Viva o Presente Tema o Futuro
Um minuto eu detinha a chave
Depois as paredes se fechavam em mim
E percebi que meu castelo estava erguido
Sobre pilares de sal e pilares de areia..
Só o presente é verdadeiro e real; ele é o tempo realmente preenchido e é nele que repousa exclusivamente a nossa existência.
É inteiramente insensato repelir uma boa hora presente, ou estragá-la de propósito, por conta de desgostos do passado ou ansiedades em relação ao porvir.
Afogue o passado junto com suas inseguranças, brinde o seu presente e o enrole em sua felicidade para não deixá-la escapar e nunca esqueça de acreditar que o melhor está por vir, pois o futuro é logo ali.
Mas a nostalgia do presente. O aprendizado da paciência, o juramento da espera. Do qual talvez não soubesse jamais se livrar.
O BEM QUE HÁ EM NOSSAS VIDAS
O bem geralmente é muito suave, discreto, e de tão presente que é em nossas vidas praticamente não o percebemos ou não o damos valor.
O mau ocorre bem menos, mas costuma ser escandaloso e por conta do sofrimento que causa, tem o poder de desestabilizar nossas vidas e até de cegar-nos ante todo o bem que temos.
Mas, por pior que seja a situação que estejamos passando, não devemos nos deixar levar pela ingrata impressão de que tudo dá errado conosco: em verdade, há mais bem em nossas vidas do que mau.
Não espere que grave doença te acometa para dares valor à saúde que tu tens.
Não espere que uma tragédia horrível ocorra contigo ou com os que te cercam para reconhecer o valor da paz que tu tens.
Não espere que algo terrivelmente triste ocorra para valorizares a suavidade do sorriso e da alegria que tu tens.
E, principalmente, não espere que te seja preciso perder para perceberes a exata medida das coisas, a grande verdade de que em nossas vidas existe menos mal do que bem...
Vivemos exclusivamente no presente, pois sempre e eternamente é o dia de hoje, e o dia de amanhã será um hoje, a eternidade é o estado das coisas nesse momento.
O medo
Certa manhã, ganhamos de presente um coelhinho das Índias.
Chegou em casa numa gaiola. Ao meio-dia, abri a porta da gaiola.
Voltei para casa ao anoitecer e o encontrei tal e qual o havia deixado: gaiola adentro, grudado nas barras, tremendo por causa do susto da liberdade.(p. 111)
A desmemória / 3
Nas ilhas francesas do Caribe, os textos de história ensinam que Napoleão foi o mais admirável guerreiro do Ocidente. Naquelas ilhas, Napoleão restabeleceu a escravidão em 1802. A sangue e fogo obrigou os negros livres a voltarem a ser escravos nas plantações. Disso, os textos não dizem nada. Os negros são os netos de Napoleão, não as suas vítimas. (p. 114)
A desmemória/4
Chicago está cheia de fábricas. Existem fábricas até no centro da cidade, ao redor do edifício mais alto do mundo. Chicago está cheia de fábricas, Chicago está cheia de operários.
Ao chegar ao bairro de Heymarket, peço aos meus amigos que me mostrem o lugar onde foram enforcados, em 1886, aqueles operários que o mundo inteiro saúda a cada primeiro de maio.
— Deve ser por aqui — me dizem. Mas ninguém sabe. Não foi erguida nenhuma estátua em memória dos mártires de Chicago na cidade de Chicago. Nem estátua, nem monolito, nem placa de bronze, nem nada.
O primeiro de maio é o único dia verdadeiramente universal da humanidade inteira, o único dia no qual coincidem todas as histórias e todas as geografias, todas as línguas e as religiões e as culturas do mundo; mas nos Estados Unidos, o Primeiro de maio é um dia como qualquer outro. Nesse dia, as pessoas trabalham normalmente, e ninguém, ou quase ninguém, recorda que os direitos da classe operária não brotaram do vento, ou da mão de Deus ou do amo.
Após a inútil exploração de Heymarket, meus amigos me levam para conhecer a melhor livraria da cidade. E lá, por pura curiosidade, por pura casualidade, descubro um velho cartaz que esta como que esperando por mim, metido entre muitos outros cartazes de música, rock e cinema.
O cartaz reproduz um provérbio da África: Até que os leões tenham seus próprios historiadores, as histórias de caçadas continuarão glorificando o caçador. (p. 115)
A hipocrisia está tão presente em tudo, que fico a pensar que é quase impossível que um de nós já não tenha vestido suas roupas, caminhado com seus calçados, e falado com a sua língua.