Karla Mello

Vivemos entre o equilíbrio do amor consonante.
E a felicidade dissonante.
Andamos à meio tom: Desafinados.

Pois que amar é tão aflito quanto estar-se parado num cais.
Acena-se na chegada...
Acena-se na partida...
E sempre há um prenúncio de chuva.

O tempo é vento e fome.
Que traz poeira cinza e que engole o homem.
Cortina que cobre cenas.
Cortina que encerra em atos.

Tenho também os meus "demônios".
E dias em que quero "morrer".
Mas ontem fiz mais uma contagem:
Há muito mais anjos à minha volta ultimamente.
E dias em que quero viver.

Comecei a crescer e a empobrecer os meus sonhos todos.
Assim... Quando eu descobri que as nuvens não eram de algodão.
Encontro-me com este tempo.
Ele ainda passa por mim.

Leio à mim em ti...
Ao andares em terras minhas,
Que eu nem sequer conheci.

Eu sou estranhamente feliz.
E muito feliz por não ser feliz.
A felicidade é um estado egoísta de estar no mundo.

E esvaem-se todos e tudo conosco!
Morrer... É como um imenso desenho na chuva.

Não gosto de gente que uma hora "está pelo pé"...
Em outra, "pela cabeça".
Já basta-me a própria vida...
Tão desarrumada e tudo de ponta-cabeça!
Gosto de gente com alminha - horizonte.

Estive olhando para dentro...
Dando uma "desolhada" no que eu estou.

GRÃO E PÃO

Dá-me um grão
Do teu amor
E serei pão
A alimentar a fome tua:
De amores...
De amores.

E se no céu não aparecerem as estrelas...
Procure-as no céu... Da tua boca.
Nas palavras de amor proferidas de outrora.
De ontem.
De algum dia.

O "estado de felicidade" linear me é cansativo.
Não que eu não goste de estar feliz...
Mas necessito estar inquieta;
Num contraponto à quietude tua.

A Terra é uma gigantesca orquestra afinada!
O único desafinado: O homem.

E se chover dentro de mim,
Corro e pego um lencinho.
Ou a minha sombrinha de flores e um gorro.
Ou a minha aguarela e pinto um sol.
E far-se-á um arco-íris!
... Mas quem escolhe sou eu.

Não gosto de nada "fashion".
Na realidade, nem entendo bem o que é isso.
Gosto mesmo é de manter a "elegância",
E usar calça jeans e camiseta branca.
Gosto também de perder a elegância.
E isso leva apenas alguns segundos.
Mas apenas quando trata-se dos meus filhos.
Não os magoem.
A maternidade é o único instante eterno e deselegante meu.

O tic-tac do relógio é sempre nos impinge o tempo.
E distorce a nossa face no espelho.
Mas aproxima-nos do "assumirmos" de nós.
E a velhice nada mais é...
Do que a essência concentrada do perfume de nós.

A estrada à nossa frente sempre bifurca.
E as escolhas, por um passo, mudam toda o nosso roteiro.
(Não escreva um roteiro com caneta)
Ao chegarmos na bifurcação,
Melhor sentarmos um pouco,
À sombra fresca de uma árvore.
E refletirmos muito antes de decidirmos
Sobre o que vamos deixar para trás.

Porque o espaço nada tem a ver com dimensão e tamanho.
O espaço é sempre do tamanho da solidão.

E o amor deveria viver de "começos" e de bons momentos "congelados" à 100 graus negativos para que não se esvaísse nunca.
E deveria ter gosto de sempre saudades,
E cheiro de terra molhada, de roupa lavada no varal, de alfazema no campo aromatizando os lençóis limpinhos e bem forrados da nossa cama.
O amor... Deveria permanecer com todos os "inhos" do começo.
Sem deixar nunca que o cotidiano triturasse tudo isso...
Mastigasse... E engolisse.
Ele, invariavelmente,
Transforma-se em algo que apenas foi.

Ando tolamente feliz... Mas não ando esquecida.
O mundo acontece lamentavelmente.
E esqueço sempre apenas onde pus os meus óculos.
E estou cega e surda apenas por uma brevezinha opção.
Um descanso aos neurônios ou quase neuroticamente distraída.
Algumas questões adultas estão "amarradas em trancinhas"...
Quero estar aproximadamente doze anos e,
Assim, como a Polianna, brincar do "Jogo do Contente".
Mas não demora nada... E solto os meus "cabelos"
E volto a venerar toda a "santa loucura".

Não gosto do meio-não e nem do meio-sim.
Das pessoas que correm do "dizer não" e do "dizer sim".
Digo não. E é não.
Digo sim. E é sim.
Pelo menos naquele momento do não e do sim.
Mas sou flexível e posso mudar minhas ideias.
Gosto das várias faces que mostra o instante. Das leituras.
Analiso-as e quase posso tocá-las dos tantos lugares em que posso colocar-me e ser muitas. E ser nenhuma.
E o que era não, pode passar a ser sim. Ou não.
Idéia fixa?... Não.
Elas, decididamente, não nasceram para mim.

O Poeta tem a alma do palhaço.
Solta ao vento sentimentos apenas.
Nem sempre importa aos que os lêem...
E estamos aí... Expostos e livres!
Uns riem, talvez de si mesmos. Ou de nós.
Outros choram, talvez por si mesmos. Ou por nós.

Se os dias de chuva insistirem em demorar
Dispa-se das idéias - E lave a alma!

Quanto mais eu penso, menos gosto desse lugar.
E menos gosto de gente.
E mais gosto de "bicho".
Mas gosto muito de "Gente".