Vestido de Noiva de Nelson Rodrigues
Os rios que eu encontro
vão seguindo comigo.
Rios são de água pouca,
em que a água sempre está por um fio.
Cortados no verão
que faz secar todos os rios.
Rios todos com nome
e que abraço como a amigos.
Uns com nome de gente,
outros com nome de bicho,
uns com nome de santo,
muitos só com apelido.
Mas todos como a gente
que por aqui tenho visto:
a gente cuja vida
se interrompe quando os rios.
Como aceitara ir
no meu destino de mar,
preferi essa estrada,
para lá chegar,
que dizem da ribeira
e à costa vai dar,
que deste mar de cinza
vai a um mar de mar;
preferi essa estrada
de muito dobrar,
estrada bem segura
que não tem errar
pois é a que toda a gente
costuma tomar
(na gente que regressa
sente-se cheiro de mar).
O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato
O amor comeu meus cartões de visita
O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas
O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minha dieta
O amor comeu todos os meu livros de poesia
O amor comeu meu Estado, minha cidade
O amor comeu minha paz, minha guerra, meu dia e minha noite
Meu inverno, meu verão
Comeu meu silencio, minha dor de cabeça
O meu medo da morte
Tarado é toda pessoa normal pega em flagrante.
Muitas vezes é a falta de caráter que decide uma partida. Não se faz literatura, política e futebol com bons sentimentos.
Ou a mulher é fria ou morde. Sem dentada não há amor possível.
Dinheiro compra tudo. Até amor verdadeiro.
Só não estamos de quatro, urrando no bosque, porque o sentimento de culpa nos salva.
No Brasil, quem não é canalha na véspera é canalha no dia seguinte.
A morte de um velho amigo é uma catástrofe na memória. Todas nossas relações com o passado ficam alteradas.
Deus só freqüenta as igrejas vazias.
Copacabana vive, por semana, sete domingos.
Não ama seu marido? Pois ame alguém, e já. Não perca tempo, minha senhora!
A fome é mansa e casta. Quem não come não ama, nem odeia.
Todo ginecologista devia ser casto. O ginecologista devia andar de batina, sandálias e coroinha na cabeça. Como um são Francisco de Assis, com a luva de borracha e um passarinho em cada ombro.
A verdadeira grã-fina tem a aridez de três desertos.
No passado, a notícia e o fato eram simultâneos. O atropelado acabava de estrebuchar na página do jornal.
Não reparem que eu misture os tratamentos de tu e você. Não acredito em brasileiro sem erro de concordância.
Nossa ficção é cega para o cio nacional. Por exemplo: não há, na obra do Guimarães Rosa, uma só curra.
Os magros só deviam amar vestidos, e nunca no claro.
Um filho, numa mulher, é uma transformação. Até uma cretina, quando tem um filho, melhora.
O cardiologista não tem, como o analista, dez anos para curar o doente. Ou melhor: - dez anos para não curar. Não há no enfarte a paciência das neuroses
Não há ninguém mais vago, mais irrelevante, mais contínuo do que o ex-ministro.
Nunca a mulher foi menos amada do que em nossos dias.
O Natal já foi festa, já foi um profundo gesto de amor. Hoje, o Natal é um orçamento.
Enquanto um sábio negro não puder ser nosso embaixador em Paris, nós seremos o pré-Brasil.
Se eu tivesse que dar um conselho, diria aos mais jovens: - não façam literatice. O brasileiro é fascinado pelo chocalho da palavra.
Qualquer menino parece, hoje, um experimentado e perverso anão de 47 anos.
Quero crer que certas épocas são doentes mentais. Por exemplo: - a nossa.
Sexo é para operário.
Desconfio muito dos veementes. Via de regra, o sujeito que esbraveja está a um milímetro do erro e da obtusidade.
Falta ao virtuoso a feérica, a irisada, a multicolorida variedade do vigarista.
A burrice é diferente da ignorância. A ignorância é o desconhecimento dos fatos e das possibilidades. A burrice é uma força da natureza.
Não há inimigo insignificante. Todo inimigo é uma potência. O amigo trai na primeira esquina. Ao passo que o inimigo não trai nunca. O inimigo é fiel. O inimigo é o que vai cuspir na cova da gente. Não há admiração mais deliciosa do que a do inimigo.
A maioria das pessoas imagina que o mais importante no diálogo é a palavra. Engano: o importante é a pausa. É na pausa que duas pessoas se entendem e entram em comunhão.
Deve-se ler pouco e reler muito. Há uns poucos livros totais, três ou quatro, que nos salvam ou que nos perdem. É preciso relê-los, sempre e sempre, com obtusa pertinácia. E, no entanto, o leitor se desgasta, se esvai, em milhares de livros mais áridos do que três desertos.
Não há ninguém mais bobo do que um esquerdista sincero. Ele não sabe nada. Apenas aceita o que meia dúzia de imbecis lhe dão para dizer.
O casamento é o máximo da solidão com a mínima privacidade.
O canalha é sempre um cordial, um ameno, um amorável.
Poucas instituições serão tão abrangentemente nacionais quanto o Flamengo - a Igreja Católica, sem dúvida, é uma delas, e, talvez o jogo do bicho. E olha que o Flamengo não promete a vida eterna e nem o enriquecimento fácil. Ao contrário, às vezes mata de enfarte e, quase sempre, só dá despesa. Mas uma coisa ele tem em comum com a religião e o bicho: a Fé!
Por onde vai, o Rubro-Negro arrasta multidões fanatizadas. Há quem morra com o seu nome gravado no coração, a ponta de canivete. O Flamengo tornou-se uma força da natureza e, repito, no Flamengo venta, chove, troveja, relampeja.
Cada brasileiro, vivo ou morto já foi Flamengo por um instante ou por um dia.
Linda és tu.
És linda e doce, amorosa e triste.
Tens tudo que não presta.
A morte de um velho amigo é uma catástrofe na memória. Todas as nossas relações com o passado ficam alteradas.
Aos 18 anos o homem não sabe nem como se diz bom-dia a uma mulher. Todo homem deveria nascer com 30 anos feitos.
Eu tenho a maior admiração pelo homem fiel. Eu acho que o homem e a mulher deviam ser fiéis. Toda vez que alguém trai alguém, há um choque no universo.
O Natal já foi festa, já foi um profundo gesto de amor. Hoje, o Natal é um orçamento.