pros homens de sangue azul
que pagavam o meu trabalho
com surra de cipó-pau.

– Basta, mano,
pra eu não chorar,
E tu, Ana,
Conta-me tua vida,
Na senzala, no terreiro

– Eu...
cantei embolada,
pra sinhá dormir,
fiz tranças nela,
pra sinhá sair,
tomando cachaça,
servi de amor,
dancei no terreiro,
pra sinhozinho,
apanhei surras grandes,
sem mal eu fazer.

Eita! quanta coisa
tu tens pra contar...
não conta mais nada,
pra eu não chorar –

E tu, Manoel,
que andaste a fazer
– Eu sempre fui malandro
Ó tia Maria,
gostava de terreiro,
como ninguém,
subi para o morro,
fiz sambas bonitos,
conquistei as mulatas
bonitas de lá...

Eita negro!
– Quem foi que disse
que a gente não é gente?
Quem foi esse demente,
se tem olhos não vê.

Inserida por pensador