A Medida do Homem é a Imperfeição
FALÁCIAS DE AÇAFRÃO
A poesia caminha avança sobre o calvário desfeita em nó
Maldito este círculo tão apertado perfumado de mortos
Oh morte que estiveste só por horas, dias, meses e anos
Cama de pés gelados, braços esticados com mil demónios
Falácias brotam no sangue, coração de renúncia e inquietação
Asas decepadas num sonho para impedir o voo no falatório
Excesso de vozes repetidas na alma, na mente, no corpo doente
Vagam pelo espaço desfeito no tempo sugam o mel do feitiço
Sonhos de fogo coberto de sangue, afrontando os nossos anjos
Na calada da noite, no próprio abandono, sente-se as garras de dor
O rufar dos tambores clamor de uma poesia feita de esquecimento
Oh ânsia que despertas o açafrão acorrentado, geleia do nosso ouro.
AROMA FORTE
Escuta-me em silêncio, ouve o meu silêncio
Entre o molho holandês refeito pela segunda vez
Palavras ditas, silenciosas no olhar de altos e baixos
De embalados morangos doces do nosso Alentejo
Chá fresco ou quente com hortelã pimenta, no quarto
Fogo de pensamentos entre paixões e desejos nossos
Amante amoroso, sentinela dos teus, dos meus sonhos
Cúmplice na alma, canela posta no arroz doce ou aletria
Quente corpo nu, cantos sonolentos que gritam a raiva
Sonhos trancados, açúcar queimado no doce leite creme
Perdida paisagem no deserto de agitação estéril de ilusões
Doce de abóbora com requeijão, leva à loucura qualquer paixão
Noite de poucas palavras no sentir como um amor infinito
Escuta-me em silêncio, ouve-me em silêncio ao vento
Na imaginação das lembranças maravilhosas perfumadas
De rosmanhinho na abnegação de não conseguir suprimir
A curta distância de um delírio no aroma forte de gengibre.
Escuta-me em silêncio
(...) ouve-me em silêncio ao vento
Na imaginação das lembranças maravilhosas perfumadas.
Amante amoroso, sentinela dos teus, dos meus sonhos
Cúmplice na alma, canela posta no arroz doce ou aletria
Não tenha medo de perder um dia da sua vida
Mas nunca deixe fugir (...)
-ou perder a sua vida inteira.
Construimos um castelo, a volta do nosso amor
Como uma muralha, nas margens do rio
Para não deixar o sofrimento entrar.
SOZINHAs ESTAMOS ESTAREMOS
Eu sinto a minha existência em qualquer lugar
Mas se eu não perceber morro a ouvir os teus passos
Um dia partirei para longe deste mundo sozinha
Mas pretendo deixar um pouco de mim no teu ar
Eu já sei, sei que ninguém morrerá comigo
Nas brumas, dos dias, das noites, esta minha alma partida
Por palavras sentidas nesta noite, sem vestígio de alegria
Pensamentos presentes com sentimentos de saudades tuas
Na esperança de um desabafo que continua escuro
O meu mundo é uma sintonia que procura por ti
Que me faz querer-te, que me faz dizer, o que sinto
Um dia partirei, eu já sei que ninguém morrerá comigo.
O vampiro de The Dark City
Será meu um dia o teu coração?
De amor cortês enchi o meu cálice...
E de lágrimas hoje me branda a alma;
Venho olhar-te levantar e sorrir a cada manhã,
Paço as noites tentando fazer o mesmo...
Olho para o lado... Você não está aqui;
Quero roubar-te um beijo,
Morder-te amigavelmente,
Não se assuste...
Aprendi a gostar da luz, ela se parece muito com você;
Me chamam de vampiro,
Um dia amei uma mulher...
Me chamam de vampiro,
A fiz infeliz como eu...
Há? Alguém?
Me chamam de vampiro...
És minha rosa,
Sou teu espinho.
Deus não é maldito...
Ainda amo...
Não estou perdido...
Serei melhor...
Me faça melhor...
Não sou apenas isto.
As pessoas me cercam por olhares, não há como me esconder mais, meu cabelo, meus óculos e meu boné não são capazes de cobrir minha imperfeição.
Ó ARVORE
- Ó grito que rasgas de dor o ventre
Nas masmorras das trevas subterrâneas
- Ó trovão que ecoas o infinito
No sangue dos inocentes humilhados
- Ó abutre insaciável mercenário
Cheio de ódio, de hipocrisia
- Ó cavaleiro de espada de ferro
Exterminador da mentira
- Ó muro de arame farpado nas árvores
De poderosos ramos do universo
- Ó labirinto escondido de pedras entre ervas
Que esvoaçam folhas já de papel
- Ó galhos que sufocam a luz
Que criam raízes sem brotar esperança
Deve ser muito cansativo querer parecer perfeito o tempo todo, especialmente num mundo cheio de belas imperfeições.
LETAL DESTINO
Cinzas no chão, veneno no deserto
Trovão no céu, abre-se o desejo
Fogo inextinguível, dor na vesícula
Mastigo o terror de orgulhoso medo
Furor exausto de irritada verdade
Picada em sangue, doce mordida
Cobra de sombra que lança perdida
Batalhas doridas no próprio sustento
Espada de ferro que carrega um anjo
Que mata a carne, que espera esquecida
Chuva de lama que remove a vida
Liga fraudulenta entre os ossos, o cérebro
Torcem o braço até às clavículas
Vermes que não sabem decifrar o silêncio
Práticos pesadelos em caçar talentos
Molhada argila feita de nada para nada
Destino falso de letais falsos profetas
PORQUE ESCREVO
Escrevo porque
As palavras são fragas
Sem versos, sem vida
Escrevo porque
As palavras são tempestade
Sem pátria, sem espírito
Escrevo porque
As palavras são asas
Cruzes de ninguém em sangue roxo
Escrevo porque
As palavras são penas
Chagas podres no silêncio do vento
Escrevo porque
As palavras são pedras
Duras de afagos, mudas sem grito
Escrevo porque
As palavras são dor
Entre fogos, insanos sem sono.
Escrevo porque
As palavras são liberdade
Escritas, reescritas, lidas, relidas
FERVIDAS TRAVESSIAS
Deixa-me chamar-te no silêncio desta noite
Nos cálidos, monótonos, ventos do meu alento
Despe os meus olhos no salgado manto de algas
Entre as pávidas sensações de um viver intenso
Nas fervidas travessias de estáticas calmarias
Veste-me de um sorriso quando o silêncio chegar
Onde anoitece de leves suspiros de amargas atrações
Adormece a mágoa, a dor, a saudade do meu corpo
No desapego, castigos, amarras na embaraçosa voz
Ser desprendido pela vida, apto a um amor verdadeiro
Abordagem alcançada de todos os desejos entre as folhas
Tatuadas amarradas no pulso em que o poema aparece
Nas horas que não existem, no inverno que perdura, que gela
Os sonhos da eternidade mesmo que não tocasse com as mãos
Na chegada de uma andorinha, verão numa noite cheia de estrelas
Deixa-me respirar, tu és o meu ar, nas fervidas travessias do mar.
