Manoela Ronai

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No fundo só eu conhecerei
a fundo
meu fundo.

Vocês verão minha boca
suja ou pintada de carmim
eu sentirei meus lábios
sangrado petróleo

Abro a porta do armário
Com o chá já quente no bule.
São oitenta e sete xícaras,
quatro leiteiras e um medo.
Me sirvo pensando em você...

É que minha nova mania é olhar leilões:
é imaginar a senhora que morreu
e colheu, numa vida, esses nove pratos de bolo.

O senhor dos treze cachimbos
que amava móveis de jacarandá,
agora, já não mais tem pulmões pra estragar.

Se desfazer de uma vida, de um lar inteiro.
Da bengala e do querido relógio com ponteiro quebrado
Dos lençóis, da aliança, do velho e amarelado cinzeiro
-no desespero a família contacta Conrado, o leiloeiro.

Alguém pode dar nova vida a esses pratos rasos
Às cadeiras que foram compradas para dois
- que eram seis e pareciam excesso -
até a chegada, inevitável, dos netos.

Um lote com trezentos e sete selos
para quem? Mais que o dinheiro
É preciso um motivo para a coleção gigante
Ou o pequeno açucareiro.

Folheio lotes e lotes
de uma estranha melancolia encantada:
Que belo aparelho de chá!
Quantas conversas
já não presenciaram
essas peças de porcelana verde?

Mais um gole com o pulsar aflito:
E eu? O que será de mim,
Mãinha?
Como hei de um dia esvaziar o armário?
Quando restarem de ti essas xícaras,
as leiteiras, e já sem voz,
tuas flautas, o que sobrará então, de mim?
Como beber nelas café,
Quando torrões de açúcar resultarem inúteis?

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