Um dia Vc Va me dar o Valor que Mereco

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Como pode um homem satisfazer-se com apenas ter uma opinião e deleitar-se com ela?

Henry David Thoreau
A desobediência civil. Porto Alegre: L&PM, 1997.

O CARTÃO

Eu tinha dezessete anos e era louca por um cara com quem trocava olhares, não mais que isso. Ele era o legítimo "muita areia pró meu caminhão" e jamais acreditei que pudesse vir a se interessar por mim, o que me deixava ainda mais apaixonada, claro. Mulher adora um amor impossível.
Então chegou o dia do meu aniversário. No final da manhã eu estava em casa, contando os minutos para uma festa que daria à noite, quando a empregada apareceu com um cartão nas mãos, dizendo que o zelador o tinha encontrado embaixo da porta do prédio. Abri e fiquei azul, verde, laranja: era dele! Corri para o telefone e liguei para a minha melhor amiga. "Que trote bobo, você quase me mata de susto, pensa que não sei que foi você que escreveu o cartão?" Ela jurou por todos os santos que
não. Liguei para outra amiga. "A letra é igual a sua, eu sei que foi você!" Não tinha sido. Liguei para outra: "Você acha que eu vou acreditar que um cara lindo que nunca me disse bom dia veio até aqui largar um cartão amoroso desses?" Ela me recomendou terapia. Bom, diante de tantas negativas, só me restou pensar: "Outra hora eu descubro quem é que está tirando uma comigo". E esqueci o assunto.
Semanas depois estava caminhando na rua quando encontrei o dito cujo. Ele resmungou um oi, eu devolvi outro oi, e então ele perguntou se eu havia recebido o cartão de aniversário. Minha pressão caiu, minhas pernas fraquejaram, eu só pensava: mas que idiota eu fui! O que iria responder? "Recebi, mas jamais passaria pela minha cabeça que um homem espetacular como você, que pode ter a mulher que escolher, fosse entrar numa papelaria, comprar um cartão, escrever um texto caprichado, depois descobrir meu endereço e então pegar o carro, ir até a minha rua,
colocar o envelope embaixo da porta feito um ladrão, e aí voltar para casa e aguardar meu telefonema. Olhe bem pra mim, eu não mereço tanto empenho."
Respondi: "Que cartão?"
Ele soltou um "deixa pra lá" e foi embora se sentindo o mais esnobado dos homens. E assim terminou uma linda história de amor que nunca começou. Anos depois nos encontramos casualmente e tivemos um rapidíssimo affair, mais aí já não éramos os mesmos, não havia clima, ficamos juntos apenas para ver como teria sido se. Vimos. E não escutamos sinos, não fomos flechados pelo Cupido. Cada um voltou para a sua vida e nunca mais tivemos notícia um do outro.
Contei essa história para um amigo outro dia e ele comentou que conhecia outras mulheres assim. Epa, assim como? Ora, assim medrosa, desconfiada, temendo pagar micos diante da vulnerabilidade que toda paixão provoca. Ele estava certo. Era assim mesmo que eu me sentia aos dezessete anos: medrosa e incapaz de levar um grande amor adiante. Quando recebi o tal cartão, deveria ter ligado imediatamente para o meu príncipe encantado para agradecer e convidá-lo para a festa.
E se ele tivesse dito: "Que cartão?"
Eu responderia: "Deixa pra lá, mas venha à festa assim mesmo". E então eu assumiria as conseqüências, não importa quais fossem. O nomezinho disso: vida. É sempre uma incógnita, portanto não vale a pena tentar fugir das decepções ou dos êxtases, eles nos assaltarão onde estivermos. Se você for uma garota boba como eu fui, acorde. Ninguém é muita areia pra ninguém. Pessoas aparentemente especiais se apaixonam por outras aparentemente banais e isso não é um trote, não é uma pegadinha, não é nada além do que é: um inesperado presente da vida, que todos nós merecemos.

Martha Medeiros
MEDEIROS, M. Doidas e Santas. Porto Alegre: L&PM, 2008.

Safena


Sabe o que é um coração
amar ao máximo de seu sangue?
Bater até o auge de seu baticum?
Não, você não sabe de jeito nenhum.
Agora chega.
Reforma no meu peito!
Pedreiros, pintores, raspadores de mágoas
aproximem-se!
Rolos, rolas, tinta, tijolo
comecem a obra!
Por favor, mestre de Horas
Tempo, meu fiel carpinteiro
comece você primeiro passando verniz nos móveis
e vamos tudo de novo do novo começo.

Iansã, Oxum, Afrodite, Vênus e Nossa Senhora
apertem os cintos
Adeus ao sinto muito do meu jeito
Pitos ventres pernas
aticem as velas
que lá vou de novo na solteirice
exposta ao mar da mulatice
à honra das novas uniões

Vassouras, rodos, águas, flanelas e cercas
Protejam as beiras
lustrem as superfícies
aspirem os tapetes
Vai começar o banquete
de amar de novo
Gatos, heróis, artistas, príncipes e foliões
Façam todos suas inscrições.
Sim. Vestirei vermelho carmim escarlate

O homem que hoje me amar
Encontrará outro lá dentro.
Pois que o mate.

Um Deus que sorri

Eu acredito em Deus.
Mas não sei se o Deus em que eu acredito é o mesmo Deus em que acredita o balconista, a professora, o porteiro.
O Deus em que acredito não foi globalizado.
O Deus com quem converso não é uma pessoa, não é pai de ninguém.
É uma idéia, uma energia, uma eminência.
Não tem rosto, portanto não tem barba.
Não caminha, portanto não carrega um cajado.
Não está cansado, portanto não tem trono.
O Deus que me acompanha não é bíblico.
Jamais se deixaria resumir por dez mandamentos, algumas parábolas e um pensamento que não se renova.
O meu Deus é tão superior quanto o Deus dos outros, mas sua superioridade está na compreensão das diferenças, na aceitação das fraquezas e no estímulo à felicidade.
O Deus em que acredito me ensina a guerrear conforme as armas que tenho e detecta em mim a honestidade dos atos.
Não distribui culpas a granel: as minhas são umas, as do vizinho são outras, e nossa penitência é a reflexão.
Ave Maria, Pai Nosso, isso qualquer um decora sem saber o que está dizendo.
Para o Deus em que acredito só vale o que se está sentindo.
O Deus em que acredito não condena o prazer. Se ele não tem controle sobre enchentes e violência, se não tem controle sobre traficantes, corruptos e vigaristas, se não tem controle sobre a miséria, o câncer e as mágoas, então que Deus seria ele se ainda por cima condenasse o que nos resta: o lúdico, o sensorial, a libido que nasce com toda criança e se desenvolve livre, se assim o permitirem?
O Deus em que acredito não é tão bonzinho: me castiga e me deixa uns tempos sozinha.
Não me abandona, mas me exige mais do que uma visita à igreja, uma flexão de joelhos e uma doação aos pobres: cobra caro pelos meus erros e não aceita promessas performáticas, como carregar uma cruz gigante nos ombros.
A cruz pesa onde tem que pesar: dentro. É onde tudo acontece e tudo se resolve.
Este é o Deus que me acompanha.
Um Deus simples.
Deus que é Deus não precisa ser difícil e distante, sabe-tudo e vê-tudo.
Meu Deus é discreto e otimista. Não se esconde, ao contrário, aparece principalmente nas horas boas para incentivar, para me fazer sentir o quanto vale um pequeno momento grandioso: um abraço numa amiga, uma música na hora certa, um silêncio.
É onipresente, mas não onipotente.
Meu Deus é humilde.
Não posso imaginar um Deus repressor e um Deus que não sorri.
Quem não te sorri não é cúmplice.

Eu quero a sorte de um amor tranquilo, com sabor de furta mordida, nós na batida no embalo da rede, matando a sede na saliva.

Canção para um Desencontro

Deixa-me errar alguma vez,
porque também sou isso: incerta e dura,
e ansiosa de não te perder agora que entrevejo
um horizonte.
Deixa-me errar e me compreende
porque se faço mal é por querer-te
desta maneira tola, e tonta, eternamente
recomeçando a cada dia como num descobrimento
dos teus territórios de carne e sonho, dos teus
desvãos de música ou vôo, teus sótãos e porões
e dessa escadaria de tua alma.

Deixa-me errar mas não me soltes
para que eu não me perca
deste tênue fio de alegria
dos sustos do amor que se repetem
enquanto houver entre nós essa magia.

In: "Secreta mirada"

A fé – um sexto sentido – transcende o intelecto sem contradizê-lo.

Caiu finalmente a minha ficha do quanto você é, tão e somente, um cara burro.

Certeza é o chão de um imóvel. Prefiro as pernas que me movimentam.

Nando Reis

Nota: Trecho da letra da música "A Letra A"

Os Skatistas - Parte II
Andar de skate é bom, você quebra um braço ou o nariz e torna a andar para se quebrar mais ainda.

Mas se você não fizer isso, o que é que você vai dizer pros seus filhos, pros seus netos? Que viu a vida passar em Branco?

Sabe, vai dizer que andou de skate, que se estrupiou bastante e foi parar no hospital.Essas coisas, que a gente só faz no verão.

Yeah, yeah!

Todo santo tem um passado. Todo pecador tem um futuro.

Pode chorar, querida, não é um erro, é uma necessidade. Você precisa colocar pra fora toda a dor que já lhe causaram. Você está sendo forte por guardar isso tudo só pra você, nunca se julgue fraca porque você não é. E eu sei, você sabe, e todas as garotas do mundo sabem como é isso. Só continue sendo forte. (…) Não se preocupe, essa angústia que você está sentindo vai passar, a saudade vai acabar. Eu sei que agora parece que o mundo conspira contra você, mas ele gira e em um giro desses tudo pode mudar. Então não desiste, sorria. Você é mais forte do que pensa e será mais feliz do que imagina. O medo a decepção, a tristeza, a raiva são só sentimentos, são só momentos e momentos chegam ao fim. Isso chegará também. Não tem como encontrar a felicidade sem ter passado pela tristeza. Pense nisso, não é hora de se deixar abalar.

O Espectro

Anda um triste fantasma atrás de mim
Segue-me os passos sempre! Aonde eu for,
Lá vai comigo…E é sempre, sempre assim
Como um fiel cão seguindo o seu Senhor!

Tem o verde dos sonhos transcendentes,
A ternura bem roxa das verbenas,
A ironia purpúrea dos poentes,
E tem também a cor das minhas penas!

Ri sempre quando eu choro, e se me deito,
Lá vai ele deitar-se ao pé do leito,
Embora eu lhe suplique:Faz-me a graça

De me deixares uma hora ser feliz!
Deixa-me em paz!…” Mas ele, sempre diz:
“Não te posso deixar, sou a Desgraça!”

Convite

Não sou a areia
onde se desenha um par de asas
ou grades diante de uma janela.
Não sou apenas a pedra que rola
nas marés do mundo,
em cada praia renascendo outra.
Sou a orelha encostada na concha
da vida, sou construção e desmoronamento,
servo e senhor, e sou
mistério

A quatro mãos escrevemos este roteiro
para o palco de meu tempo:
o meu destino e eu.
Nem sempre estamos afinados,
nem sempre nos levamos
a sério.

Conhecer o mistério de um corpo é talvez mais importante do que conhecer o mistério de uma alma.

Mario Quintana
Caderno H. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013.

Ninguém , com toda certeza, é capaz de assumir a liderança em todos os campos, pois para um homem os deuses concederam as proezas da guerra, a outro, a dança, para um outro, a música e o canto, e, num outro, o todo poderoso Zeus colocou uma boa cabeça.

Sou apenas um bloco de pedra para mim mesmo. Quero ficar dentro desse bloco, sem ser perturbado. Foi assim desde o começo. Resisti a meus pais, resisti à escola e depois resisti a tornar-me um cidadão decente. O que quer que eu fosse, fui desde o começo. Não queria que ninguém mexesse com isso. E ainda não quero.

Charles Bukowski
BUKOWSKI, C., O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio

Acho que a primeira prova da grandeza de um homem é a sua humildade.

Tudo crer é de um ingênuo. Tudo negar é de um tolo.

Passageiro Clandestino

No porta-mala do meu automóvel
Levo um anjo escondido...
Quando chegamos a um descampado,
Ele sai lá de dentro, estende as asas, belas como a vitória
E aí, então, nos seus ombros, dou uma longa volta pelos céus da cidade...