Tiago Frases

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A criança que fui sussurra por debaixo do meu terno gasto, mendiga atenção entre o ruído das rotinas. Ela tem dedos que contam as horas em marcas na pele, e olhos que sabem o preço secreto de cada dia cinzento.

Quando chego ao limite, finjo que não sinto o frio. O corpo anestesia, a alma não, esta última é outro animal. Ela late na escuridão, pede por pão e silêncio, e eu aprendo a oferecer o pouco que tenho: o meu tempo.

Há noites em que minha voz se perde como folha na chuva, cada palavra desfia-se em gotas que não alcançam ninguém. O quarto vira um navio naufragado de memórias, e eu mergulho por coisas que nem sempre merecem resgate.

Fé não é salto, é costura: remendo por remendo, dia após dia. Não prometo milagres, prometo presença, um gesto raso que salva. Nos momentos em que falta chão, seguro tua mão como um prego, e juntos improvisamos um caminho em tábuas trêmulas.

O mundo passa com pressa e leva pedaços da gente como folhas ao vento. Resta um bilhete amassado no bolso: “sobrevivi por pouco”.
Não é glória, é quase legenda de uma fotografia torta, mas serve para lembrar que ainda posso olhar e contar.

Minha raiva tem o tempero das pequenas humilhações: sal e silêncio. Ela cresce na cozinha, no caminho do trabalho, na janela onde ninguém olha. Quando explode, não pede licença, derruba vasos, palavras, hábitos, e depois deixa um rastro de verdade crua que, estranhamente, cura.

Sorrio por economia de forças, para que o rosto não quebre. Por dentro, há um mercado de lembranças em liquidação: tudo pela metade. Compro apenas o necessário, memórias que me sustentem até o amanhã, e guardo o resto numa caixa que só abro quando a noite me desafia.

O corpo fala em dialetos estranhos: tremores, ruídos, calafrios. Os médicos catalogam os sintomas, eu invento histórias para eles. Entre a ciência e o sentir, escolho o que me dá abrigo, uma xícara, um acorde, o barulho de passos que não me deixam sozinho.

Deixei de pedir certezas, aprendi a colecionar pequenos salvamentos: uma palavra que não corta, um prato quente, um olhar que não julga. Se a vida é pouca para tudo, guardo migalhas de bondade, faço delas panos com que limpo as janelas da alma.

Há dias em que a esperança veste roupas velhas e disfarça o medo. Ela caminha pela sala, tropeça, ri, insiste em ficar. Não é heroica, é teimosa e essa teimosia me sustenta, um ato minúsculo que repele a avalanche de desistências.

Falar de amor virou ato de contrabando entre a dureza do mundo. Levo-o escondido no peito como quem leva pérolas em bolsos rasgados. Quando entrego, minhas mãos tremem, não por medo de perder, mas por saber que a dádiva pode curar lugares onde o sol não entrou.

A solidão que carrego às vezes veste meus melhores trajes. Sai comigo para jantar, sorri, cumprimenta desconhecidos. No trecho de volta, tira a máscara e chora soprando o travesseiro, como quem revela ao mundo a própria face cansada de fingir.

Minhas certezas foram roubadas aos poucos, restou uma delas: respirar. Respiro com a disciplina de quem treina para uma guerra que não entende. Cada suspiro é um fio que me liga ao presente, me impede de desmoronar, e me lembra que resistir também é forma de poesia.

As palavras dos profetas estão escritas e gravadas nos muros e nos saguões, mas permanecem escondidas e sussurradas dentro dos sons do silêncio.

Minhas perdas me ensinaram a ler sinais mínimos: um olhar que demora, um silêncio que não retorna, o som do telefone que não toca. Aprendi a traduzir o vazio em mapa e a seguir por rotas menos frequentadas, onde ainda existem bancos vazios e gente que aceita sentar ao lado.

Tenho uma coleção de despedidas que nunca foram ditas. Elas ficam dobradas em gavetas, amassadas, cheias de pó emocional. Quando as revisito, sinto o gosto metálico do adeus e vejo que o maior ato é não mais guardá-las como se fossem provas de culpa.

Há feridas que o tempo não cicatriza, ele apenas ensina a pintar por cima. Cores novas, técnicas de ocultar, a vida vira tela retocada. Passo o pincel, sorrio ao espelho e finjo que a obra está completa, mas sei que por baixo do verniz a dor ainda pulsa, insistente.

Perdão não é gesto fácil: é levantar a cadeira do chão e colocar de volta. É reconhecimento, trabalho suado, uma paciência que dói. Quando perdoo, não apago cicatrizes, aprendo o ofício de conviver
com elas, transformo o passado em instrução
e não em cela.

O riso escapa às vezes como quem rouba um remédio proibido. Dói o riso quando sei o preço que ele tem: esquecer por instantes. Mas prefiro esses lapsos de luz a um cotidiano contínuo de negrume, pois há beleza mesmo nos intervalos em que a alma consegue respirar.

Prefira ser o ponto final na vida de quem te tem como uma interrogação.