Gabriela Luzia

Encontrados 6 pensamentos de Gabriela Luzia

Não que seja a primeira costa que me marca - pelo contrário, já residi na beira de uma belíssima, porém mais nova costa por quase três anos de calor - entretanto algumas peculiaridades me causam estranheza, posto que migro de um oásis de três décadas pra um anfitrião de tsunamis de quase meio século.
Óbvio que cansei de me cortar com as pedras pontiagudas empurradas pelo mar. Mas, ainda assim, me encanta imaginar todas as histórias e personagens que já perambularam pela velha costa - até as que figuram no meu próprio enredo, simultaneamente e não mais ou menos perto de serem protagonistas que eu. Veja bem, não me importo em dividir meu pequeno território na costa com outras viajantes, porém me perturba quando penso na possibilidade de ter que coexistir com outra construção. Sonho eu em ser o único porto em meio às diversas ruínas dessa costa, por mais que as águas do mar, de fato, nunca sejam as mesmas; o mar é transitório, não tem raiz, não para nem seria possível. Ainda assim, nas madrugadas em que tropeço acompanhada de uma garrafa de vidro pelas bandas da costa, eu alimento a utopia de que esse meu mar de ressaca, após inundar outros portos e cruzar todos os oceanos e praias recém-inauguradas, volte a bater a espuma no meu porto, que continua de pé.

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De vez em quando prestava atenção na turma – cujos olhos brilhavam. Os fatos e informações que bradava diante deles, que, pra ele e qualquer adulto minimamente politizado, eram verdades óbvias há décadas, eram terrivelmente opostos aos milhões de gigabytes de senso comum que enchiam a maioria daquelas cabeças jovens – o que os deixava fascinados. E era dentro dessa relação de quebra de paradigma que inconscientemente - para a classe - John se tornava o agente rompedor, o arauto da realidade, o responsável pelo encantamento. Toda essa fascinação gerava um desvio de propósito que culminava em uma nuvem de magnetismo e carisma, somando-se ao fascínio pelas ideias, indo terminar sendo diretamente relacionada à sua pessoa. E estava pronto.

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Considerando que o pouco (a quantidade padrão, talvez?) que tive de ti foi abdicando do que sou e seguindo diretrizes vindas de outrem, nada mais justo e óbvio do que utilizar os padrões literários do dito sujeito oculto pra te registrar na minha história documentada.

Se eu tivesse que fazer um guia, um guia do tango... começaria dizendo que é um ritmo antigo, clássico, o que significa que teve tempo pra se aperfeiçoar como arte; nas artes. Melhor aproveitado se interpretado após dieta etílica, devo acrescentar.

Um adendo sobre o tango é que sempre parece mais atraente quando és a terceira pessoa, ainda mais se te encontras sentada, na platéia - e essa dança tem um costume peculiar de fazer da plateia as próximas dançarinas.

Ouvirás, aliás, da plateia, maravilhas sobre o tango, embora o pessoal da staff na coxia tenha alguns episódios sórdidos pra compartilhar.

Talvez seja mesmo cansativo, mas vale a pena; as curvas e os passos diversos são regozijantes mesmo seguindo uma série de nuances deveras desagradáveis (e nunca, nunca reconhecidas pelos maestros -ha, maestros).


Se a finalizada não foi de teu agrado, ora, não preocupa-te. A fórmula é basicamente a mesma, podes até ter errado um passo ou outro, mas trata-se de uma dança fadada ao mesmo final: aquela giradinha besta com a mão na cintura.

O cigarro vai vir de brinde, estejas preparada. O que esperavas, afinal? Ah, aquelas notas prosaicas deturpadas do início da melodia eram engodo, sempre são. Tango que é tango acaba com um estampido chato, assustador. Se tu não ouviste ainda, meu bem, espera que ainda não acabou - estão te esperando pra mais uma voltinha na garagem.

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“O sol bateu na janela da sala e iluminou o pequeno apartamento onde vivia com seu pequeno cão, Harry. O outro lado do sofá permanecia quente desde a noite anterior. Olhou para as próprias mãos, ainda podia vê-las desesperadas pelo calor dele, descabelando-o e empurrando-o contra si mesma, sentiu, por um breve instante, a frieza dele percorrendo sua espinha. Talvez não fosse assim tão tarde.
Levantou, passou um café. As costas doíam, os pés formigavam e as mãos tremiam de frio. Vestia uma blusa de pijama e a roupa íntima. O frio congelava-lhe os ossos, mas pouco se importava. A única sensação incômoda daquela manhã eram as mãos vazias e trêmulas e a falta de companhia.
“A pior coisa entre nós é essa sua insuportável mania de ir embora de manhã.”
Largou a xícara na pia. Se dirigiu então, cabisbaixa, ao banheiro. Aquele dia não teria fim.”
“Sabia que mentia para si mesmo ao dizer que ela precisava dele. Na verdade era o próprio que não era capaz de sobreviver mais de um dia sem ela. Se sentia mal por isso, Livia era jovem. Deveria ter amigos, sair, conhecer novos rapazes… Ódio. Era o sentimento que se apoderava dele ao imaginar sua pequena rodeada de outros jovens, deixando-se levar pelas tentações da juventude atual. Livia, jogando porcarias para dentro do próprio corpo indefeso… Não seria capaz de perdoar qualquer ser pensante que fizesse com que ela chegasse perto de qualquer substância ilícita. Era capaz de matar.
Não queria pensar nisso. Fechou os olhos e mentalizou a imagem que tanto desejava ver. Parou. Os pensamentos que floresceram no carro ainda lhe perturbavam. Respirou. Encarava a porta. Sorriu para o olho mágico, que parecia estranhamente azul. Estendeu os braços. A porta se abriu.”

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- Vai, então. Se não me quer, vai e me deixa vazia.
Era essa deixa, sempre essa deixa. Voltou, em passos largos. A olhava nos olhos agora, de pé: ela na cama, lânguida, com o corpo entrelaçado ao lençol, lhe encarando diretamente nos olhos. Mordia o tecido, sujando tudo de batom. E a resposta veio a mesma, com a usual indignação pelo óbvio, pelo óbvio ululante, a ferida que ela sempre cutucava.
- Como eu “não quero”, como eu “não quero”...

(...) Reclamo, reclamo da vida, afinal, sempre vou querer o que não tenho. Mas será que isso tudo não é mesmo um presente da vida? Um poço de inspiração, calor - combustível, querosene pra essa fogueira literária que andava há meses cheia de carvão. Inspiração, fogo, calor: talvez seja essa a definição de callentura - bem melhor que excitação, bem mais plausível. Mas no meu dicionário, vem do lado de um substantivo próprio.

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