saramago

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às vezes perguntamos-nos por que tardou tanto a felicidade a chegar, por que não veio mais cedo, mas se nos aparece de improviso, como neste caso, quando já não a esperávamos, então o mais provável é que não saibamos que fazer, e não é tanto a questão de escolher entre o rir e o chorar, é a secreta angústia de pensar que talvez não consigamos estar à altura.

Pareceu ao médico que ouvia chorar, um som quase inaudível, como só pode ser o de umas lágrimas que vão deslizando lentamente até às comissuras da boca e aí se somem para recomeçarem o ciclo eterno das inexplicáveis dores e alegrias humanas.

José Saramago
Ensaio sobre a cegueira

...o senso comum é demasiado comum para ser senso.
(O homem duplicado)

Quando a igreja inventou o pecado, inventou um instrumento de controle, não tanto das almas, porque à igreja não importam as almas, mas dos corpos.

Pode-se sempre pôr a palavra boa sobre a má palavra, mas nem uma nem outra poderão ser retiradas.

José Saramago
Todos os nomes. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

O destino, isso a que damos o nome de destino, como todas as coisas deste mundo, não conhece a linha reta. O nosso grande engano, devido ao costume que temos de tudo explicar retrospectivamente em função de um resultado final, portanto conhecido, é imaginar o destino como uma flecha apontada diretamente a um alvo que, por assim dizer, a estivesse esperando desde o princípio, sem se mover. Ora, pelo contrário, o destino hesita muitíssimo, tem dúvidas, leva tempo a decidir-se.

Imprevisibilidade da Vida, por Saramago

"Lembra-se de ali estar sentado em outros tempos, tão distantes que pode duvidar se os viveu ele mesmo; ou alguém por mim, talvez com igual rosto e nome"

"É uma impressão estranha, esta de me olhar num espelho e não me ver nele, Não se vê, Não, não me vejo, sei que estou a olhar-me, mas não me vejo, No entanto, tem sombra, É só o que tenho."

"Também no interior do corpo a treva é profunda, e contudo o sangue chega ao coração, o cérebro é cego e pode ver, é surdo e ouve, não tem mãos e alcança, o homem, claro está, é o labirinto de si mesmo"

⁠O que chamamos democracia começa a assemelhar-se tristemente ao pano solene que cobre a urna onde já está apodrecendo o cadáver

Creio no respeito às crenças de todo mundo, mas gostaria que as crenças de todo mundo fossem capazes de respeitar as crenças de todo mundo.”

( As palavras de Saramago)

...o seu pensar não foi assim tão claro, o pensamento, afinal de contas, já por outros, ou o mesmo, foi dito, é como um grosso novelo de fio enrolado sobre si mesmo, frouxo nuns pontos, noutros apertado até a sufocação e ao estrangulamento, está aqui, dentro da cabeça, mas é impossível conhecer-lhe a extensão toda, seria preciso desenrolá-lo, estendê-lo, e finalmente medi-lo, mas isto, por mais que se intente, ou finja intentar, parece que não o pode fazer o próprio sem ajudas, alguém tem que vir um dia dizer por onde se deve cortar o cordão que liga o homem ao seu umbigo, atar o pensamento à sua causa.
(O Evangelho Segundo Jesus Cristo)

(...) que os homens são anjos nascidos sem asas, é o que há de mais bonito, nascer sem asas e fazê-las crescer, isso mesmo fizemos com o cérebro, se a ele fizemos, a elas faremos (...)

«...ter de viver em algum lugar, compreender que não existe lugar que não seja lugar, que a vida não pode ser não vida».

O ser humano cresce mais à sombra que ao sol.

Eu fui. Mas o que fui já me não lembra:
Mil camadas de pó disfarçam, véus,
Estes quarenta rostos desiguais.
Tão marcados de tempo e macaréus.

Eu sou. Mas o que sou tão pouco é:
Rã fugida do charco, que saltou,
E no salto que deu, quanto podia,
O ar dum outro mundo a rebentou.

Falta ver, se é que falta, o que serei:
Um rosto recomposto antes do fim,
Um canto de batráquio, mesmo rouco,
Uma vida que corra assim-assim.

José Saramago
Os Poemas Possíveis

❝ Digo às vezes que não concebo nada tão magnífico e tão exemplar como irmos pela vida levando pela mão a criança que fomos, imaginar que cada um de nós teria de ser sempre dois, que fôssemos dois pela rua, dois tomando decisões, dois diante das diversas circunstâncias que nos rodeiam e provocamos. Todos iríamos pela mão de um ser de sete ou oito anos, nós mesmos, que nos observaria o tempo todo e a quem não poderíamos defraudar. Por isso é que eu digo […]: Deixa-te levar pela criança que foste. Creio que indo pela vida dessa maneira talvez não cometêssemos certas deslealdades ou traições, porque a criança que nós fomos nos puxaria pela manga e diria: ‘Não faças isso.❞

Penso saber que o amor não tem nada que ver com a idade, como acontece com qualquer outro sentimento. Quando se fala de uma época a que se chamaria de descoberta do amor, eu penso que essa é uma maneira redutora de ver as relações entre as pessoas vivas. O que acontece é que há toda uma história nem sempre feliz do amor que faz que seja entendido que o amor numa certa idade seja natural, e que noutra idade extrema poderia ser ridículo. Isso é uma ideia que ofende a disponibilidade de entrega de uma pessoa a outra, que é em que consiste o amor.

(p/Revista Máxima)

De fato, nunca se sabe muito bem para que servem as vitórias, suspirou o professor de matemática. Mas as derrotas sabe-se muito bem para que servem.
(O homem duplicado)

Nada começa que não tenha que acabar, tudo o que começa nasce do que acabou.
(O Evangelho Segundo Jesus Cristo)

Porque ainda está para nascer o primeiro homem desprovido daquela segunda pele a que chamamos egoísmo, muito mais dura que a primeira, que a tudo sangra.

"Como também vai sendo costume, foi muito louvada a minha sinceridade, mas, creio que pela primeira vez, esta insistência e esta unanimidade fizeram-me pensar se realmente existirá isso a que damos o nome de sinceridade, se a sinceridade não será apenas a última das máscaras que usamos, e, justamente por última ser, aquela que afinal mais esconde."
José Saramago, in Cadernos de Lanzarote

O egoísmo pessoal, o comodismo, a falta de generosidade, as pequenas covardias do cotidiano, tudo isso contribui para essa perniciosa forma de cegueira mental que consiste em estar no mundo e não ver o mundo, ou só ver dele o que, em cada momento, for suscetível de servir os nossos interesses.

José Saramago
África. Diário de Notícias, 11 ago. 2009.

⁠Abrem-se os portões, de par em par, os loucos saem.

(Ensaio sobre a Cegueira)

«... e depois aconteceu aquele longo diálogo diante do espelho, árvore do conhecimento do bem e do mal, não tem nada que aprender, basta olhar, que palavras extraordinárias teriam trocado os seus reflexos».